segunda-feira, 31 de agosto de 2015



Humildade, Amor e Luz

Humildade, Amor e Luz
Eis fulgente trilogia,
Criando e desenvolvendo
A Grande Sabedoria.

Mas guardando o trio nobre
Que esclarece e que redime
Temos, em tudo, a Humildade
Brilhando por dom sublime,

Nessa virtude celeste
De transcendente beleza
É que o Céu se comunica
Às bênçãos da natureza.

Vê-la-eis, doce e constante,
Presente embora e esquecida,
Assegurando, bondosa,
Os fundamentos da vida.

A rocha que desprezamos,
Sozinha, triste e inferior,
É o braço firme da Terra
Suportando o vale em flor.

A fonte que chora e canta
Batida na pedra dura
É corrente generosa
Transportando água mais pura.

Os Córregos rebaixados
Às furnas de raro acesso
Compõe o grande rio
Que nos garante o progresso,

A tempestade que sofre
Acusação e labéu
É força que purifica
A majestade do Céu.

A semente pequenina
A segregar-se no chão
É reserva indispensável
De paz, alegria e pão.

O ferro que experimenta
A pressão da forja em brasa
Conquista graça e respeito
Na serventia da casa.

A lagarta rude e feia
De mascara monstruosa
Tece o fio primoroso
Para a seda preciosa.

A pedra pobre a ocultar-se
Servindo sem descansar,
Assegura o reconforto
E a segurança do lar.

O papel simples e frágil
Quase inútil na aparência
Recolhe as fulgurações
Que nascem da inteligência.

A santa simplicidade
Em sua auréola bendita
Conserva a gloria de Deus
A refazer-se infinita.

Busquemos, pois, a Humildade,
Sob as lições de Jesus,
E guardaremos conosco
As bênçãos de Amor e Luz.

Casimiro Cunha

domingo, 30 de agosto de 2015


Paz e Amor


Escuta,  coração!...
Se buscas atingir a vitória do bem,
Se desejas que a paz se te instale nas horas,
O programa é servir sem desprezar ninguém...

Contempla a terra em derredor
E reconhecerás com nitidez
Que em base de ação e tolerância
Nada de bom se fez!...

O chão que suportou enxada e golpe
É sempre aquele chão
Onde a vida se dá e depois se retoma,
Em láureas de verdura e tesouros de pão...

A fonte que te ampara não se oculta,
Em descanso vulgar,
É aquela que não teme pedra e lodo
E cede apoio ao rio à procura do mar.

Observa mais longe:
No anseio de progresso a que o tempo te induz,
Sem força ou combustível que se gastam,
Pereceria a Terra, ante a morte da luz.

Se sonhas com mundo novo, serve e segue,
Não pares, nem te deixes combalir,
O trabalho presente aproveita o passado
Para tomar mais alta a bênção do porvir!...

Não te prendas à sombra da tristeza,
Nem te entregues à queixa amarga e vã,
Auxilia, perdoa e eleva hoje
E encontrarás mais bela a vida de amanhã!...

Examina conosco, alma querida!
Seja onde seja com quem for,
Deus, em tudo, é a presença da bondade
Que a tudo envolve e guarda, cascatas de amor!...

Casimiro Cunha

sábado, 29 de agosto de 2015

Sobre o "Método Maçônico"...
Muito se fala e especula sobre o que é e o que será o tão propalado "método maçônico".
Ele não é mais que um método de busca, estudo e aprendizagem que auxilia o maçom ao longo da sua vida.
Tal como outros métodos de estudo ou de vida, ele não é melhor nem pior, mas é o que o maçom utiliza.
O maçom através da sua busca incessante de informação/conhecimento, a procura da dita"Luz", o leva a questionar os motivos, as razões, os porquês....
"O que é?", "O que será?","O porquê?" e "Para que serve?" são para os maçons, tal como para os profanos, a base do caminho de suplantação das suas dúvidas, sejam elas mundanas ou mais elevadas.
Ele nunca se irá prender a sofismas e dogmas irrisíveis ou inclusive a cepticismos vãos que o levarão a um caminho de busca sem fim ou qualquer retorno palpável.
Ele mesmo, através do seu empenho e trabalho, combate os dogmas instalados sem que tenham razão aparente para existirem. Ele debate, questiona, aprende, e principalmente procura as razões para tal... Nunca se ficando com "é assim porque tem de ser...". Tal afirmação e suas semelhantes não lhe servem como respostas para as suas dúvidas. Ele quer mais... E por isso procura! E faz!
Tal como as três afirmações bíblicas, muito usadas por várias correntes esotéricas (a Maçonaria é uma delas) " Bate e ela se abrirá... Procura e acharás... Pede e receberás...", é através dessa busca e desejo de conhecimento que o maçom até ao fim dos seus dias será impelido a trabalhar e estudar de forma empenhada, nunca ficando contente ou satisfeito com o que vai obtendo. Ele quer mais e procura/faz por isso! E é essa atitude de não resignação, de "nunca baixar os braços", que é fundamental para o método maçónico.
"Se tens dúvidas, trabalha para as combater"... Este podia ser um mote de incentivo ao maçom, tal como tantos outros que existem e que guiam ou incentivam o maçom ao longo da sua vida.
-Por isso, sempre que alguém ouvir falar de um eventual método maçónico, saberá à partida que se trata de um método de trabalho e não algo de conspirativo como algumas mentes mais "conspurcadas" ou menores como eu as considero, tentam fazer acreditar.-
O maçom ao longo da sua caminhada, tem uma atitude pró-ativa. Isto é, ele não é uma pessoa de se encolher, de ficar de braços cruzados sem nada fazer. Ele estuda, trabalha, debate, ensina. Nunca se ficando pelo que obtém nem o tomando como garantido.
Tudo na vida é transitório, uma espécie de devir. E como tal, apenas tendo atitudes que visem obter evolução pessoal, progressão cultural, entre outras..., é que o maçom se poderá afirmar entre os demais.
Hoje em dia já não basta ao maçom ser reconhecido pelos seus irmãos como tal, ele deve ser reconhecido pelos outros como tal. Um Homem Livre e de Bons Costumes!
E para se ser um Homem Livre e de Bons Costumes, ao maçom não lhe servirá apenas ser alguém com uma moralidade acima da média, ou que apenas pratique a caridade e a solidariedade com o próximo.
É através do conjunto destas e de outras qualidades, que o maçom desenvolve o seu método pessoal de vida. O Método Maçónico é também isso. Uma forma de viver.
E é também partilhando essa forma de estar com os demais, que ele aprende, se cultiva e se informa. Tudo o que ele adquirir no percurso dessa caminhada, não será apenas dele, será também de quem o rodeia. Pois apesar de o maçom trabalhar a sua pedra bruta, ele não o faz de forma solitária. Ao seu lado estarão sempre os seus irmãos, que lhe servirão de amparo e o conduzirão no rumo certo, e que ele por sua vez, também ensinará e amparará quando assim tiver de o fazer.
Por isso, não só na sua Loja Maçónica, no seu Templo, deve o maçom trabalhar tanto para ele bem como para os demais, mas acima de tudo, deve ele no mundo profano manter essa conduta. Pois os ganhos adquiridos, os tão profanos "lucros" serão para a comunidade, porque o Maçom não busca distinções no que faz. Faz e assim continua a fazer... Para o bem comum!
E quanto mais rápido ele interiorizar essa ideia na sua mente, mais facilmente progredirá como pessoa, o tal "aperfeiçoamento moral", tão caro à filosofia maçónica.
E se o Homem não deseja progredir, anda cá na Terra a fazer o quê, realmente?
A ver os dias a passar?!
E porque não tornar esses dias mais agradáveis para a generalidade?
Essa é também uma das obrigações do maçons; e para tal, como pode alguém contribuir para um mundo melhor, se não partir de si, a vontade de se tornar em algo melhor...
O método maçónico serve para isso, exclusivamente!
 

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O ASNO E O SEU CONDUTOR
Autor: Esopo

Um Asno, conduzido por seu dono, descia por uma estreita trilha na encosta de uma montanha, quando de repente, cismou que deveria escolher seu próprio caminho.

Ele acabara de ver seu estábulo no sopé da montanha, e para ele, a descida mais rápida e sensata, seria pela encosta do precipício. Decidido, se joga no abismo, quando seu dono o segura com toda sua força pela cauda, tentando puxá-lo de volta. Mas o teimoso animal, faz birra e puxa com mais força ainda.

"Muito bem," disse-lhe o condutor, "siga seu próprio caminho animal cabeça dura, e veja por si mesmo aonde este irá te conduzir."

Dito isso, soltou sua cauda, e o tolo Asno se precipitou montanha abaixo.

Moral da História:


Aqueles que não dão ouvidos aos gentis conselhos dos mais sábios, logo se encontrarão na estrada do infortúnio.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015


Morte: Uma janela para a Vida

 
Floriano Legado do Amaral
 
Na Terra, a morte ainda é um fenômeno inexplicável e chocante e difícil de ser aceito. Por mais que se estude ou trabalhe com esse fenômeno, no fundo o homem tem medo dele e deseja vê-lo o mais longe possível. A não certeza do que vem depois da morte é que atemoriza os candidatos à ela, que somos todos nós, os encarnados. Até mesmo as pessoas mais treinadas para enfrentar esse fenômeno preferem adiá-la enquanto podem. Chico Xavier, que convive com os mortos há mais de 70 anos e tem certeza de que do outro lado da morte existe um mundo vivo, dinâmico, vibrante na medida em que é mais descortinado pelo cidadão que já fez sua passagem deixa transparecer que não tem medo da morte, mas também não faz questão de morrer. certa vez, alguém lhe disse: - "Dizem que no mundo espiritual existe uma casinha azul, muito linda e aconchegante. O que você acha dessa idéia?" Em tom de brincadeira ele comentou - "Eu prefiro continuar por aqui numa casinha amarela mesmo". Com a bagagem de conhecimento doutrinário espírita e a ampla experiência que o CHICO XAVIER tem, o indagador talvez esperasse que ele respondesse: - "tudo bem, se assim é, eu estou pronto para partir rumo a Pátria Espiritual. Mas a incerteza que ele também tem, como todos nós temos é que faz ele fincar o pé da Terra. Lembro-me de uma outra personagem de destaque que nunca escondeu o seu medo da morte: O ex-deputado Federal Ulisses Guimarães, baluarte da Democracia Brasileira dizia: - "Se um dia você testemunhar o meu enterro, pode dizer: Ali vai um homem inconformado." O ilustre homem público parece ter profetizado o seu trágico desencarne quando o helicóptero em que viajava foi tragado pelo oceano onde Ulisses jaz, em paz. Poucos são os homens que confessam esse medo publicamente, mas que a maioria da Humanidade encarnada treme diante da possibilidade de ter de deixar este mundo, apesar de todos os seus problemas, não há dúvida. Contudo, nada disso adianta, pois sabemos que quando a hora chega não tem barriga me dói, o fato acontece a pronto...
A História, entretanto, nos dá conta de que alguns povos se preparavam melhor para enfrentar o fenômeno morte. Eis, por exemplo, o que diz Leon Denis em seu livro "O Gênio Céltico e o Mundo Invisível", pág. 177, Edição CELD:
"Uma das características da filosofia céltica, é a indiferença pela morte. Sob esse ponto de vista a Gália era um objeto de admiração para os povos pagãos, os quais não possuíam, no mesmo grau, a noção da imortalidade. Nossos antepassados, não receando a morte, certos de viver no além-túmulo, estavam libertos de todo temor.
"Em nenhuma crença encontra-se um sentimento tão intenso do invisível e da solidariedade que une o mundo dos vivos ao dos espíritos. Todos aqueles que deixaram a Terra eram carregados de mensagens destinadas aos mortos. Diodoro de Sicília nos deixou esta passagem preciosa: "Nos funerais, eles depositavam as cartas escritas aos mortos, pelos seus parentes, para que elas lhes fossem transmitidas". A comunicação dos dois mundos era coisa comum. Pompônio Mela, Valério Máximo e todos os autores latinos que nós citamos dizem que entre os gauleses "emprestava-se o dinheiro para ser reembolsado no outro mundo".

