Valor da Intolerância
Charles Evaldo Boller
Sinopse: A intolerância na construção social. Definição da intolerância como a única realmente válida. Na sociedade humana existe apenas intolerância.
Já observou o quanto a intolerância desmedida torna o individuo tolo? Principalmente porque é sempre ligada aos abusos de intolerância cometidos por sistemas de governos absolutistas e religiões, a intolerância é objeto de ódio profundo, como um grande mal da humanidade. Não lhe dão valor algum. É injusto dar valor apenas à tolerância. A intolerância possui tanto valor quanto a tolerância. Inclusive, até mais.
O que aconteceria se fosse possível calar todas as mentes pensantes? Trazer as pessoas numa tal dependência que não tenham mais a mínima coragem de proferir nenhuma palavra, a não ser com o consentimento daquele sentado no trono do poder? Felizmente não é assim! Brutos déspotas não conseguem ver, ouvir ou parar o pensamento de ninguém. O homem "ainda" tem a possibilidade de manter o pensamento bloqueado ao tirano e manter a mente livre do alcance deste. Aquele que exerce autoridade arbitrária não obtém sucesso em obrigar as pessoas a pensarem exatamente igual ao que sua tirânica disposição define. Se fosse possível seria o fim da boa-fé - a retidão ou pureza de intenções; a sinceridade - a necessidade máxima do estado, a qual se corromperia, incrementando a hipocrisia e a adulação. O aumento da deslealdade faria aflorar uma sociedade corrupta em todas as relações sociais.
Não se vive algo assemelhado? Já sem penetrar o pensamento, apenas manipulando a distribuição das riquezas e das oportunidades, o déspota impõe sua vontade aos cidadãos e os manobra quais cordeiros. Como o faz? Com o tempo, a intromissão do estado na vida do cidadão, através das leis, debilita o vínculo social e subjuga a consciência de cada cidadão pela exploração da miséria e da ignorância. É o lado negro da Democracia.
São estabelecidos pisos para investimento na educação em todos os níveis do poder, mas estes pisos passam a ser interpretados como tetos. Por truques e artimanhas administrativas e legais investe-se cada vez menos na educação, a qual seria importante válvula de escape da sociedade de livrar-se do despotismo. Com o acirramento da ignorância aparece o fanatismo entre as diversas relações dos cidadãos. A liberdade aos poucos é tomada e caminha-se para um estado de desvio de regras e padrões, para a intolerância descabida, a um estado despótico.
Um regime tolerante tem batalha perpétua na obtenção da liberdade do cidadão. E desta liberdade emana o poder que mantém o governante em seu posto. Mas esta concessão de liberdade pode ferir o estado profundamente. Para evitá-lo deve existir um forte esquema de segurança para o estado, porque do outro lado, quanto mais goza de liberdade de pensar, de se manifestar, mais aumenta a hostilidade do cidadão contra o poder estabelecido. É parte da índole do homem abusar quando experimenta liberdade. Um governo deve administrar a coisa pública em geral e não favorecer os interesses de indivíduos ou grupos. O poder não pode ceder às minorias ou indivíduos que visam obter vantagens para espoliar o bem público. Obter o equilíbrio entre o poder do estado e liberdade do cidadão é a tolerância instituída. É a melhor política, mas para funcionar, certos mecanismos de intolerância devem ser postos em prática.
Para um governo equilibrado, quais seriam os limites para impor a certeza de estar de posse de uma verdade absoluta? O maçom, e hoje a filosofia pós-moderna, sabe que a verdade absoluta não existe. Como fazer para evitar o uso da força e reprimir a vontade do governante déspota de impor sua vontade por anuência ou repressão? A história conta como o poder político sempre usa da violência legal para subjugar o cidadão, escravizando-o de uma forma ou outra. Esquema de segurança forte demais para o Estado, fatalmente leva ao abuso do governante. Muita liberdade para o cidadão certamente leva ao abuso de liberdade. De um lado o tirano, de outro, o libertino inconsequente. Isto instituiu a necessidade de estabelecer limites para a tolerância. Impõem a necessidade de exercer intolerância sobre alguns aspectos da convivência social; é a razão da existência das leis que são a maior expressão da intolerância institucional da sociedade.
