O Silêncio dos Aprendizes
O Silêncio dos Aprendizes
Ao escolher este tema presto homenagem ao silêncio dos aprendizes em loja e
em particular ao seu significado e objectivos, dado considerar que ele
contribuiu decisivamente para a minha aprendizagem e para a minha evolução como
pessoa e, espero que, como Maçon.
Nas conversas prévias que tive com os Irmãos Mestres J:. R:. e R:. B:.,
integradas no meu processo de admissão à Maçonaria, houve desde logo algo que me
causou alguma apreensão – como iria eu conviver com o silêncio que se impunha
aos aprendizes em Loja. Ter uma opinião para transmitir e não o poder fazer, só
poderia ser uma forma sofisticada de praxe ou de tortura, para ver se eu me
aguentava....
Sendo normalmente uma pessoa interventiva, o ficar calado significava para
mim quase que uma prova de fraqueza ou ignorância, e isso era algo que não
estava habituado. No mundo profano, nomeadamente nas esferas empresariais, é
normalmente preferível dizer alguma coisa, mesmo que inútil, do que não dizer
nada, já que isso parece ser apreciado.
As minhas primeiras sessões em loja foram muito conflitivas – se não podia
falar e só podia ouvir, o que é que eu estava ali a fazer? Durante este período,
passei por várias fases evolutivas: equacionei ir-me embora, já que não queriam
ouvir o que eu tinha para dizer e eu tinha muito para dizer; ponderei os
inconvenientes de desrespeitar a regra, rompendo o silêncio; efectuei
comparações entre os argumentos que eram utilizados e os que eu utilizaria na
mesma situação, etc.. Creio que posso afirmar que a minha permanência na
Maçonaria se deve a um acto de teimosia, já que decidi não desistir e ir até ao
fim.
Gradualmente, fui começando a alterar a minha atitude perante o silêncio,
principalmente a partir do momento em que conclui ser inútil preocupar-me em
construir uma argumentação que depois não teria continuidade. Já que não podia
falar, talvez existissem outras formas de rentabilizar o tempo que ali passava e
a forma mais lógica e imediata parecia ser, ouvir e assimilar o que estava a ser
dito. Tal “descoberta” fez-me começar a escutar de forma consciente, o que
efectivamente se dizia, o que me conduziu a uma nova descoberta acerca de mim
próprio: tinha tendência para só escutar os outros em função da resposta que
teria de lhes dar e não por aquilo que tinham para me dizer.
Esta constatação levou-me a começar a tentar escutar os outros de forma
desinteressada e sem reservas ou intenções. Foi um processo intencional, lento,
com avanços e retrocessos mas extremamente agradável - sentir que começava a
descobrir os outros e ver que a atitude destes se alterava gradualmente. De
forma tímida no inicio, primeiro nos círculos familiares e depois entre amigos e
em ambientes profissionais, foi encorajante ouvir frases como “não sei porquê,
mas agora é mais agradável conversar contigo”...
No campo estritamente profissional e nomeadamente nos processos negociais, em
que cada argumento antecipado pode constituir uma vantagem para os outros,
descobri também que o escutar me permitia analisar melhor a situação e sobretudo
preparar melhor a argumentação necessária à consecução de estratégias
ganhadoras.
E no entanto toda esta simplicidade parece ser fruto de uma sabedoria milenar
que já Hiram utilizava quando formava os seus aprendizes e companheiros, para os
preparar para a construção do Templo de Salomão.
Quando o recém iniciado é advertido de que não poderá falar em loja, desde a
sua iniciação até à sua passagem a mestre, devendo apenas ouvir e observar,
está-se simplesmente a dar continuidade a um dos mais antigos costumes das
ordens iniciáticas: o silêncio.
Voltado para si mesmo, calado, numa postura de reflexão e recepção, o
Aprendiz Maçon deverá evitar resvalar para uma atitude passiva ou
desinteressada. Pelo contrário, todos os seus sentidos devem estar atentos para
o que se passa em loja. Ver, ouvir, receber, reflectir e guardar, são as
palavras chave deste processo de aprendizagem e evolução interior. Juntar e
interligar todas as informações que lhe chegam ao cérebro, estranhas e
diferentes das que já conhece, formulando hipóteses e conclusões que lhe
permitam uma visão cada vez mais elevada das observações que faz. Esta deve ser
a maior preocupação do iniciado.