Curiosidades em torno da morte

Valmiro Rodrigues Vidal, autor de quase 30 livros, recolheu na História universal interessantes casos relacionados com o fenômeno chamado morte. Selecionamos alguns deles, narrados por esse autor para que os leitores do Correio também os conheçam. Morte é tema árido e até indesejável. Mas bem urdido também pode ser cultura. Senão vejamos o que Valmiro tem para nos contar:
  • Maomé enriqueceu pelo casamento com a viúva Kadidja. Aos 25 anos de idade, era seguido por grande massa humana. Depois de uma meditação de mais de 15 anos nas florestas da Arábia, Maomé fugiu para não ser assassinado (ano 622, data que narra o começo da Era Muçulmana). Faleceu de uma febre maligna, na cidade de Medina, onde se acha sepultado.
  • O poderoso Dario, rei dos Persas, morreu de ódio. Por haver Atenas ajudado seus inimigos. Dario durante 10 anos teve um criado cuja obrigação principal era dizer-lhe três vezes por dia: "Lembra-te dos Atenienses". Reinou com grande influência na Ásia, onde se apoderou de Babilônia (558-485 a.C.) Era conhecido como "Reis dos Reis".
  • Marco Túlio Cícero foi um dos maiores oradores da Antiguidade. Condenaram-no à morte por ordem de Marco Antônio porque escreveu um livro (suas celebres Filípicias). Foi degolado perto de Fórmias, sendo depois expostas ao público sua cabeça e sua mão direita. Cícero viveu nos anos 106-43 antes de Cristo.
  • Caio Júlio César, no ápice das glórias, tombou nas escadarias do Fórum, no dia 15 de março do ano 44 da Era Romana, abatido com 23 punhaladas, junto da estátua de Pompeu. Uma das armas assassinas fora um lápis de aço, dos que se usavam para escrever sobre papel encerado. Foram suas últimas palavras": Tu quoque, fili me Brute" (Também tu, Bruto, meu filho!) César referia-se a Bruto (Marco Júnio Bruto, que morreu no ano 42 a.C., perseguido por Antônio e Otávio, suicidando-se na cidade de Filipes, Macedônia).
  • Alexandre, O Grande (também conhecido por Alexandre Magno), expirou em conseqüência de violenta febre, na cidade de Babilônia, onde se deteve para consolidar o seu vasto Império. A morte surpreendeu-o em meio de uma festa. Dois dias antes de seu desaparecimento, uma cigana fora condenada à morte por ter-lhe previsto o desenlace. Nasceu em 356 a.C., na Macedônia (Grécia). Aos 18 anos, com a morte de seu pai, subiu ao trono. Chegou a conquistar ¾ da Terra. Com 20 anos apenas, à testa da Cavalaria, lançou-se às maiores conquistas de que há notícia na História. Atravessou a Ásia e conquistou a Ásia Menor. Marchando ao longo do mar Cáspio, apossou-se de Turquestão ocidental, e invadiu a Índia. Derrotou o exército de Dario III. Apossou-se do Egito e dominou os persas. Conquistou Babilônia e aí numa orgia, pôs fogo ao palácio do poderoso Dario.
  • Aristóteles, condenado à morte, morreu antes de ser executada a sentença, no ano 322 a.C. Escreveu 400 obras, entre as quais: Órganon, Metafísica, História dos Animais, Da Geração e da Corrupção. Nasceu em Estagura, na antiga Grécia, no ano 384 a.C. Teve a honra de educar Alexandre, o Grande.
  • Arquimedes, um dos maiores geômetras de todas as épocas, morreu assassinado. Absorto na resolução de um problema, nem dera pela vitória do inimigo, e foi morto por não receber respostas às perguntas que lhe fazia. Nasceu esse gênio em Siracusa, no ano 287 a.C. Inventou as roldanas, o parafuso sem fim, as rodas dentadas. Descobriu o princípio da alavanca. Com o auxílio de espelhos parabólicos, refletindo e concentrando a luz solar, incendiou a esquadra do general Marcelo, que mesmo assim ordenou fosse poupada a sua vida; pois necessitava do cérebro desse geômetra.
  • Aníbal, o Cartagnês (247-183 a.C.), não querendo se render a Cipião, o Africano, e sabendo que estava perdido, envenenou-se com um tóxico que sempre trazia oculto num anel.
  • Carlos I, rei da Inglaterra, três minutos antes de morrer no cadafalso, dirigindo-se ao bispo Juxon, disse: "Remember!"(Lembra-te).
  • Abraão Lincoln sucumbiu com um tiro à altura da nuca, disparado pelo ator John Wilkes Booth, no dia 14 de abril de 1965, durante um espetáculo no Teatro Ford, nos Estados Unidos. Morreu às 7 horas da manhã do dia 15. Ao exalar o último suspiro. Lincoln exclamou: "Deixe-me que vou morrer".
  • Beethoven morreu de tristeza, por não poder mais ouvir. Acabou surdo. Foram suas últimas palavras: "É já tarde; não posso ouvir..."
  • O sábio francês Lavoisier foi levado à guilhotina durante a Revolução Francesa, em 1794. Os carrascos o guilhotinaram exclamando: "A França não precisa de sábios".
  • Luís XVI também foi guilhotinado, com sua esposa Maria Antonieta. Antes que a Lâmina caísse sobre o pescoço, Luís XVI exclamou: "Franceses! Morro inocente e não quero que o meu sangue recaia sobre vós!".
  • Victor Hugo viveu 20 anos exilado e morreu de tristeza. Ao expirar, balbuciou: "Adeus, Jeanne" (sua neta de estimação).
  • Liszt não esqueceu o piano amigo: "Adeus, meu piano adorado".
  • Elizabeth da Inglaterra não queria morrer: "Todo o meu reino, Senhor, por mais um minuto de vida".
  • Guilherme de Nassau morreu pensando no seu povo: "Meu Deus! Tende piedade de mim e do meu povo; estou mortalmente ferido".
  • Bocage pensou um minuto em Deus e dissera ao partir para o Além: "Rasga meus versos. Crê na Eternidade".
  • Frederico I, da Prússia, foi realista na hora da morte, exclamando: "Nu vim ao mundo e nu partirei. Não quero vestir o meu uniforme".
  • Frederico, O grande, não acreditava nos homens, e dissera: "Enterre-me junto ao meu cão".
  • Richard Wagner expirou subitamente de emoção, em 1883. Ao acabar de tocar a mais bela de suas óperas (Ouro do Reino), caiu junto ao piano dizendo: "No céu ainda poderei compor as minhas músicas!".
  • Ricardo III, da Inglaterra, exclamara, mortalmente ferido: : A horse! A horse! My kington for a horse! (Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!).
  • Antônio Carlos Gomes levou para o túmulo alguma mágoa. No seu testamento, deixou escrito: "Antônio Carlos Gomes, brasileiro e patriota". Morreu na cidade de Belém do Pará, em 1896.
  • Augusto Comte, ao expirar exclamou: "Que perda irreparável!".
  • Jorge IV, da Inglaterra, dissera: "É só isso a morte?"
  • Tiradentes, o mártir da Independência: "Cumpri minha palavra. Morro com a Liberdade!"
  • Estando Jesus já cravado na cruz, nos últimos instantes de sua agonia, olhando para baixo viu ao pé da cruz Maria de Magdala, Maria de Cleophas, Maria, sua genitora, e João, um de seus discípulos, então disse, dirigindo-se à sua mãe: "Mulher, eis aí o teu filho, referindo-se a João. Em seguida, ele acrescentou, olhando nos olhos de João e de sua mãe: "Eis aí tua mãe". Instantes depois Ele disse: "tenho sede". Os carrascos lhe deram vinagre para saciar a sede> Ele tomou o vinagre e disse: "Está consumado". E aí inclinou a cabeça para um lado e expirou pela última vez no seu corpo físico. ( João de 25 a 30).
Para que não se diga que não falamos de flores, como bem lembrou, um dia, um poeta dos Festivais da Música Popular Brasileira, encerro este mosaico póstumo com algumas pinceladas doutrinárias, procurando, com isso, desmistificar o fenômeno que erradamente chamamos de morte. Melhor seria que hoje, com tão amplo cabedal de conhecimento, tivéssemos a coragem de rebatizá-lo como "Uma Janela para a Vida".
Na essência, não finamos. Apenas ressurgimos num mundo novo, onde novas experiências nos aguardam.
O desaparecimento físico dá-se pela transformação de nossa massa corpórea em água, sais, oxigênio, azoto e outros gazes, mas jamais significa a extinção da personalidade, entendida como a essência espiritual,. Esta se reveste imediatamente, falando em termos relativos, com um outro corpo menos denso e transporta-se, ou é transportado, para o ambiente espiritual que lhe é próprio. Continua ali detentor de seus atributos como a inteligência, a memória, o pensamento, as virtudes, as mazelas. Continua enxergando, articulando palavras, isto, agora, por um mecanismo específico e muito mais perfeito do que se conhece na Terra, continua locomovendo- se, sentindo, como antes, ama, odeia, emociona- se, tudo como dantes, e busca estar junto daqueles que sempre lhe foram afins. Não há, portanto, como querem alguns, o esfacelamento dos círculos de amizades e nem dos círculos familiares. Pelo contrário, conforme ensinam nossos Instrutores Maiores diretamente à nossa consciência, ou através de mentes intermediárias: a partir da ausência de qualquer um de nós na Terra, as afinidades tornam-se ainda mais coesas e os laços que às vezes se tornaram frouxos se refazem com muito mais responsabilidade.
Assim sendo, não há porque desatarmos em desespero ante a convocação inexorável de um irmão. Cantemos hosanas a Deus por tê-lo libertado do jugo da carne mais cedo do que nós e encaremos a morte como uma necessidade da vida. Nada se acaba, tudo se transforma, diz o aforismo científico, indicando-nos uma das verdades que compõem o mecanismo da evolução.
Diante da morte, depositemos buquês feitos com nossas preces. Esta é a melhor homenagem que se pode prestar a alguém que viaja para o mundo espiritual.
 
(Publicado no Correio Fraterno do ABC Nº 370 de Novembro de 2001)

quarta-feira, 26 de agosto de 2015


A Revolução Francesa (1789-1799)

Edward McNall Burns – História da Civilização Ocidental

A Revolução Francesa (1789-1799)

A Era da Revolução


PROFUNDAS modificações assinalam a história política da última parte do século XVIII. Esse período assistiu à agonia do sistema peculiar de governo e de estruturação social que se desenvolvera na época dos déspotas. Na Inglaterra tal sistema se achava praticamente abolido por volta de 1689, mas ainda persistia em outras partes da Europa, ossificando-se e corrompendo-se cada vez mais com o passar dos anos. Floresceu em todos os países maiores sob a influência combinada do militarismo e da ambição, por parte dos monarcas, de consolidai em o seu poder a expensas dos nobres. Mas quase não houve lugar em que se apresentasse sob uma forma tão abominável como na França, durante o reinado dos três últimos Bourbons. Luís XIV foi a encarnação suprema do poder absoluto. Seus sucessores, Luís XV e Luís XVI, arrastaram o governo aos derradeiros extremos da extravagância e da irresponsabilidade. Além disso, os súditos desses reis eram bastante esclarecidos para sentirem vivamente os seus agravos. Não é de estranhar, portanto, que a França tenha sido o teatro de violenta sublevação para derribar um regime que desde muito vinha sendo odiado e desprezado pelos cidadãos mais inteligentes do país. Não estaremos muito errados sr interpretarmos a Revolução Francesa como o clímax de um século cie oposição que tomara corpo pouco a pouco, oposição ao absolutismo e à supremacia de uma aristocracia decadente.

1. As causas da Revolução Francesa


Causas Políticas: 1) o governo despótico dos Bourbons.


Para facilidade de estudo, podemos dividir as causas da Revolução Francesa em três categorias principais: políticas, econômicas e intelectuais. Esta divisão, naturalmente, é um tanto arbitrária, por não existir verdadeira distinção entre as classes consideradas. As causas intelectuais, por exemplo, e até certo ponto também as politicas, eram em grande parte econômicas na sua origem. Não obstante, visando uma simplificação do assunto, podemos considerá-las em separado. Uma das principais causas políticas já foi mencionada: o governo despótico dos Bourbons. Durante quase duzentos anos o governo da França tinha sido uma autocracia. Nos séculos XIV, XV e XVI havia-se reunido com intervalos irregulares uma espécie de parlamento conhecido como os Estados Gerais e composto de representantes do clero, da nobreza e do povo. Depois de 1614, porém, não tornou a ser convocado. Daí por diante foi o rei o único detentor do poder soberano. Num sentido muito real, era êle o estado. Podia fazer quase tudo que a sua vontade imperiosa ditasse, sem receio de "impeachment" ou de restrições legislativas de qualquer espécie. Escusava de preocupar-se com questões de constitucionalidade ou relativas aos direitos naturais dos seus súditos. Podia atirar homens à prisão sem processo, bastando para isso uma ordem real, ou lettre de cachei. Podia impedir qualquer crítica à sua política impondo uma censura rígida à imprensa ou restringindo a liberdade de palavra. Deve-se convir, no entanto, que a tirania dos reis franceses tem sido amiúde exagerada. Na prática, houve relativamente pouca interferência no que os homens escreviam ou diziam, em especial durante os reinados de Luís XV e Luís XVI. Nenhuma ação desses monarcas coibiu o espírito mordaz de Voltaire ou suprimiu os livros radicais de Rousseau (r). Pelo contrário, os ataques destes e de outros filósofos aumentaram de virulência à medida que se aproximava a Revolução. A explicação, já se vê, não deve ser procurada num possível liberalismo de Luís XV ou de seu atoleimado neto, mas antes na indiferença de ambos para com a política.

(1) Voltaire esteve preso durante algum tempo e exilou-se depois na Inglaterra, devido a um de seus venenosos pasquins, mas isso se deu no começo de sua carreira de escritor. Grande parte das acerbas criticas que fêz ao governo e à igreja foram escritas depois de ter regressado da Inglaterra.

2) O caráter ilógico do Governo Francês


Uma segunda causa política da Revolução Francesa foi o caráter ilógico e caótico do governo. A confusão reinava em quase todos os setores. A estrutura política resultava de um desenvolvimento longo e irregular, iniciado na Made Média. Novos órgãos tinham sido criados de tempos a tempos para tratar de questões particulares, sem que se levassem em consideração os já existentes.

Em consequência havia grande superposição de funções e numerosos funcionários sem nenhuma utilidade recebiam emolumentos dos cofres públi- . cos. Conflitos de jurisdição entre repartições rivais amiúde atrasavam, durante meses a fio. a solução de problemas de vital importância. Por quase toda parte as qualidades dominantes do sistema eram a ineficiência, o desperdício e o suborno. Mesmo nos assuntos financeiros não havia mais regularidade do que em outros ramos da administração pública. Não só o governo funcionava sem orçamento mas também raramente havia escrituração. Tampouco se fazia unia distinção clara entre as rendas do rei e as do estado. Pior ainda era o proceder-se sem regra alguma à arrecadação dessas rendas. Ao invés de nomear coletores oficiais, o rei usava o antigo sistema romano de arrendar a arrecadação a corporações particulares e a indivíduos, permitindo que retivessem como lucro tudo que conseguissem arrancar do povo além da soma estipulada. Condições semelhantes de desorganização prevaleciam no campo do direito e das normas judiciais. Quase todas as províncias da França tinham o seu código especial baseado nos costumes locais. Destarte, um ato punível como crime no sul do país, onde era mais forte a influência romana, podia ser inteiramente ignorado pela lei numa província do centro ou do norte. Essa falta de uniformidade era sobretudo mortificante para as classes comerciais, amiúde envolvidas em transações com partes distantes do país.