Já que a verdade absoluta não existe, a intolerância das leis deve ser mantida aos que ensinam princípios que ameaçam a convivência pacífica entre os cidadãos e os bons costumes; aos grupos, religiões ou seitas que reservam prerrogativas contrárias ao direito civil; ao dano moral e material; ao comportamento de uma minoria que prejudica a maioria; e mesmo com o perigo da generalização pode-se definir que os limites da tolerância podem ser resumidos num único princípio: de que a intolerância não pode ser tolerada, na medida em que, prevalecendo ela, não seria mais possível a tolerância.
Tanto a intolerância como a tolerância tem a ver com a manipulação do mal. E isto traz confusão. Se uma tratasse do mal e a outra do bem seria fácil de entender. Não havendo intolerância para que tolerância? Havendo tolerância ao extremo ela mesma se anula. Havendo intolerância ao extremo ela anula a possibilidade de tolerância. São apenas conceitos diferentes para o mesmo objetivo; minimizar os efeitos do mal. Ser tolerante ou intolerante com o mal, o que é mais importante? A primeira exige sacrifício; não existe tolerância sem sacrifício. A segunda exige poder e força. A intolerância movida pelo fanatismo é a pior expressão do mal contra o progresso da humanidade. Intolerância extrema torna o homem sanguinário. Considerado o lado bestial do ser humano, subjugado apenas ao rigor da lei, a intolerância emanada da lei deve existir equilibrada no limite até onde a tolerância fica impossível; senão o estado totalitário abusaria do expediente de pressionar o cidadão usando dos rigores da lei o que tornaria sua vida difícil. Este equilíbrio é necessário em todos os ambientes sociais onde existe disputa de poder ou geração de medo. Não fica restrita à determinada linha de tempo, mas em todas as épocas, a cada relação de força do Estado e o cidadão ou entre pessoas.
A intolerância ao mal é importante na vida em sociedade. Sem intolerância ao mal a sociedade não tem como subsistir. A intolerância não é algo a ser banido do pensamento, mas carece de uso equilibrado para o estabelecimento de relações estáveis e pacíficas entre as pessoas; é o que torna possível a vida em comum entre povos e nações. "Tolerância mútua é uma necessidade em todos os tempos, e para todas as raças. Tolerância não significa aceitar o que se tolera", (Mahatma Gandhi). Este é o exercício filosófico de Voltaire: "a intolerância é fruto do fanatismo; o único remédio para superá-la está na filosofia". Muitas vezes a verdade fica oculta por não se olharem os vários lados de uma questão. Existe aquele que se diz tolerante e abomina a intolerância apenas porque, por razões simplistas, não avaliou que a intolerância também tem seu valor. Se levado ao extremo da lógica, só a intolerância existe. Se a tolerância for levada ao extremo, inviabiliza a própria tolerância; uma sociedade tolerante ao absoluto já não é mais uma sociedade humana. A tolerância é considerada uma virtude menor, pois quando se diz que se tolera algo, aflora embutido neste pensamento a intolerância. O valor da intolerância está nisso: apenas ela existe de fato. Dizer que se tolera algo define em realidade que não se tolera aquilo; exerce-se apenas intolerância. Ser tolerante significa que se está exercendo intolerância até o limite onde, existindo apenas tolerância, a própria tolerância desaparece.
