Castro Alves |
A
canção do africano
Lá na úmida
senzala,
Sentado na
estreita sala,
Junto ao
braseiro, no chão,
Entoa o
escravo o seu canto,
E ao cantar
correm-lhe em pranto
Saudades do
seu torrão ...
De um lado,
uma negra escrava
Os olhos no
filho crava,
Que tem no
colo a embalar...
E à meia voz
lá responde
Ao canto, e o
filhinho esconde,
Talvez pra não
o escutar!
"Minha
terra é lá bem longe,
Das bandas de
onde o sol vem;
Esta terra é
mais bonita,
Mas à outra eu
quero bem!
"0 sol
faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa
toda a areia;
Ninguém sabe
como é belo
Ver de tarde a
papa-ceia!
"Aquelas
terras tão grandes,
Tão compridas
como o mar,
Com suas
poucas palmeiras
Dão vontade de
pensar ...
"Lá todos
vivem felizes,
Todos dançam
no terreiro;
A gente lá não
se vende
Como aqui, só
por dinheiro".
O escravo
calou a fala,
Porque na
úmida sala
O fogo estava
a apagar;
E a escrava
acabou seu canto,
Pra não
acordar com o pranto
O seu filhinho
a sonhar!
............................
O escravo
então foi deitar-se,
Pois tinha de
levantar-se
Bem antes do
sol nascer,
E se tardasse,
coitado,
Teria de ser
surrado,
Pois bastava
escravo ser.
E a cativa
desgraçada
Deita seu
filho, calada,
E põe-se
triste a beijá-lo,
Talvez temendo
que o dono
Não viesse, em
meio do sono,
De seus braços
arrancá-lo!
Castro Alves
Extraído do
livro Os Escravos, de Castro Alves, item 2.
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