3) As Guerras dispendiosas dos reis franceses.


A causa política mais decisiva veio, provavelmente, das guerras desastrosas a que se lançou a França no século XVIII. As revoluções não se fazem com ataques esporádicos a um sistema ainda no seu verdor, por mais depressiva que seja a política deste. Antes que possa verificar-se uma grande sublevação politica e social (que é como cumpre definir uma revolução verdadeira) parece ser necessário que ocorra um quase colapso na ordem existente. Alguma coisa precisa acontecer para produzir uma condição de caos. pondo a nu a incompetência e a corrupção do governo e provocando tal gravame e aversão que muitos daqueles que até o momento defendiam o antigo regime s tem contra ele. Nada melhor para conseguir tal fim do que uma derrota humilhante, ou pelo menos sérios reveses num conflito com uma potência estrangeira. Na verdade, é quase impossível conceber qualquer das grandes revoluções modernas senão como consequência de guerras longas e desastrosas (2). O primeiro dos conflitos que prepararam o terreno para a Revolução Francesa foi a Guerra dos Sete Anos (1756-63), travada durante o reinado de Luís XV. Nessa luta a França bateu-se contra a Inglaterra e a Prússia e, a despeito do auxílio da Áustria e, por algum tempo, da Rússia, sofreu uma derrota esmagadora. Em resultado a França viu-se compelida a entregar quase todas as suas possessões coloniais. Era natural, e aliás bastante justificável, que a culpa dessa catástrofe fosse atribuída à incompetência do governo. Os efeitos do golpe agravaram-se ainda quando Luís XVI decidiu, em 1778, intervir na Guerra da Independência Americana. Se bem que a França se achasse desta vez ao lado dos vencedores, o custeio das frotas e dos exércitos no Hemisfério Ocidental, durante mais de três anos, arruinou virtualmente o governo. Como veremos, foi essa condição de angústia financeira em face de uma carga intolerável de dívidas a causa direta do atrito entre o rei e a classe média e do consequente desencadeamento da revolução.

A Revolução Francesa não resultou da pobreza ou sofrimentos do povo.

Passando às causas econômicas da Revolução Francesa, devemos notar antes de tudo que o sofrimento generalizado entre as massas  populares não foi uma delas. A difundida crença de que a revolução se desencadeou porque a maioria  do povo curtia fome por falta de pão e a rainha disse "comam bolo" está longe de ser uma verdade  histórica. A despeito da perda do seu império colonial, a França nas vésperas da Revolução era ainda uma nação rica e próspera. Havia mais de dois séculos que a burguesia francesa se locupletava com os lucros de um comércio expansionista, enquanto as classes inferiores colhiam pelo menos algumas migalhas caídas da mesa dos ricos. É mesmo opinião dos historiadores modernos que os camponeses da França no século XVIII desfrutavam uma situação superior à dos camponeses dos demais países da Europa, com exceção da Inglaterra (3). Que essa situação tendia ainda para melhorar, provam-no o declínio da servidão durante o século que precedeu a Revolução e o fato de que uma proporção cada vez maior de camponeses se tornavam proprietários de terra. Havia, sem dúvida, muita miséria entre os moradores dos bairros pobres de Paris, sobretudo durante o rigoroso inverno de 1788-89. Mas não foi essa gente que fêz a Revolução; apenas participou dela após ter sido deflagrada por outros. Nunca será demais acentuar que a Revolução Francesa foi desencadeada como um movimento da classe média. Seus objetivos iniciais interessavam principalmente à burguesia. Como os líderes dessa classe necessitassem do apoio de uma percentagem maior da população, endossaram naturalmente as c" – los camponeses. Mas os proletários pobres foram pouco menos que esquecidos.

(2) É necessário, .naturalmente, fazer uma distinção entre as verdadeiras revoluções; e as revoluções palacianas, muito comuns nos Balcãs e na América Latina, e que realidade pouco mais são do que sucedâneos de eleições.

(3) l. R. Gotthschalk, The Era of the French Revolution, pp. 30-31.

As verdadeira Causas Econômicas: A ascenção da classe média.


Quais foram, então, as verdadeiras causas econômicas? Talvez devamos colocar em primeiro lugar na lista a ascensão da classe média a uma posição de extraordinário poder e prestígio. A emergência de um novo grupo econômico com o sentimento dos agravos sofridos e a consciência da sua própria força e impor: parece ser condição necessária ao deflagrar de quer revolução. Essa classe nunca se compõe de míseros rebotalhos humanos, desgraçados, famintos e desesperados. Pelo contrário, suas fileiras devem estar imbuídas de um sentimento de confiança inspirado pelo sucesso prévio e fortalecido pela crença de que um esforço a mais trará maiores vantagens no futuro. Durante os anos de prosperidade que precederam a Revolução a burguesia francesa passara a ser a classe econômica dominante. Afora a terra, quase toda a riqueza produtiva estava em suas mãos. Controlava os recursos do comércio, da manufatura e das finanças. A" disso, parece que os seus membros cada ano se tornavam mais ricos. -Em 1789 o comércio exterior da França alcançou o total jamais atingido de 1153OOOO00 de francos (4). Mas o efeito principal dessa prosperidade crescente foi avivar o descontentamento dos burgueses. Por mais dinheiro que acumulasse um negociante, um industrial, um banqueiro ou um advogado, os privilégios políticos continuavam a ser-lhe negados. Não tinha quase nenhuma influência na corte, não podia partilhar das honrarias mais altas e, com exceção da escolha de alguns funcionários locais sem importância, não podia sequer votar. Além disso, era olhado como um inferior pela nobreza ociosa e frívola. De tempos a tempos, um orgulhoso conde ou duque consentia no casamento de seu filho com a herdeira de um rico burguês; mas depois, era possível que seguisse o costume de aludir a esse casamento como a "adubagem de suas terras". À medida que a classe média se tornara mais opulenta e mais cônscia da sua própria importância, era inevitável que os seus membros passassem a melindrar-se com tais tentativas de discriminação social.

Mas o que acima de tudo fez da burguesia uma classe revolucionária foi os grandes comerciantes, financistas e industriais pretenderem um poder político correspondente à sua posição econômica.

(2) É necessário, .naturalmente, fazer uma distinção entre as verdadeiras revoluções e as revoluções palacianas, muito comuns nos Balcãs e na América latina, e que realidade pouco mais são do que sucedâneos de eleições.

(3) l. R. Gotthschalk, The Era of the French Revolution, pp. 30-31.

(4) Ibid., p. 44.

2) A Oposição ao mercantilismo


Entretanto, as pretensões políticas não foram a única consequência da crescente prosperidade da classe média: também se clamava cada vez mais pelo abandono da política mercantilista. Em tempos passados o mercantilismo fora entusiasticamente acolhido pelos mercadores e manufatureiros, porque proporcionava novos mercados e incentivava o comércio. Mas isso fora no início da Revolução Comercial, quando o comércio ensaiava ainda os primeiros passos. À medida que o comércio e a indústria se desenvolviam durante os séculos subsequentes a burguesia adquiria  cada vez mais confiança na sua capacidade de se manter por si própria. Resultava daí uma tendência crescente para considerar os regulamentos mercantilistas como restrições opressivas. Os comerciantes viam com maus olhos os monopólios de que gozavam companhias protegidas e a interferência na sua liberdade de comprar em mercados estrangeiros. Os industriais irritavam-se com as leis de controle dos salários, com o tabelamento de preços e as restrições impostas à aquisição de matérias-primas fora da França e de suas colônias. Tais eram apenas algumas das mais incômodas regulamentações aplicadas por um governo que agia com o duplo objetivo do paternalismo e da auto-sufi-ciência econômica. Em tais condições, talvez não seja de espantar que viesse a classe média a encarar a pura liberdade econômica como um paraíso que merecia ser conquistado a qualquer preço. Seja como for, dificilmente pode haver dúvidas quanto a ter sido uma das principais causas da Revolução Francesa o desejo, por parte dos homens de negócio, de se livrarem do mercantilismo.

3) A Sobrevivência dos privilégios

Um terceiro fator, de caráter precipuamente econômico e que muito contribuiu para acender o rastilho da Revolução Francesa, foi o sistema de privilégios arraigado na sociedade. Antes da Revolução, a população da Franca se dividia em três grandes classes ou estados : a primeira se compunha do clero, a segunda dos nobres e a terceira do povo. O Primeiro Estado compreendia, na realidade, duas categorias diferentes: 1) o clero superior, composto dos cardeais, arcebispos, bispos e abades, e 2) o clero inferior, formado pelos padres das paróquias. Embora todos esses servidores da Igreja passassem por fazer parte de um grupo privilegiado, um vasto abismo separava os dois níveis. Os membros do clero inferior eram amiúde tão pobres quanto os seus mais humilde.- paroquianos e em geral tendiam para simpatizar com o homem comum. O clero superior, em contraste, vivia na abundância e privava com as rodas elegantes e alegres da corte. Não compreendendo mais que 1% da população total, possuía, não obstante, cerca de 20% de toda a terra, sem falar de enormes riquezas compostas de castelos, obras de arte, ouro e jóias. Muitos bispos e arcebispos tinham rendimentos que orçavam em centenas cie milhares de francos. Como é natural, muitos desses opulentos prelados pouco se interessavam pelos assuntos religiosos. Alguns se envolviam na política, ajudando o rei a manter o poder absoluto. Outros jogavam ou cultivavam vícios ainda mais escandalosos.’ Não se pode, certamente, afirmar que todos fossem depravados e remissos no cumprimento dos seus deveres profissionais, mas o número dos corruptos, prepotentes e viciados era bastante grande para convencer, muita gente de que a igreja estava podre até o cerne e os seus próceres roubavam o povo e dilapidavam os recursos da nação.

O Segundo Estado, que compreendia a nobreza secular, dividia-se também em duas castas subordinadas. No alto estavam os "nobres da espada", cujos títulos remontavam aos suseranos feudais da Idade Média. Abaixo deles colocavam-se os "nobres da toga" cujos avós tinham comprado algum cargo judicial que lhes conferia um título de nobreza e o direito de usar uma imponente beca de magistrado. Se bem que concomíntemente menosprezados pelos seus colegas de linhagem mais antiga. os nobres da toga formavam sem contestação possível o elemento mais inteligente e progressista das classes superiores. Vários deles se tornaram reformadores ardorosos e alguns desempenharam papel proeminente na própria Revolução. Pertenciam a esta categoria críticos famosos da ordem estabelecida como Montesquieu, Mirabeau – Lafayette. Eram os nobres da espada que realmente constituíam a classe privilegiada do Segundo Estado. Monopolizavam, juntamente com o clero superior, as principais posições do governo, delegando o verdadeiro trabalho a subordinados. Donos, embora, de vastas propriedades rurais, residiam habitualmente em Versalhes e confiavam aos seus intendentes e mordomos a tarefa de arrancar aos camponeses o suficiente para atender às suas necessidades suntuárias. Entre esses perdulários de sangue azul raros eram, na verdade, os que desempenhavam alguma função útil Pareciam acreditar que os seus únicos deveres para com a sociedade fossem adular o rei cultivar os refinamentos da vida da corte e, de quando em quando proteger a arte clássica decadente. Num sentido muito real, a maioria deles eram parasitas a consumir uma riqueza que outros produziam com o suor do seu rosto.

4) O injusto sistema tributário


Entre os mais valiosos privilégios do clero e da nobreza contavam-se os relativos aos impostos e o iníquo sistema tributário pode ser considerado como outra cansa econômica da Revolução Francesa. Muito antes de 1789 os impostos postos tenham passado, naquele pais, a se agrupar em dois tipos principais Primeiro havia os impostos diretos, que compreendiam a "talha", ou imposto sobre a propriedade real e pessoal e pessoal, a "capitação", ou imposto por cabeça; e a "vintena", ou imposto sobre a renda, a princípio na proporção de 5%, mas elevando-se continuamente e, no século XVIII, a 10 e 11%.

Os tributos indiretos, ou taxas acrescentadas ao preço das mercadorias e pagas em última análise pelo consumidor, compreendiam mormente os direitos sobre mercadorias importadas do estrangeiro ou expedidas de uma província francesa para outra. Além disso a "gabela", ou taxa sobre o sal, pode também ser considerada uma forma de imposto indireto. Durante algum tempo a produção do sal fora, na França, um monopólio do Estado, e cada habitante era obrigado a comprar anualmente pelo menos sete libras desse artigo nas salinas do governo. Ao custo da produção era adicionada uma taxa onerosa, donde resultava ser o preço para o consumidor frequentemente de 50 ou 60 vezes o verdadeiro valor do sal. Embora excessivamente pesados, os impostos indiretos eram em geral distribuídos de maneira equitativa. Dificilmente poderia alguém esquivar-se a pagá-los, fosse qual fosse a sua condição social. Com a maioria dos impostos diretos, porém, o caso era bem diferente. O clero, graças ao princípio medieval de que a propriedade da igreja não podia ser tributada pelo estado, não estava sujeito ao pagamento da "talha" nem da "vintena". Os nobres, em particular os de categoria superior, valiam-se de sua influência junto ao rei para obter isenção, praticamente, de todas as tributações diretas. Em consequência, o ônus principal de fornecer fundos ao governo recaía sobre o povo, ou seja o Terceiro Estado, e como os artesãos e operários quase nada possuíam que pudesse ser taxado, eram os camponeses e a burguesia os mais sacrificados.