O ainda candidato é exposto pela primeira vez perante a regra de silêncio
quando é introduzido na Câmara de Reflexão, permanecendo sozinho e ladeado por
símbolos, palavras e frases, estimulado a pensar e a penetrar no fundo do seu
interior. No silêncio da meditação, vai ao encontro de si mesmo, examinando
minuciosamente o que lhe vai na alma. É então confrontado com a sigla Vitriol
(Visita Interiora Terrae, Retificandoque, Invenies Occultum Lapidem),
que na sua tradução para português significa: "desce ao interior da terra, e
perseverando na rectidão, poderás encontrar a pedra oculta".
Após toda a cerimónia de iniciação, o candidato profano transforma-se em
recipiendário silêncioso, o recém iniciado assume o papel do hermetista, ou do
alquimista na sua busca incessante da Pedra Filosofal, que uma vez descoberta, o
transformará no homem perfeito. Este é o sentido que o maçom busca quando luta
para transformar a sua Pedra Bruta na Pedra Cúbica, que poderá utilizar e
encaixar perfeitamente na construção do seu novo Templo interior.
O conselho "lege, lege, relege, ora, labora et invenies", que
significa lê, lê, relê, ora, trabalha e encontrarás, era dado ao eleito para
conhecer e assimilar os mistérios da Alquimia. Hoje, continua sendo este o
conselho dado ao iniciado. O maçon afasta lentamente todas as suas paixões, os
seus vícios, os seus desejos incontroláveis, para vê-los transformarem-se em
virtudes, domínio de si mesmo, tolerância e prudência, alcançadas no silêncio e
na introspecção. O iniciado reconhece como fundamentais, as palavras "Vigilância
e Perseverança" nas metodologias do seu estágio de observação. Quem fala muito
pensa pouco, ligeira e superficialmente, e a Maçonaria quer que seus membros
sejam melhores pensadores do que faladores.
Todo este processo pretende, na sua essência, preparar e induzir ao Aprendiz
a necessidade da reflexão como método de transformação interna. Embora
indirectamente, é possível estabelecer vários paralelismos e interacções com o
Catecismo do 1º grau, nomeadamente:
- Quando o Aprendiz afirma vir “vencer as suas paixões, submeter a sua vontade e realizar novos progressos na Maçonaria”, logo seguido de “Porque um Maçon deve desafiar-se a si próprio e evitar juízos de valor antes de consultar a sabedoria dos irmãos”. O silêncio proporciona-lhe um método de progressão e impõe-lhe uma prática de reflexão que o levará a ponderar os seus juízos de valor em função de conhecimentos que deve reconhecer como mais profundos.
- Na resposta “Antes queria ter a garganta cortada do que revelar os segredos que me foram confiados”, que pressupõe não só dedicação e respeito pela Ordem, mas também a capacidade de responder ou reagir após um processo de interiorização e valoração, que a pratica do silêncio poderá ajudar a tornar inconsciente e natural.
- Na resposta “Porque todas as forças destinadas a desenvolverem-se utilmente no exterior devem primeiro concentrar-se em si mesmas”, em que claramente transparece a necessidade de um trabalho interior prévio em que o silêncio pode e deve ser uma peça fundamental.
Se mais não houvesse para aprender na Maçonaria, o ter conhecido o valor do
silêncio e tudo aquilo que este me proporcionou, já teria valido a pena.
Partindo de um silêncio imposto, cujas motivações se fundamentam na sabedoria
milenar do grupo e que constitui como que um tirocínio para o recém iniciado,
passa-se para uma fase de utilização em termos interiores do silêncio, evoluindo
finalmente para um estadio de admiração pelo silêncio em que a imposição se
transforma em voluntariado que assim se transforma em sabedoria, fechando o
círculo e preparando o iniciado para novas fases da sua evolução e do seu
crescimento interior.
Prancha de A:.J:. (A:.M:.) em 27.04.6000
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