Quando a ordem maçônica se denomina tolerante para com todas as religiões significa que a intolerância é reduzida; a intolerância existe. No laboratório que pretende reproduzir uma sociedade igualitária não existe igualdade de fato. Existe intolerância para situações onde mentira e verdade é confundida para embaralhar a moral, mas até nestes casos, quando impera a ignorância, o déspota impõe seu domínio - isto determina a necessidade do maçom aprender a pensar filosoficamente, de estudar e ensinar. Quanta intolerância é suportada para sustentar a busca do poder dentro da ordem maçônica, razão da existência da diversificação de grandes orientes, grandes lojas, ritos e ofensas em época de eleição. Quando a tolerância é maximizada ela é tão má quanto à intolerância: surge inadimplência, indisciplina, absentismo, templos esvaziam e obreiros adormecem. Quanto mais tolerância, mais os incompetentes e maus se estabelecem no poder e afastam os bons. Intolerância levada ao extremo causa o mesmo mal. Daí a necessidade do estabelecimento de limites. É a razão da existência dos regulamentos e leis de cada obediência; a expressão da intolerância ao mal.
Qual o valor da intolerância? Pela lógica apenas ela existe e é benéfica para a sociedade. Exercida dentro de limites ela é boa e traz à existência a tolerância tão necessária e importante para superar dificuldades, tornando-se elemento de progresso de pessoas e nações. Se não existir intolerância não há necessidade de tolerância. É ela que define a importância do inimigo, pois são em razão da existência do adversário que se desenvolvem os limites para manter a intolerância ao mínimo. O inimigo é o grande mestre de tolerância para cada um. Retribuir bem com bem, tolerância com tolerância, não estabelece mérito algum, mas sem tolerância não é possível boa Democracia e construção.
Haja vista os erros e fraquezas característicos do homem, a intolerância tem seu valor porque dá à luz a tolerância. A tolerância é um ato de amor fraterno, algo que exige abnegação, a única solução para todos os problemas da humanidade. Onde a tolerância brilha, mesmo que seja a menor, insignificante, o homem cresce e se desenvolve debaixo da suprema lei de sua melhor natureza, advinda de um projeto inteligente, magistral, cujo autor o maçom conhece apenas por um conceito que torna a sua convivência maçônica possível e prazerosa, denominada Grande Arquiteto do Universo.
Bibliografia
1. ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de Filosofia, Dizionario di Filosofia, tradução: Alfredo Bosi, Ivone Castilho Benedetti, ISBN 978-85-336-2356-9, quinta edição, Livraria Martins Fontes Editora limitada., 1210 páginas, São Paulo, 2007;
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Biografia
1. Mahatma Gandhi, advogado e maçom indiano. Também conhecido por Mohandas Karamchand Gandhi. Nasceu em Porbandar, Índia em 2 de outubro de 1869. Faleceu em Delhi, em 30 de janeiro de 1948, com 78 anos de idade, assassinado. É um dos maiores líderes nacionais do século XX;
2. Voltaire ou François Marie Arouet, dramaturgo, ensaísta, escritor, filósofo, historiador, maçom, novelista e poeta francês. Nasceu em Paris em 21 de novembro de 1694. Faleceu em Paris, em 30 de maio de 1778, com 83 anos de idade. É um dos principais nomes do iluminismo na França. Iniciado maçom no dia 7 de fevereiro de 1778 numa das cerimônias mais brilhantes da história da Maçonaria mundial, a loja Les Neuf Soeurs, Paris, inicia ao octogenário Voltaire, que ingressa no Templo apoiado no braço de Benjamin Franklin, embaixador dos Estados Unidos da América na França nessa data. A sessão foi dirigida pelo Venerável Mestre Lalande na presença de 250 irmãos. O venerável ancião, orgulho da Europa, foi revestido com o avental que pertenceu a Helvetius e que fora cedido, para a ocasião, pela sua viúva. Voltaire falece três meses depois.
Data do texto: 02/09/2008.
Sinopse do autor: Charles Evaldo Boller, engenheiro eletricista e maçom de nacionalidade brasileira. Nasceu em 4 de dezembro de 1949 em Corupá, Santa Catarina. Com 61 anos de idade.
Loja Apóstolo da Caridade 21 Grande loja do Paraná.
Local: Curitiba.
Grau do Texto: Aprendiz Maçom.
Área de Estudo: Comportamento, Filosofia, Maçonaria, Tolerância.
Publicação: http://segredomaconico.blogspot.com/2011/05/valor-da-intolerancia.html
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