5) A sobrevivência do feudalismo


Como derradeira causa econômica da Revolução Francesa podemos apontar a sobrevivência de restos do feudalismo na França, ainda em 1789. Se bem que o sistema feudal ti vesse desaparecido desde muito tempo, restavam  alguns vestígios dele que serviam como úteis instrumentos para manter o poder do soberano e as prerrogativas da nobreza. Em algumas zonas atrasadas do país ainda subsistia a servidão, cujas proporções, todavia, não devem ser exageradas. A maior estimativa até agora feita do número de camponeses que viviam em condição servil é de 1 500 000, para uma população rural de pelo menos 15 000000. A grande maioria dos camponeses era formada de homens livres. Uma parte considerável era dona das terras que cultivava. Outros eram rendeiros ou trabalhadores assalariados, mas parece que a maioria eram meeiros que lavravam as terras dos nobres em troca de uma parte cia colheita, geralmente um terço ou a metade. Entretanto, apesar de serem inteiramente livres, esses camponeses estavam sujeitos a obrigações que vinham desde a época feudal. Uma das mais odiosas era o pagamento de um censo ao senhor que, em tempos passados, fora dono da terra. Outra era a doação, feita ao nobre da localidade, de uma parte do produto da vencia de qualquer pedaço de terra. Em acréscimo a tudo isso os camponeses tinham de contribuir com as "banalidades", ou supostas compensações pelo uso de várias servidões da propriedade senhorial. Na Idade Média, cada um pagava essa taxa para poder servir-se do moinho de trigo, do lagar e do forno de pão. A despeito de muitos camponeses, no século XVIII, possuírem tais instalações e não mais aproveitarem facilidades oferecidas pelo senhor, as "banalidades" continuavam a ser cobradas na importância original.

As mais exasperantes de todas as relíquias do feudalismo eram, talvez, a "corvéia" e os privilégios de caça da nobreza. A corveia outrora um compromisso de trabalhar, entre outras coisas, na construção de estradas e pontes dentro do domínio senhorial, transformara-se numa obrigação devida ao governo. Durante várias semanas de cada ano o lavrador era forcado a abandonar as suas lidas para dedicar-se à reparação das estralas reais. A nenhuma outra classe da população era exigida a execução de tais serviços. Ainda mais vexativos eram para os elementos rurais os privilégios de caça dos nobres. Desde tempos imemoriais o direito de cultivar o esporte cinegético era considerado como um distintivo de aristocracia. O homem bem-nascido devia ter plena liberdade de entregar-se a esse emocionante passatempo onde quer que lhe aprouvesse. Naturalmente, uma coisa tão insignificante como os direitos de propriedade dos camponeses não podia constituir obstáculo para ele. Em algumas partes da França proibia-se aos lavradores a capina ou a ceifa na época da procriação, para não molestar os ninhos das perdizes. Coelhos, gralhas e raposas não podiam ser mortos apesar da devastação que faziam nas searas ou entre as aves domésticas e animais novos. Acresce que o camponês devia conformar-se com ver os seus campos, em qualquer tempo, espezinhados pelos cavalos de um despreocupado bando de nobres caçadores.

Causas Intelectuais


Todos os grandes levantes sociais dos tempos modernos têm tido o seu fundamento de causas intelectuais. Para que um movimento possa atingir as proporções de uma verdadeira revolução é necessário que se apoie num corpo de idéias que forneçam não só um programa de ação mas também uma visão gloriosa da nova ordem a ser por fim instaurada. Em grande parte, tais idéias são produtos de ambições políticas e econômicas, mas a seu tempo assumem o caráter de fatores independentes. Causas originárias secundárias ou derivadas, acabam por se transformar em causas primárias, A sua realização passa a ser aceita como um objetivo em si e conquista o devotamente dos homens como o evangelho de uma nova religião. As causas intelectuais da Revolução Francesa foram, em essência, um fruto do Iluminismo. Esse movimento produziu duas interessantes teorias políticas que desde então têm exercido sua influência pelos anos em fora. A primeira foi a teoria a de Locke, Voltaire, Montesquieu e outros, a segunda foi a teoria democrática de Rousseau. Ainda que fundamentalmente opostas, tinham elas certos elementos em comum. Ambas se baseavam na premissa de que o estado é um mal necessário e de que o governo repousa sobre uma base contratual. Cada uma tinha a sua doutrina de soberania popular, embora discrepassem quanto à interpretação. E, finalmente, ambas defendiam até certo ponto os direitos naturais do indivíduo.

1) A Teoria liberal de John Locke


O pai da teoria política liberal dos séculos XVII e XVIII foi John Locke (1632-1704), se bem que algumas de suas doutrinas já tivessem sido sugeridas pelas obras de  John Milton (1608-74); James Harrington (1611-  77) e Algernon Sydnev (1622-83). A filosofia politica de Locke esta exposta mormente no Segundo tratado do governo civil, publicado em 1690. Desenvolvia ele neste livro uma teoria de governo limitado com a qual se propunha, em parte, justificar o novo sistema de governo parlamentar estabelecido na Inglaterra como resultado Revolução Gloriosa. Segundo ele, todos os homens viviam originalmente num estado natural em que prevaleciam a liberdade e a igualdade absolutas e não existia governo de espécie alguma. A única lei era a lei da natureza, que cada indivíduo punha em execução por sua própria conta a fim de proteger os seus direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade. Não tardaram, porém, a perceber os homens que os inconvenientes do estado natural superavam de muito as vantagens. Como cada um tentasse impor os seus próprios direitos, os resultados inevitáveis eram a confusão e a insegurança. Consequentemente, os indivíduos convieram em estabelecer uma sociedade civil, instituir um governo e ceder-lhe certos poderes. Esse governo não era, porém, um governo absoluto. O único poder que s conferia era o de executar a lei natural. Uma vez que o estado nada mais é do que o poder conjunto de todos os membros da sociedade, sua autoridade "não pode ser maior do que aquela que essas pessoas possuíam no estado natural, antes de formarem um grupo social e de cederem-na à comunidade" (5). Todos os direitos que não são expressamente cedidos ficam reservados às próprias pessoas. Se o governo se exceder ou abusar da autoridade explicitamente outorgada pelo contrato político, torna-se tirânico e o povo tem então o direito de dissolvê-lo ou de se rebelar contra êle e derrubá-lo.

(5) Second Treatatise of Civil Government (Everyman’s Library), p. 184.

Locke condenava o absolutismo sob todas as formas. Denunciou a monarquia despótica, mas não foi menos severo em suas míticas à soberania absoluta dos parlamentos. Embora defendesse supremacia do poder legislativo, considerando o executivo acima de tudo como um agente seu, recusava, não obstante, conceder um poder ilimitado aos representantes do povo. Alegando que o governo fora instituído entre os homens para a preservação da propriedade (que definia geralmente como compreendendo a vida, a liberdade e os bens materiais) (6), negava autoridade a qualquer agente político para usurpar os direitos naturais do indivíduo. A lei da natureza, que corporifica esses direitos, é uma limitação automática imposta a todos os ramos do governo. Ainda que a grande maioria dos representantes do povo reclamasse a restrição da liberdade de palavra ou o confisco e a redistribuição da propriedade, tal coisa não se poderia fazer legalmente. Se. por outro lado. fosse feita ilegalmente, justificaria a adoção de medidas eficazes de resistência por pane da maioria dos cidadãos. Locke andava muito mais de proteger a liberdade individual que de promover a estabilidade ou o progresso social. Se fosse forçado a escolher, teria preferido os males da anarquia aos do despotismo sob qualquer forma.

Poucos filósofos políticos têm exercido mais influência do que Locke na história do mundo Não só as suas doutrinas dos direitos naturais, do governo limitado e do direito de resistência à tirania foram uma fonte importante da teoria da" Revolução Francesa, senão que também encontraram pronta aceitação na América. Delas deriva quase todo o fundamento teórico da revolta colonial contra a opressão britânica. Refletem-se com tal evidência na Declaração de Independência dos Estados Unidos que passagens inteiras deste documento dão a impressão de ter sido copiadas do Secundo tratado. Os princípios de Locke influíram também na redação da Constituição e sobretudo nos argumentos com que Hamilton. Madison e Jay instavam, no Federalist (*), pela sua adoção. Mais tarde, quando o novo governo promulgou a Lei dos Estrangeiros e a Lei de Sedição, foi escudando-se principalmente nas teorias de Locke que Madison e Jefferson, nas revoluções da Virgínia e do Kentucky. apelaram para os diversos estados a fim de que resistissem a essa usurpação de poder.

(6) Ibid., p. 159.

(*) Série de artigos publicados por esses políticos em 1787-88 no Indcpendcnt ce Journal de Nova Iorque e reunidos posteriormente em livro. (N. dos Trads.).

2) A Teoria Política de Voltaire


Na França, os maiores expoentes da teoria política liberal foram Voltaire (1694-1778) e o Barão de Montesquieu (1689-1755). Como já foi salientado, Voltaire considerara o cristianismo ortodoxo como o pior dos inimigos da humanidade, mas também votava grande desprezo ao governo despótico. Durante o seu exílio na Inglaterra estudara os livros de Locke, cujas rigorosas afirmativas de liberdade individual lhe causaram profunda impressão. Voltando para a França, ainda relativamente moço, dedicou o resto da sua vida em grande parte à luta pela liberdade intelectual, religiosa e política. Em comum com Locke. Voltaire concebia o governo como um mal necessário, com poderes que deviam limitar-se ao de fazer observar os direitos natura:? Sustentava que todos os homens são dotados pela natureza de direitos iguais à liberdade, à propriedade e à proteção das leis. Não era, porém, um democrata. Inclinava-se a ver a forma ideal de governo quer numa monarquia esclarecida, quer numa república dominada pela classe média. Nunca perdeu o temor das massas. Receava até que os seus ataques à religião organizada pudessem incitar a multidão a atos de violência. Conta-se que, após ter sido assaltado e roubado por alguns camponeses, frequentou a igreja durante certo tempo a fim de convencer os aldeões de que ainda acreditava em Deus.

3) a influência de Montesquieu


Um pensador político mais profundo e sistemático do que Voltaire foi o Barão de Montesquieu, seu contemporâneo mais velho.

Embora sendo, como Voltaire, um estudioso de Locke e admirador ardente das instituições britânicas, Montesquieu foi uma figura sem par entre os filósofos políticos do século XVIII. O seu célebre Espírito das Leis introduziu novos métodos e novas concepções na teoria do estado. Ao invés de tentar fundar uma ciência do governo pela dedução pura, seguiu o método aristotélico de estudar os sistemas políticos concretos, tal como se supunha que tivessem funcionado no passado. Inclinando-se a desdenhar as idéias de Locke sobre os direitos naturais e a origem contratual do estado, ensinou que o significado da lei natural deve ser procurado nos fatos da história. Negou, além disso, que existisse uma forma perfeita de governo, adequada a todos os povos em quaisquer condições. Afirmava, ao contrário, que as instituições políticas, para ser eficazes, devem araizar-se com as condições físicas e o nível de progresso social das nações a que pretendem servir. Por isso achava que o despotismo é apropriado aos países de vasto território, a monarquia limitada lanho médio e o governo republicano aos pequenos. Para o seu próprio país, a França, a forma de governo mais aconselhável ser anarquia limitada, uma vez que considerava a nação grande demais para ser transformada em república, a não ser dentro dos moldes de uma federação.

Montesquieu é sobretudo famoso pela sua teoria da separação dos poderes. A imitia que é tendência natural do homem abusar de qualquer parcela de poder que lhe seja confiada e que, por conseguinte, todo governo. seja qual for a sua forma, é suscetível de degenerar em despotismo. A fim de prevenir tais resultados, a autoridade do governo deve ser dividida nos seus três ramos naturais: o poder legislativo, o executivo e o judiciário. Todas as vezes que se permite sejam enfeixados dois ou mais desses poderes nas mesmas mãos a liberdade parece, declarava ele. O único meio eficaz de impedir a tirania é capacitar cada ramo do governo a agir como um freio para os outros dois. O executivo, por exemplo, deve dispor do veto para impedir as transgressões do legislativo. A legislatura, por sua vez, deverá ter o poder do "impeachment" para restringir o executivo. E, por fim, deve existir um judiciário independente, munido de poderes para proteger os direitos individuais contra os atos arbitrários tanto do legislativo como do executivo. Esta teoria favorita de Montesquieu não visava, por certo, facilitar a democracia. Bem ao contrário, seu objetivo principal era o de impedir a supremacia absoluta da maioria, expressa como normalmente o seria pelos representantes do povo no corpo legislativo. É um exemplo típico da aversão que a burguesia daquela época votava a qualquer forma de governo despótico, fosse ele de uma minoria ou mesmo da maioria. Mas nem por isso teve menos influência o princípio de separação dos poderes de Montesquieu. Foi incorporado ao primeiro governo estabelecido durante a Revolução Francesa e adotado, com pequenas modificações, na Constituição dos Estados. Unidos (7).

(7) No referente à influência de Montesquieu sobre os fundadores do govêrno norte-americano, consultai- E. M. Burus. James Madison: Philosopher of the Constitution, pp. 180-83.

O segundo dos grandes ideais políticos que constituiu parte importante dos fundamentos intelectuais da Revolução Francesa foi o ideal da democracia. Em contraste com o liberalismo, a democracia se interessava, e ainda se interessa, menos pela defesa dos direitos individuais do que pela instauração do governo popular. Na verdade, em seu significado histórico ela é inseparável da idéia de soberania das massas. O desejo da maioria dos cidadãos é a lei suprema da nação, porque a voz do povo é a voz de Deus. Supõe-se em geral que num regime democrático a vontade da minoria continue a desfrutar inteira liberdade de expressão, mas isso não acontece necessariamente. O único direito soberano da minoria é o de tornar-se maioria. Enquanto um grupo qualquer permanecer como minoria, os seus componentes não poderão reivindicar nenhum direito de ação individual além do controle do estado. Muitos expoentes da democracia na nossa geração hão de negar que isto seja verdade e afirmarão com veemência o seu devotamente à liberdade da palavra e da imprensa como direitos que o governo não pode infringir legalmente. Tal atitude, porém, se origina da mescla de liberalismo que se observa no ideal democrático corrente. Na verdade, democracia e liberalismo são hoje usados como se fossem expressões sinônimas. Na sua origem, entretanto, eram ideais perfeitamente distintos. A democracia histórica também incluía a crença na igualdade natural de todos os homens, a oposição aos privilégios hereditários e uma fé inabalável na sabedoria e na virtude das massas.

Rousseau, o fundador da democracia


O fundador da democracia tal como ficou acima descrita foi Jean-Jacques Rousseau (1712-78). Como Rousseau foi também o pai do romantismo, era natural que as suas idéias políticas tivessem um forte colorido sentimental. Além fundador da disso, a coerência nem sempre foi uma virtude cardeal do seu raciocínio. As mais significativas de suas obras de teoria política são o Contrato social e o Discurso sobre a origem da desigualdade. Defendia, em ambas, a tese em voga de que o homem viveu originalmente no estado natural — o qual, em contraste com Locke, ele considerava como um verdadeiro paraíso. Não era pesado a ninguém manter os seus direitos contra os demais. Havia, na verdade, pouquíssimas oportunidades de conflito, uma vez que durante muito tempo não existiu a propriedade privada e cada homem era igual a seu semelhante. Mas por fim surgiram certos males, devidos mormente ao fato de alguns homens terem demarcado pedaços de terra e dito a si mesmos: "Esta terra é minha" Foi assim que se desenvolveram vários graus de desigualdade e, em consequência, passaram logo a dominar nas relações humanas a " impostura fraudulenta", a "pompa insolente" e a "ambição insaciável" (8). A única esperança de garantir os direitos de cada um foi então organizar uma sociedade civil e ceder todos esses direitos à comunidade. Isto se realizou por meio de um contrato social em que cada indivíduo concordava em se submeter à vontade cia maioria. Foi assim que nasceu o estado.

(8) Discourse on the Origin of Inequality (Everyman’s Library), p. 207.

A concepção de soberania de Rousseau


Rousseau desenvolveu uma concepção de soberania completamente diversa da dos liberais. Ao passo que Locke e os seus adeptos haviam ensinado que somente uma parte do poder  soberano é cedida ao estado, permanecendo o resto nas mãos do povo, Rousseau sustentava que a soberania é indivisível e que toda ela passa à comunidade quando se constitui a sociedade civil. Insistia, além disso, em que ao homologar cada indivíduo o contrato social, fazia entrega de todos os seus direitos à comunidade e concordava em se submeter inteiramente à vontade geral. Segue-se daí que o poder soberano do estado não está sujeito a quaisquer limitações. A vontade geral, expressa pelo voto da maioria, é o tribunal de última instância. O que a maioria decide é sempre justo no sentido político e torna-se absolutamente obrigatório para cada um dos cidadãos. O estado, que na prática significa a maioria, é legalmente onipotente. Isso, porém, não implica realmente, de acordo com Rousseau, que a liberdade do individuo seja aniquilada. Pelo contrário, a sujeição ao estado tem o efeito de fortalecer a liberdade autêntica. Ao cederem os seus direitos à comunidade, os indivíduos não fazem mais que trocar a liberdade animal do estado de natureza pela verdadeira liberdade de criaturas racionais obedientes à lei. Obrigar um indivíduo a submeter-se à vontade geral é, consequentemente, tão-só "forçá-lo a ser livre”. É preciso compreender, aliás, que quando Rousseau falava no estado não queria referir-se ao governo. Considerava o estado como a comunidade politicamente organizada, cuja função soberana é expressar a vontade gera. A autoridade do estado não pode ser representada, mas deve expressar-se diretamente através da promulgação, pelo próprio povo, de leis fundamentais. O governo, por outro lado é simplesmente o agente executivo do estado. Não tem por função formular a vontade geral mas tão somente executá-la. Além disso, a comunidade pode estabelecer ou destituir o governo "sempre que o desejar" (9).

(9) The Social Contract Everyman Library), p. 88.

A influência de Rousseau


Seria difícil exagerar a influência da teoria política de Rousseau. Seus dogmas de igualdade e de supremacia da maioria foram a principal inspiração da segunda etapa da Revolução Francesa. Entre os seus discípulos mais fervorosos contavam-se doutrinários radicais como Robespierre. Mas a influência de Rousseau não se confinou dentro dos limites do país natal. Algumas de suas teorias passaram à América e encontraram eco em certos princípios da democracia jacksoniana, embora seja muitíssimo improvável que a maioria dos sequazes de Jackson tivesse jamais ouvido falar eu: Rousseau. Os idealistas românticos alemães que, no começo do século XIX, glorificaram o estado como "Deus na história" também parecem ter a sua dívida para com a filosofia do Contrato social. Das doutrinas rousseaunianas da onipotência legal do estado e de que a verdadeira liberdade consiste na submissão à vontade geral não era difícil passar à exaltação do Estado como um objeto de culto e à redução do indivíduo ao papel de um simples dente na engrenagem política (10). Embora Rousseau tivesse sugerido que a maioria ficaria submetida a restrições morais e insistido no direito do povo a "derrubar" o governo, isso não bastava para contrabalancear os efeitos da importância conferida à soberania absoluta

A influência da nova teoria econômica


Como derradeira causa intelectual da Revolução Francesa cumpre mencionar, ao menos de passagem, a influência da nova teoria econômica. Na segunda metade do século XVIII alguns escritores brilhantes começaram a atacar os postulados tradicionais no tocante ao controle público da produção e do comércio. O alvo principal da sua crítica era a política mercantilista. A nova teoria econômica alicerva-se em grande parte nas concepções básicas do Iluminismo, em especial na idéia de uma mecânica universal governada por leis inflexíveis. Passou a prevalecer então o conceito de que a esfera da produção e da distribuição da riqueza estava submetida a leis não menos irresistíveis que as da física e da astronomia. A nova teoria econômica também pode ser considerada como complemento natural do liberalismo político. Os objetivos principais de ambos eram assaz semelhantes: reduzir os poderes do governo a um mínimo compatível com a segurança e preservar para o indivíduo a maior parcela possível de liberdade na prossecução dos seus intentos.

(10) A teoria política dos românticos é examinada mais adiante. pp. 645-49.

As doutrinas dos fisiocratas


Os primeiros campeões dessa nova atitude em face dos problemas econômicos foram os componentes de um grupo conhecido como os fisiocratas. Os mais eminentes dentre eles foram François Quesnay (1694-1774), autor do Tableau  Economique, a bíblia da fisiocracia; o Marquês de Mirabeau (1715-89), pai do ilustre orador e líder da Revolução Francesa; Dupont de Nemours (1739-1817), antepassado da família Dupont dos Estados Unidos; e Anne Robert Turgot (1727-81), ministro das finanças durante breve período, sob Luís XVI (11). Os fisiocratas condenaram desde o início a doutrina mercantilista. Um dos seus grandes objetivos era provar que os empreendimentos naturais como a agricultura, a mineração e a pesca são mais importantes para a prosperidade nacional do que o comércio. A natureza, afirmavam eles, é a verdadeira produtora de riquezas, e por conseguinte devem ser mais prezadas aquelas indústrias que realmente exploram os seus recursos e destes extraem coisas de valor para o homem. O comércio é essencialmente estéril, visto que se limita a transferir de uma pessoa para outra mercadorias já existentes. Com o correr do tempo estas doutrinas vieram a ser subordinadas a uma nova idéia que os fisiocratas colocaram acima de todas as demais. Era a idéia de libertar a atividade econômica das restrições sufocantes impostas pelo estado. Exigiam os fisiocratas que êle se abstivesse de qualquer interferência nos negócios, exceto na medida em que isso fosse indispensável à proteção da vida e da propriedade. Nunca se deveria fazer nada para embaraçar a ação das leis econômicas naturais. Esta doutrina era concisamente expressa pela pitoresca máxima: Laissez faire et laissez passer, le monde va de lui-même (deixai fazer e deixai passar, o mundo marcha sozinho). O ideal do laissez faire não tardou a incorporar outras concepções -como a da santidade da propriedade privada e a dos direitos de livre contrato e livre produção. Era, assim, uma verdadeira antítese da política restritiva do mercantilismo.

(11) Outro economista, Vincent de Gournay, (1712-59), influenciou os fisiocratas mas nunca fêz parte da escola. Atribui-se-lhe comumente a expressão laissez faire.

A Economia de Adam Smith


O maior de todos os economistas da época do Iluminismo e um dos mais brilhantes de todos os tempos foi Adam Smith (1 723-90).Natural da Escócia, Smith começou a sua carreira como prelecionador de literatura inglesa na Universidade de Edimburgo, sendo pouco depois contemplado com a cadeira de lógica do Glasgow College. Em 1759 tornou-se famoso com a publicação da Teoria das sentimentos s morais. Conquanto se viesse interessando desde algum tempo pelos problemas de economia política, esse interesse só tomou vulto após uma estada de dois anos na França, para onde tinha ido como preceptor do jovem Duque de Buccleuch. Travou conhecimento .ali com os corifeus da escola fisiocrática e aprouve-lhe verificar que certas teorias destes coincidiam com as suas. Descreveu a economia de Quesnay, "com todas as suas imperfeições", como "a coisa mais próxima da verdade que já se publicou sobre os princípios dessa ciência". Nunca se alistou, porém, sob o estandarte dos fisiocratas, apesar da inegável influência que muitas doutrinas da escola exerceram sobre êle. Em 1 776 publicou a Indagação da natureza e das causas da riqueza das nações, geralmente considerada como o mais influente tratado de economia que já se escreveu. Nessa obra asseverava que o trabalho, mais do que a agricultura ou a generosidade da natureza, é a verdadeira fonte de riqueza. Embora aceitasse em síntese o princípio do laissez faire, admitindo que a melhor maneira de promover a prosperidade geral seria permitir que cada um seguisse os seus próprios interesses, era de opinião que certas formas de interferência governamental seriam desejáveis. O estado deveria intervir para prevenir a injustiça e a opressão, fazer progredir a educação e proteger a saúde pública, bem assim como para manter empresas necessárias que o capital privado nunca poderia instalar. Apesar dessas limitações bastante amplas ao princípio do laissez faire, a Riqueza das nações de Smith tornou-se a sagrada escritura dos economistas individualistas dos séculos XVIII e XIX. Sua influência como causa da Revolução Francesa foi indireta, mas nem por isso deixou de ser profunda. Fornecia uma resposta categórica argumentos mercantilistas, fortalecendo assim a ambição, por parte da burguesia, de pôr termo a um sistema político que continuava a querer o caminho da liberdade económica.

2. A derrubada do velho regime


No começo do estio de 1789, o vulcão do descontentamento na França entrou em erupção; A causa imediata deste fato foi o iminente colapso financeiro, resultado das guerras dispendiosas e das extravagâncias reais. A dívida pública, que em 1 786 alcançara um total equivalente a 600 milhões de dólares, crescia cada vez mais de ano para ano. As receitas existentes mal bastavam para pagar os juros, sem falar na amorfização do capital. A única esperança de desafogo parecia consistir no lançamento de novos impostos.

A causa imediata da Revolução Francesa


Com este fim em vista Luís XVI convocou em 1 787 uma Assembleia de Notáveis, confiando em que os principais  magnatas do reino se dispusessem a arcar com uma  parte do ônus fiscal. Os nobres e bispos, no entanto, recusaram abrir mao do seu privilegio de isenção de impostos. Foi então que se fez ouvir a exigência de uma convocação dos Estados Gerais. Esta assembleia, composta de representantes dos três grandes estados ou classes da nação, daria a conhecer ao rei a vontade do povo no tocante à maneira de enfrentar a crise financeira. No verão de 1 788 Luís XVI cedeu ao clamor popular, marcando para maio do ano seguinte a reunião dos Estados Gerais.

O triunfo do Terceiro Estado


Mal se haviam congregado as três ordens quando surgiu uma controvérsia sobre o sistema de votação. Nos primeiros Estados Gerais, instaurados no século XIV por Filipe o Belo, cada uma das classes — o clero, a nobreza e o povo  — tinha votado como uma unidade. Mas isso fora numa época em que o terceiro Estado quase não tinha significação. Durante os séculos seguintes a burguesia crescera e passara a ser o grupo econômico mais poderoso da nação. Era, portanto, inevitável que os líderes burgueses não se conformassem com uma disposição pela qual os votos das duas classes superiores poderiam obstar a tudo que o Terceiro Estado pretendesse fazer. Exigiram, pois, que as três ordens formassem uma assembléia única e o voto fosse individual. Uma vez que já se tinha concedido aos plebeus um número de representantes igual ao das duas outras classes juntas, era evidente que o Terceiro Estado, conseguindo o apoio ocasional de alguns elementos descontentes da nobreza ou do clero, tornar-se-ia capaz de controlar toda a assembléia. Ao cabo de um mês de disputas, em 17 de junho, o Terceiro Estado tomou a audaciosa decisão de proclamar-se Assembléia Nacional e convidou os representantes das classes privilegiadas a participar dos trabalhos. Muitos atenderam ao convite. No espaço de dois dias a maioria do clero havia aderido, bem assim como alguns nobres. Mas então o rei interveio. Na manhã de 20 de junho, quando os deputados rebeldes quiseram reunir-se no seu salão, encontraram as portas guardadas por soldados. Não havia outra alternativa senão submeter-se ou desafiar o poder soberano cio próprio monarca. Confiantes no apoio da maioria do povo, os representantes deste e seus aliados retiraram-se para um recinto das vizinhanças, usado ora como academia de equitação, ora como quadra de jogo da péla. Ali, sob a chefia de Mirabeau e do padre Sieyès, comprometeram-se por um juramento solene a não se – arar enquanto não houvessem redigido uma constituição para a França. Esse Juramento do Jogo da Péla, em 20 de junho de 1789, foi o verdadeiro início da Revolução Francesa. Reivindicando a autoridade de reconstituir o governo em nome do povo, os Estados Gerais não apenas protestavam contra o governo arbitrário de Luís XVI mas também afirmavam seu direito de agir como o poder supremo da nação. A 27 de junho o rei reconheceu virtualmente esse direito, ordenando aos demais representantes das classes privilegiadas que se reunissem ao Terceiro Estado como membros de uma Assembléia Nacional.

A Primeira Fase da Revolução


O curso da Revolução Francesa assinalou-se por três grandes fases, a primeira das quais se estendeu de junho de 1 789 a agôsto de 1 792. Durante a maior parte deste período os destinos da França estiveram nas mãos da Assem- bléia Nacional, dominada pelos líderes do Terceiro Estado. Foi. em conjunto, uma fase moderada, uma fase da classe média. As massas não tinham ainda conquistado nenhuma parcela de poder político nem estavam em condições de assumir o controle do sistema econômico. Afora a destruição da Bastilha, em 14 de julho de 1789, e o assassínio de alguns componentes da guarda real, houve relativamente pouca violência tanto em Paris como em Versalhes. Em algumas zonas do interior, contudo, prevalecia um espírito mais turbulento. Muitos camponeses, impacientando-se com a demora na concessão de reformas, resolveram tomar o caso nas próprias mãe s Armados de forcados e foices, dispuseram-se a deitar abaixo tudo que pudessem do antigo regime. Demoliram castelos de nobres detestados, saquearam mosteiros e residências de bispos e assassinaram alguns dos infelizes aristocratas que ofereceram resistência. Essas violências, ocorridas na maior parte durante o verão de 1 789. muito contribuíram para atemorizar as classes superiores, levando-as a abrir mão de alguns dos seus privilégios.

Resultados da Primeira Fase: Abolição dos Privilégios Feudais.


Os resultados mais importantes da primeira fase da Revolução Francesa foram as conquistas da Assembléia Nacional entre 1 789 e 1 791. O primeiro deles foi a destruição dos remanescentes do feudalismo. Deveu-se isso em grande parte a atitude de rebeldia demonstrada pelos camponeses. No começo de agosto de 1789 a Assembleia Nacional recebeu noticias alarmantes sobre a anarquia reinante nas aldeias que muitos deputados não tardaram a reconhecer a necessidade urgente de se fazerem certas concessões. A 4 de agosto um certo nobre propôs, em eloquente discurso, que todos os seus pares renunciassem aos privilégios feudais. Esta moção provocou o entusiasmo tempestuoso da Assembléia, em parte devido ao medo e em parte, ao zelo revolucionário. Nobres, clérigos e burgueses porfiavam entre si na sugestão de reformas. Antes de findar a noite tinham sido varridos inúmeros res-

quícios da velha estrutura dos direitos adquiridos. Aboliram-se expressamente os dízimos e as obrigações feudais dos camponeses. A servidão foi eliminada. Declararam-se extintos os privilégios de caça dos nobres, a isenção de impostos e os monopólios de toda sorte foram sacrificados como contrários à igualdade natural. Conquanto os nobres não tivessem renunciado a todos os seus direitos, o efeito final dessas reformas das "Jornadas de Agosto" foi anular as distinções de classe e de nível social e colocar todos os franceses em igualdade de situação perante a lei (12).

(12) Juntamente com essas reformas ligadas à extinção dos monopólios e dos privilégio feudais, as corporações foram também abolidas e proibiu-se aos trabalhadores formar uniões.

2) A Declaração dos Direitos dos Homens


Após derrubar os privilégios a Assembléia consagrou-se ao preparo de uma carta de liberdades. O resultado foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em setembro de l 789. Parcialmente modelada pelo  Bill of Rights dos ingleses e adotando os ensinamentos dos filósofos políticos liberais, a Declaração francesa é um. típico documento da classe média. Tanto a propriedade como a liberdade, a segurança e a "resistência à opressão" são declaradas direitos naturais. Ninguém pode ser despojado de suas posses a não ser em caso de necessidade pública, e sob a condição estrita de ser "prévia e equitativamente indenizado". Cumpre, outrossim, ter na devida consideração os direitos individuais. A liberdade de palavra, a tolerância religiosa e a liberdade da imprensa são declaradas invioláveis. Todos os cidadãos têm direito a tratamento igual nos tribunais. Ninguém pode ser preso ou punido de qualquer forma senão em virtude de processo judiciário. A soberania reside no povo e os funcionários do governo tornam-se passíveis de demissão no caso de abusarem dos poderes que lhes são conferidos. Não se faz qualquer referência aos direitos do homem comum a uma parte equitativa da riqueza por ele produzida, nem tampouco à proteção do estado aos incapacitados de ganhar a vida. Os autores da Declaração dos Direitos não eram socialistas nem estavam particularmente interessados no bem-estar econômico das massas.

3) A secularização da Igreja


Outro feito importante da Assembléia Nacional foi a secularização da igreja No antigo regime o clero superior fora uma casta privilegiada, recompensando os favores que lhe prestava o rei com o seu sólido apoio ao governo absoluto. Em consequência, a igreja passara a ser considerada como um instrumento de cobiça e opressão quase tão odioso quanto a própria monarquia. Acresce que as instituições eclesiásticas possuíam vastas propriedades e o novo governo revolucionário necessitava urgentemente de fundos. Portanto, em novembro de 1 789 a Assembléia Nacional resolveu confiscar as terras da igreja e usá-las como garantia para a emissão de assignats (papel-moeda). Em julho do ano seguinte foi posta em vigor a Constituição Civil do Clero, dispondo que todos os bispos e padres fossem eleitos pelo povo e ficassem submetidos à autoridade do estado. Percebendo salários pagos pelo tesouro público, eram obrigados a jurar fidelidade à nova legislação. A secularização da igreja implicava numa separação parcial de Roma. O objetivo visado pela Assembléia era fazer da igreja católica da França uma verdadeira instituição nacional, conservando apenas uma submissão nominal ao Vaticano. Como o Papa condenasse esses dispositivos e proibisse qualquer bispo ou padre de aceitá-los. resultou dai a divisão do clero francês em dois grupos diferentes. Uma minoria prestou juramento de fidelidade à Constituição Civil e passou daí em diante a ser conhecida como o clero "juramentado". Quanto aos demais, alguns fugiram do país, mas muitos ali permaneceram e se uniram aos nobres reacionários no empenho de excitar o ódio contra todo o programa da revolução.

4) A Constituição de 1791


Só em 1 791 a Assembléia conseguiu completar a sua tarefa primordial de redigir uma nova constituição para o país. Tinham sido muito numerosos os problemas de interesse mais imediato a absorver-lhe a atenção. Além disso, o governo autocrático já era uma coisa do passado.

A constituição, tal como foi finalmente promulgada, valia como testemunho eloquente da posição dominante que então gozava a burguesia. A França não se tornou uma república democrática, mas sim uma monarquia moderada em que o poder supremo era virtualmente monopolizado pelos favorecidos da fortuna. O privilégio do voto restringia-se aos que pagassem um imposto direto equivalente a três dias de salário, enquanto a elegibilidade para os cargos importantes era limitada aos cidadãos de certas posses. No tocante à estrutura do governo, o característico principal era a separação dos poderes. Os fundadores do novo sistema haviam feito suas as idéias de Montesquieu sobre a independência do legislativo, do executivo e do judiciário. O poder de fazer leis era confiado a uma Assembléia Legislativa eleita indiretamente pelo povo, de acordo com um processo semelhante àquele que se adonou originalmente para a escolha do presidente dos Estados Unidos. O rei foi privado do controle que havia exercido sobre o exército, a igreja e a administração local. Proibia-se aos seus ministros comparecerem à Assembléia e ele próprio não tinha qualquer interferência no processo da legislação, salvo o veto suspensivo podia ser anulado pelo voto da Assembléia em três seções consecutivas. Destarte o novo sistema, ainda que muito afastado da monarquia absoluta, decididamente não era um governo que as massas pudessem considerar como seu.

O segundo Período ou Fase radical da Revolução


No verão de 1792 a Revolução Francesa entrou numa segunda fase que durou cerca de dois anos. Este período diferiu do primeiro em muitos aspectos. Para começar, a França era agora uma república. A 101 de agosto a Assembléia Legislativa votou a suspensão do rei e ordenou que se elegesse uma Convenção Nacional para redigir  uma nova constituição. Desta vez a eleição se faria por sufrágio universal masculino. Pouco depois Luís XVI foi submetido a julgamento, sob a acusação de conspirar com estrangeiros contra a Revolução, e em 21 de janeiro de 1793 foi decapitado. Ademais de seu caráter republicano, a segunda fase diferiu da primeira em ser dominada pelas classes inferiores. O curso da Revolução já não era ditado por membros mais ou menos conservadores da burguesia. O lugar destes fora tomado por extremistas que representavam o proletariado de Paris e a filosofia liberal de Voltaire e Montesquieu cedera o passo às doutrinas radicais e igualitárias de Rousseau. Outra diferença consistiu no caráter mais violento e sanguinário desta segunda fase. Foi o período não só da execução do rei mas também dos massacres de setembro (1 792) e do regime de Terror, que se estendeu do verão de 1 793 ao verão do ano seguinte.

Causas da transição para uma fase radical


Que fatores poderão explicar esta espetacular transição de uma fase relativamente moderada, dominada pela classe média, para uma fase de radicalismo e de agitações? Em primeiro lugar, podemos mencionar as esperanças frustradas  proletariado. No seu início, a Revolução parece acenar com promessas maravilhosas de igualdade e justiça para todos os cidadãos. Isto se aplica particularmente ã Declaração dos Direitos, muito embora encarecesse ela a inviolabilidade da propriedade privada. Ao cabo, porém, de três nos de revolução social e política, era tão difícil quanto antes ao operário urbano ganhar o seu pão — senão mais difícil ainda, em vista da desorganização econômica. E não era só: depois de adotada a Constituição de 1791 homem comum descobriu que nem mesmo votar podia. Tornara-se cada vez mais claro que ele não tinha feito outra coisa senão mudar de patrões. Num tal estado de espírito, não podia deixar de sentir-se seduzido pelas pregações dos extremistas que prometiam conduzi-lo a uma canaã de segurança e fartura. Uma segunda causa dessa transição para uma fase radical foi. o impulso adquirido pela própria Revolução. Todos os grandes movimentos dessa espécie geram uma atmosfera de descontentamento, a qual é respirada mais profundamente por alguns homens do que por outros. Resulta daí o apaiecimento de uma espécie de revolucionário profissional, eternamente insatisfeito por mais que se tenha realizado. Acusa os chefes da revolução em sua em sua fase preliminar com maior violência ainda do que condena os adeptos do antigo regime. Para ele, as mais horríveis matanças e o mais completo caos não são um preço demasiado a pagar pela realização dos seus ideais. Assassinará os seus mais íntimos companheiros, tão logo discordarem dele, com a mesma presteza com que liquidará o mais detestado reacionário. É o equivalente político do fanático religioso para quem a espada e a fogueira são os instrumentos indicados para après?:.- a vinda do reino da virtude e da paz de Deus.

Mas a causa mais importante da vitória dos radicais talvez tenha sido a guerra com o estrangeiro. Em vários países europeus a marcha da Revolução Francesa tinha sendo encarada com crescente sobressalto pelos governantes reacionários. Isto se verificava sobretudo na Áustria e na Prússia, onde se haviam refugiado numerosos "emigrados", ou monarquistas franceses, que procuravam convencer os soberanos daqueles países do perigo que a Revolução representava para a Europa. Além disso, a rainha francesa Maria Antonieta, que pertencia à família dos Habsburgos, fazia desesperados apelos ao imperador para que viesse em auxílio de seu marido. Em agosto de 1 791 os governantes da Áustria e da Prússia lançaram conjuntamente a Declaração de Pillnitz, em que afirmavam ser a restauração da ordem e dos direitos reais na França uma "questão de comum interesse para todos os soberanos europeus”. Como era natural, essa declaração causou vivo ressentimento entre os franceses, visto que não podia ser interpretada de outra maneira senão como uma clara ameaça de intervenção. Acresce, que a perspectiva de um conflito com inimigos estrangeiros era do agrado de muitos revolucionários. Enquanto a facção moderada esperava que um êxito militar consolidasse a lealdade do povo ao novo regime, numerosos radicais clamavam pela guerra, contando em segredo com uma derrota dos exércitos franceses para desacreditar de todo a monarquia. Poder-se-ia então proclamar a república e os heróicos soldados do povo converteriam a derrota numa vitória e levariam os benefícios da liberdade a todos os povos oprimidos da Europa. Inspirada nessas considerações, a Assembléia votou pela guerra no dia 20 de abril de 1792. Conforme esperavam os radicais, as forças francesas sofreram sérios reveses. Em agosto os exércitos conjugados da Áustria e da Prússia haviam atravessado a fronteira e ameaçavam tomar Paris. O furor e o desespero apossaram-se da capital. Prevalecia a crença de que os desastres militares resultavam de conluios traiçoeiros do rei e de seus adeptos conservadores com o inimigo. Em consequência disto surgiu um vigoroso apelo em prol de uma ação enérgica contra todos os que fossem suspeitos de deslealdade ã Revolução. Foi acima de tudo essa situação que colocou os extremistas em evidência e os capacitou a dominar a Assembléia Legislativa e pôr termo à monarquia.

O governo da França durante a segunda fase: a Convenção Nacional


De 1 792 a 1 795 — isto é, durante a segunda fase da Revolução e por mais um ano ainda — o poder dirigente da França foi a Convenção Nacional. Originariamente eleita como uma assembléia constituinte, seu papel devia ser o de redigir uma nova constituição e depois passar o poder a um governo regular. De fato, a nova •constituição ficou pronta em 1 793, mas a desordem reinante impediu que fosse posta em vigor. Justificando-se com o estado de emergência nacional, a Convenção manteve-se no poder ano após ano. Após a primavera de 1 793 delegou-as suas funções executivas a um grupo de nove (mais tarde doze) de seus membros, conhecido como o Comitê de Salut Public (Junta de Segurança Pública). Este órgão tinha a seu cargo as relações exteriores, a fiscalização do comando do exército e a aplicação do regime de Terror. Quanto à própria Convenção, compunha-se de numerosas facções que representavam outras tantas correntes de opinião radical. As mais importantes eram a dos girondinos e a dos jacobinos. Os primeiros, que tomavam assento à direita na Convenção; apoiavam-se sobretudo nas províncias e tendiam a desconfiar do proletariado. Eram republicanos, porém não democratas extremistas. Seus adversários jacobinos, que se sentavam à esquerda, contavam-se entre os radicais mais intransigentes da Revolução (13). Embora a maioria deles procedesse da classe média, eram ardentes discípulos de Rousseau e defensores militantes do proletariado urbano. Acusavam os girondinos de desejar uma "república aristocrática" e de planejar a desunião da França mediante um sistema federal em que os "departamentos" seriam engrandecidos a expensas de Paris.

Entre os líderes da Convenção Nacional figuram algumas das personalidades mais interessantes e dramáticas da história moderna.

Os líderes moderados da Convenção Nacional: 1) Thomas Paine


No grupo dos girondinos tornaram-se famosos Thomas Paine (1737-1809) e o Marquês de Condorcet (1 743-94). Continuando a sua brilhante atividade de panfletário da Revolução Americana, Paine embarcara para a Inglaterra, decidido a abrir os olhos do povo desse país para "a loucura e a estupidez do governo". Em 1791 publicou sua célebre obra Os Direitos do Homem, que era um ataque virulento ao livro de Edmund Burke, Reflexões sobre a revolução da França, aparecido no ano anterior. Os Direitos do Homem causou sensação, especialmente depois das mal inspiradas tentativas do governo para apreendê-lo. Acusado de traição, o autor conseguiu fugir para a França antes de ser preso. Em 1792 foi eleito para a Convenção Nacional e imediatamente ganhou preeminência como um dos mais moderados líderes dessa assembléia. Instava pela abolição da monarquia mas opunha-se à execução do rei, alegando que isso iria alienar a simpatia dos americanos. Incorreu por fim na suspeita de alguns extremistas e escapou da guilhotina por ouro acaso.

(13) o Clube dos Jacobinos nem sempre tinha sido radical. Durante os primeiros dias dla Revolução contara entre seus membros elementos reconhecidamente moderados como Mirabeau, Sieyès e Lafayette. Em 1791, no entanto, caiu sob o domnio dos extremistas chefiados por Maximiliano Robespierre.

2) Condorcet


O Marquês de Condorcet era um homem de temperamento mais brando que Paine, embora tivesse propensões filosóficas semelhantes. Tendo começado como discípulo de Voltaire e Turgot, foi posteriormente tem mais longe do que esses  liberais burgueses nos seus pedidos de reforma. Não só condenava os males do absolutismo, do mercantilismo, da escravidão e da guerra, como o fizeram muitos pensadores esclarecidos da época, mas também foi um dos primeiros a sustentar que o principal escopo de todo governo deveria ser o de combater a pobreza. Julgava possível atingir em grande parte essa finalidade pela abolição dos monopólios e privilégios, do direito de primogenitura e da vinculação dos bens de raiz. O afastamento desses obstáculos permitiria uma ampla distribuição da propriedade, especialmente da agrária, habilitando assim a maioria dos cidadãos a conquistar a independência econômica. Patrocinava também as pensões para os velhos e o sistema bancário cooperativo para proporcionar condições favoráveis de crédito (14). No auge do Terror, Condorcet foi posto fora da lei por haver denunciado a violência dos jacobinos teve de fugir para salvar a sua vida. Disfarçado como carpi: vagueou esfomeado pelo interior do país até que uma noite a taram dele e o jogaram à prisão. Na manhã seguinte encontraram-no estendido no chão, morto. Não se sabe ao certo se morreu de frio e era : insequência das provações por que passara, ou se tomou um veneno que carregava, ao que se dizia, num anel.

(14)J. S. Schapiro, Condorcet and the Rise of Liberalism, pp. 142-55.

Os chefes extremistas: Marat e Danton


Entre os líderes das facções extremistas salientaram-se Marat, Danton e Robespierre. Jean Paul Marat (1 743-93) tinha estudado medicina e em 1789 já granjeara bastante fama na sua profissão para ser contemplado com um grau honorário pela Universidade de Sto André, da Escócia. Quase desde o início da Revolução apresentou-se como o campeão do povo. opondo-se às asserções dogmáticas dos seus o legas burgueses da Assembléia, inclusive a idéia de que a França devia moldar o seu governo pelo da Grã-Bretanha, que ele sabia ser oligárquico na forma. Em breve tornou-se vítima de perseguições, sendo obrigado a procurar refúgio em esgotos e enxovias, mas isso não o levou a desistir das tentativas para incitar o povo a defender os seus direitos. Em 1793 foi apunhalado no a ração por Charlotte Corday, uma moça fanaticamente devotada aos gerondinos. Em contraste com Marat, Georges jacques Danton (1759-94) .só alcançou preeminência quando a Revolução já estava no seu terceiro ano, mas, como aquele, orientou a sua atividade no sentido de instigar as massas à rebelião. Eleito em 1 793 para a Junta de Segurança Pública, teve importante papel na organização do Terror. Mas, com o passar do tempo, parece ter-se cansado de tanta desumanidade e revelado uma propensão fatal para a transigência. Isso deu uma oportunidade aos seus adversários da Convenção e, em abril de 1794, foi enviado para a guilhotina. Conta-se que ao galgar os degraus do cadafalso disse: "Mostrem a minha cabeça ao povo; não é todos os dias que ele vê coisa parecida."

 

O mais famoso e talvez o maior de todos os líderes extremistas foi Maximiliano Robespierre (1 758-94). Pertencente a uma família que passava por ser de origem irlandesa, Robespierre estudou direito e não tardou a conquistar um êxito modesto como advogado. Em 1 782 foi nomeado juiz criminal, mas em breve resignou o cargo por não ter coragem de impor uma sentença de morte. De temperamento nervoso e tímido, nunca demonstrou grande capacidade prática, mas procurava compensar essa falha com uma devoção fanática aos princípios. Abraçara a crença na filosofia de Rousseau como a grande esperança de salvação para toda a humanidade. A fim de pô-la em prática estava pronto a empregar todos os meios que pudessem ser eficazes, sem levar em consideração o que isso viesse a custar para si ou para os outros. Essa fervorosa lealdade a uma doutrina que exaltava as massas acabou por lhe granjear uma multidão de adeptos. Tal era o favoritismo de que gozava entre o público que pode usar até o fim da vida os calções, as meias de seda e o cabelo empoado característicos da velha sociedade. Em 1 791 tornou-se o oráculo do Clube dos Jacobinos, já então expurgado de todos que não fossem os elementos mais radicais. Mais tarde foi eleito presidente da Convenção Nacional e membro da Junta de Segurança Pública. Embora seu papel tivesse sido insignificante ou nulo na instauração do regime de Terror, foi largamente responsável pela extensão desse regime. Chegou mesmo a justificar a crueldade como necessária e, portanto, como um expediente louvável para promover o progresso da Revolução. Nas últimas seis semanas de sua ditadura virtual rolaram no cadafalso de Paris nada menos de 1 285 cabeças. Mais cedo ou mais tarde, porém, tais métodos teriam fatais a êle próprio. Em 28 de julho de 1 794, Robespierre juntamente com vinte e um de seus auxiliares imediatos foram guilhotinados sem mais julgamento que o que êle costumava conceder aos seus adversários.

A extensão da violência durante a segunda fase


É provável que as verdadeiras proporções da violência durante segunda fase da Revolução jamais venham a ser conhecidas. Muitas histórias de horrível carnificina que circularam nesse tempo e mais tarde eram exageradas ao extremo. Nenhuma rua se tornou vermelha de sangue, nem os rios ficaram atulhados de cadáveres. Não obstante, é certo que a matança foi estarrecedora. Durante o período do Terror, que .se estendeu de setembro de 1 793 a julho de 1 794, as estimativas mais fidedignas orçam o número de execuções em aproximadamente 20000 para toda a França. Uma lei promulgada em 17 de setembro de 1 793 tornava objeto de suspeição quem quer que tivesse tido ligações com o governo dos Bourbons ou com os girondinos: e nenhuma pessoa que fosse suspeita, ou de quem se desconfiasse ser suspeita, estava a salvo de perseguições. Quando, algum tempo depois, perguntaram ao padre Sieyès o que fizera para se distinguir durante o Terror, respondeu lacônicamente: "Sobrevivi". Em última análise, entretanto, deve-se reconhecer que a mortandade durante a Revolução Francesa foi muito menor do que na maioria das guerras civis e internacionais. As 20 000 vítimas do Terror não suportam comparação, por exemplo, com as centenas de milhares de vidas ceifadas pela Guerra de Secessão norte-americana. Napoleão Bonaparte, que muitos cultuam como um herói, foi responsável, no mínimo, por um número de mortes vinte vezes maior do que as causadas pelo Comité de Salut Public. Está claro que com isto não pretendemos desculpar a selvajaria do terror, mas tão somente corrigir uma imagem deformada.

Realizações da segunda fase


A despeito da violência do Terror, a segunda fase da Revolução Francesa caracterizou-se por algumas realizações muito valiosas. Chefes como Robespierre, malgrado o seu fanatismo, não deixavam de ser humanitários sinceros e não seria crível que perdessem a oportunidade de iniciar reformas. Entre os seus feitos mais significativos contam-se a abolição da escravidão nas colônias e dívida, a adoção do sistema decimal de pesos e medidas e a supressão do direito de primogenitura, de forma que a propriedade não fosse mais herdada exclusivamente pelo filho mais velho e sim dividida em porções substancialmente iguais entre todos os herdeiros imediatos. A Convenção procurou também suprir as deficiências dos decretos da Assembléia Nacional que aboliam os vestígios do feudalismo, estabelecendo medidas no sentido de liberdade maior no gozo das oportunidades econômicas. Os bens dos inimigos da Revolução foram confiscados em benefício do governo e das classes inferiores. As grandes propriedades foram parceladas e oferecidas à venda em condições muito favoráveis aos cidadãos mais pobres. As indenizações anteriormente prometidas aos nobres pela perda dos seus privilégios foram abruptamente canceladas.  A fim de refrear o aumento do nisto da vida a lei fixou os preços máximos do trigo e de outros artigos de primeira necessidade ao mesmo tempo que os comerciantes aproveitadores eram ameaçados com a guilhotina. Também da prisão por foram adotadas medidas reformistas no setor religioso. Houve um momento, durante o Terror, em que se tentou abolir o cristianismo e erigir em seu lugar o culto da Razão. Dentro desse espírito adotou-se um novo calendário, fazendo começar o ano na data da proclamação da República (22 de setembro de 1 792 \ e dividindo os meses de modo a eliminar o domingo cristão. Ao conquistar o poder, Robespierre substituiu esse culto da Razão por uma religião deísta que compreendia o culto de um Ser Supremo e a crença na imortalidade da alma. Finalmente, em 1 794, a Convenção adotou o critério mais sensato de fazer da religião um assunto particular de cada um. Resolveu-se estabelecer uma separação completa entre a igreja e o estado e tolerar todas as crenças que não fossem positivamente hostis ao governo.

Fim da Segunda Fase: Termidoriana


No verão de 1 794 o Terror chegou ao seu termo e, logo depois, a Revolução entrou na terceira e última fase. O acontecimento que assinalou essa mudança foi a Reação Termidoriana-cujo nome deriva do mês de termidor (mês do calor — 19 de julho a 18 de agosto) do novo calendário. A execução de Robespierre a 28 de julho de 1 794 representava a completação de um ciclo. A Revolução havia devorado os seus próprios filhos. Um após outro, tinham caído os gigantes radicais: primeiro Marat, depois Hébert e Danton, e por fim Robespierre e Saint-Just. Os únicos líderes que restavam na Convenção eram homens de tendências mais moderadas. Com o decorrer do tempo, inclinavam-se para um conservantismo crescente e para o emprego de toda espécie de chicana política que servisse para- mantê-los no poder. Mais uma vez a Revolução passou, aos poucos, a refletir os interesses da burguesia. Foi então desfeita grande parte da obra extremista dos radicais. Revogaram-se a lei dos preços máximos e a dos "suspeitos". Os prisioneiros políticos foram soltos, os jacobinos tiveram de procurar esconderijos e a Junta de Segurança Pública foi despojada dos seus poderes despóticos. A nova situação possibilitou a volta dos padres, dos monarquistas e outros emigrados, os quais vieram juntar o peso da sua influência às tendências conservadoras.

Terceira Fase: A Constituição Conservadora do Ano III


Em 1 795 a Convenção Nacional adotou uma nova constituição que apunha o sinete da aprovação oficial à vitória das classes abastadas. A nova lei orgânica, conhecida como a Constituição do Ano III, concedia o sufrágio a todos os cidadãos adultos do sexo masculino que soubessem ler e escrever, mas estes só poderiam votar em eleitores que escolheriam, por sua vez, os membros do Corpo Legislativo; e para ser eleitor era preciso possuir uma fazenda ou qualquer outra propriedade cuja renda anual equivalesse, no mínimo, a cem dias de trabalho. Ficava assim assegurado que a autoridade do governo derivaria efetivamente de cidadãos de fortuna considerável O Corpo Legislativo compor-se-ia de duas câmaras: uma câmara baixa ou Conselho dos Quinhentos, e um senado ou Conselho dos Anciãos. Não sendo praticável restaurar a monarquia, por se temer a Toha da antiga aristocracia ao poder, o poder executivo foi investido numa junta — o Diretório — composta de cinco homens que seriam indicados pelo Conselho dos Quinhentos e eleitos pelo Conselho dos Anciãos. A nova constituição não só incluía uma declaração dos direitos mas também uma especificação dos deveres do cidadão. Ocupava lugar de destaque entre estes últimos a obrigação de ter presente ao espírito que "e sobre a manutenção da propriedade. . . que assenta toda a ordem social".

Ninguém poderia esperar que um sistema tão categórica: contrário aos direitos das massas pudesse florescer sem. opc Nem bem a Constituição do Ano III fora posta em vigor, os jacobinos organizaram, sob a chefia de "Graco" Babeuf, um movimento para derribá-la. ^^Q^aco^ Esse homem, redator-chefe da Tribuna do Povo e Babeuf fundador da Sociedade dos Iguais, tem sido muitas vezes chamado o primeiro socialista moderno. Mas, ao que parece o verdadeiro socialismo estava bem longe dos seus objetivos, que não diferiam muito  dos demais jacobinos radicais. Visava ele uma sociedade em que todos os homens seriam proprietários em proporções substancialmente iguais. A fim de atingir esse escopo, exigia que se procedesse à confiscação e à redistribuição do excesso de for dos ricos. Em setembro de 1 796 os seus adeptos, em número aproximado de 17 000, lançaram um ataque contra a guarnição militar de Grenelle, na esperança de que esta passasse para o seu lado e se juntasse a eles numa marcha sobre Paris. O tentame redundou em lamentável fracasso. Pouco depois Badeuf e seu principal ajudante foram condenados por traição, sendo executados em maio do ano seguinte. Isso pois fim à derradeira tentativa de converter a Revolução Francesa num movimento em prol da melhoria econômica das classes inferiores.

O caráter corrupto da Terceira Fase


A terceira fase da Revolução Francesa teve pequena importância histórica em comparação com as outras duas. Tomada em conjunto, foi um período de estagnação, de corrupção generalizada e de cinismo. Tinha-se volatizado o ardente zelo reformador que as duas fases precedentes. Os membros do novo governo interessavam-se muito mais pelas oportunidades de proveito pessoal do que pelos planos brilhantes dos filósofos para recompor o mundo. O suborno era concomitância habitual do lançamento e arrecadação de impostos, bem assim como do emprego de fundos públicos. Até alguns membros do Diretório exigiam peitas, com toda a desfaçatez, em troca de favores que tinham a obrigação de conceder no exercício de suas funções normais. Essa cobiça cínica nas altas esferas não podia deixar de ter seus efeitos nas normas gerais da sociedade. Não é de surpreender, portanto, que o período do Diretório tenha sido uma época de louca extravagância e dissipação, de desenfreada competição pela riqueza. A especulação e o jogo tendiam a relegar a um plano .secundário os negócios honestos. Enquanto a fome rondava os bairros pobres de Paris os aproveitadores acumulavam fortunas e ostentavam sem pejo os seus ganhos adquiridos a expensas do povo. A tanto chegaram as gloriosas promessas da Revolução, arrastadas na lama até mesmo por alguns que a princípio haviam jurado defendê-las!

Fim da Revolução: O Golpe de Napoleão Bonaparte


No outono de 1 799 encerrou-se a era da Revolução Francesa. O acontecimento que assinalou esse fim foi o golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 18 brumário (9 de novembro). Esse, contudo, não foi mais que o golpe de misericórdia. Já desde algum tempo o regime instaurado pela Constituição do Ano III vinha pairando à beira do colapso. Embora tivesse sido temporariamente fortalecido por algumas vitórias militares — pois ainda prosseguia a guerra contra os inimigos estrangeiros da Revolução — por fim até esse apoio falhou. Em 1 798-99, a política agressiva do Diretório envolveu a França numa luta com nova coligação de adversários poderosos: Grã-Bretanha, Áustria e Rússia. A sorte das batalhas não tardou a mudar. Um após outro, caíram por terra os estados satélites que os franceses haviam levantado em sua fronteira oriental. Os exércitos da república foram expelidos da Itália. Tornou-se logo evidente que as conquistas dos anos anteriores iam reduzir-se a nada. Enquanto isso, o Diretório vinha sofrendo uma perda ainda maior de prestígio em virtude da sua conduta dos negócios interiores. Milhares de pessoas estavam revoltadas com a vergonhosa corrupção dos funcionários públicos e com a sua desumana indiferença ante as necessidades dos pobres. O que ainda mais agravava a situação era a séria crise financeira, pela qual o governo era em parte responsável. A fim de atender às despesas de guerra e aos gastos extravagantes de administradores incapazes, multiplicaram-se as emissões de assignats, ou papel-moeda. Os resultados inevitáveis foram uma tremenda inflação e um completo caos. Dentro de pouco tempo os assignats sofreram enorme depreciação, até não serem aceitos por mais de 1% do seu valor nominal. Em 1 797 as condições tinham piorado de tal forma que não houve outro reme d: senão repudiar todo o papel-moeda em circulação. Durante o período de caos financeiro milhões de cidadãos precavidos e respeitáveis, que tinham conseguido acumular certas posses, viram-se reduzidos ao nível de proletários. O efeito natural foi convertê-los em inimigos rancorosos do governo constituído.

Razões da vitória de Napoleão


Foi nessas condições deploráveis que se tornou relativamente fácil a ascensão de Bonaparte. O sentimento de revolta ante a venalidade e a indiferença do governo, o rastilho de ódio deixado pelas agruras da iníciaço, a humilhação resultante das derrotas militares — tais foram os fatores que encorajaram a convicção largamente difundida de que o regime em vigor era intolerável e só o aparecimento de um "homem a cavalo" poderia salvar a nação da ruína. Em outras palavras. Napoleão subiu ao poder em condições bastante similares às que presidiram ao nascimento de ditaduras mais recentes na Alemanha e na Itália. Mas está claro que o jovem Bonaparte era um herói militar, o que não se dava com Hitler ou Mussolini. Em 1 795 tornara-se benquisto aos amigos da lei e da ordem por haver defendido a Convenção Nacional com uma ”rajada de metralha" contra um levante de insurretos parisienses. Mais tarde cobrira-se de glória com as suas campanhas na Itália e no Egito. É verdade que as notícias de seus êxitos neste último país tinham sido um pouco exageradas, mas convenceram os patriotas franceses de que tinham nele, ao menos, um general em cuja capacidade podiam depositar absoluta confiança. Além disso, ninguém podia contestar que ele expulsara os austríacos da Itália e anexara à França a Sabóia, Nice e as províncias austríacas dos Países-Baixos. Não é muito de admirar que Napoleão passasse a ser considerado o homem do momento. Seu nome tornou-se um símbolo da grandeza nacional e dos gloriosos feitos da Revolução. E, à medida que crescia o sentimento de repulsa contra o Diretório, era ele mais do que nunca saudado como o herói incorruptível que .salvaria a nação da vergonha e do desastre.

3. Os bons e os maus frutos da revolução


A Influência da Revolução Francesa


Ainda que a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder como ditador militar tenha marcado o início de uma nova era, não anulou de forma alguma a influência da Revolução Francesa. Efetivamente, como se verá no próximo capítulo. o próprio Napoleão manteve algumas das conquistas revolucionárias e assumiu a atitude de campeão invencível da igualdade e da fraternidade, se não da liberdade. Mas, ainda que ele não tivesse agido desse modo, a herança da Revolução teria indubitavelmente sobrevivido. Um movimento que tão profundamente abalara as bases da sociedade jamais poderia ter passado à história sem deixar um rastro de momentosos resultados.

Sua influência repercutiu através de quase todo o século XIX e fez-se sentir em muitas nações do mundo ocidental. A nova paixão da liberdade foi a força-propulsora de numerosas insurreições e "revoluções" que pontilharam o período entre 1800 e 1850. A primeira a ocorrer foi a sublevação dos espanhóis contra José Bonaparte, em 1808. Seguiu-se lhe uma verdadeira epidemia de distúrbios revolucionários entre 1820 e 1831, em países como a Grécia, a Itália, a Espanha, a França, a Bélgica e a Polônia. Finalmente, os movimentos revolucionários de 1848 estavam longe de ser completamente alheios ao grande levante francês de 1 789, pois que a maioria deles se inspirava no mesmo entusiasmo nacionalista e em ideais semelhantes de liberdade política.

Os Frutos mais duradouros da Revolução


A Revolução Francesa também teve outros resultados de caráter mais duradouro e mais benéfico para a humanidade em geral. Foi, antes de mais nada, ura vigoroso golpe contra a monarquia absoluta. Daí em diante, poucos reis ousaram arrogar-se uma autoridade ilimitada. Mesmo quando, em 1 814, um Bourbon foi restaurado no trono da França, não demonstrou quaisquer pretensões à missão divina de governar como bem lhe aprouvesse. Em segundo lugar, a Revolução Francesa fez desaparecer quase todos os remanescentes de um feudalismo em plena decadência, inclusive a servidão e os privilégios feudais dos nobres. Todas as corporações foram abolidas para nunca mais reviver. Posto que subsistissem ainda alguns vestígios do mercantilismo, os seus dias, como doutrina política acatada pelos governos, estavam positivamente contados. Embora a separação entre a Igreja e o Estado, consumada em 1794, acabasse sendo anulada por Napoleão, não deixou de fornecer um precedente para o divórcio definitivo da religião e da política, não só na França mas também em muitos outros países. Entre os restantes resultados benéficos da Revolução podem ser mencionados a abolição da escravidão nas colônias francesas, a eliminação da prisão por dívidas, o cancelamento do direito de primogenitura e uma distribuição mais ampla das terras, graças ao parcelamento das grandes propriedades. Por fim, as bases de duas das mais importantes realizações de Napoleão — as reformas educacionais e a codificação das leis — foram assentadas, na realidade, pelos chefes da Revolução.

O legado de maus frutos


Não se pode negar, por outro lado, que a Revolução Francesa também tenha tido os seus frutos amargos. Foi ela em grande parte responsável pelo desenvolvimento do nacionalismo "chauvinista" como ideal dominante. O nacionalismo, está claro, nada apresentava de novo.

Pode ser encontrado quase que na própria origem das mais antigas civilizações manifestou-se na obsessão dos hebreus de serem o Povo Eleito e no exclusivismo racial dos gregos. Mesmo em sua forma europeia moderna, tem raízes que se estendem ao século XIII. Sem embargo, o nacionalismo só se tornou uma força realmente virulenta e avassaladora depois da Revolução Francesa. Foi o orgulho do povo francês pelo que tinha realizado e a sua determinação de preservar tais conquistas que deram origem ao patriotismo fanático tão bem exemplificado pela sua emocionante canção guerreira, a Marselhesa. Pela primeira vez na história moderna, uma nação inteira se punha em pé de guerra. Em contraste com os exércitos profissionais relativamente pequenos do passado, a Convenção Nacional, em 1 793, alistou cerca de 800000 homens, ao passo que milhões de outros,, atrás das linhas de combate, dedicavam as suas energias à gigantesca tarefa de eliminar os desacordos internos. Operários, camponeses e burgueses, todos cerraram fileiras sob o lema de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" como em defesa de uma causa sagrada. O cosmopolitismo e o pacifismo dos filósofos iluministas ficaram completa te esquecidos. Mais tarde esse patriotismo militante contaminei: as terras, contribuindo com o peso da sua influência para alimentar as ideias exaltadas de superioridade nacional e os ódios raciais. Por fim, a Revolução Francesa teve por consequência uma deplorável depreciação da vida humana. A carnificina de milhares de pessoas durante o Terror, muitas vezes sem que lhes pudesse ser assacada qualquer culpa, mas simplesmente como meio de infundir pavor nos inimigos da Revolução, tendeu a criar a impressão de que a vida do homem pouco ou nada valia em confronto com os nobres objetivos do partido que ocupava o poder. Essa impressão talvez contribua para explicar a relativa indiferença com que, alguns anos depois, a França aceitou o sacrifício de centenas de milhares de seus filhos para satisfazer as ambições ilimitadas de Napoleão,

Fonte: Editora Globo 1959. História da Civilização Ocidental, tradução de Lourival Gomes Machado, Lourdes Santos Machado e Leonel Vallandro.