domingo, 5 de agosto de 2012

A Questão de Deus


A Questão de Deus



Publicado em

pelo Ven. Irmão Jean Bénédict 33

Presidente do Grupo de Pesquisa Alpina.

Tradução de José Antonio de Souza Filardo M.´. I .´.

Revisão do Ir.´. Sergio Jerez

Os antropólogos nos ensinam que, para sobreviver, os homens vivem em comunidade, como a maioria dos animais. Os mais antigos modelos de comunidades humanas, que permaneceram intactos, especialmente na Amazônia e na Austrália, consistem em algumas dezenas de indivíduos. Os Inuit, não menos isolados, não podem sobreviver a não ser permanecendo associados em pequenas aldeias. Outros exemplos abundam.
A vida comunitária somente é possível se ali reinar uma autoridade de natureza tribal. Testemunhamos em todos os lados o mesmo padrão: um líder, os notáveis e o restante da população. Dentro do mesmo espírito, os problemas interpessoais e comunitários deverão ser regidos por um código, uma regra que funcione para todos, através da intervenção dos chefes, pela persuasão, e pela força, se necessário.

Além das atividades comuns dedicadas à alimentação, habitação, vestuário, autodefesa em relação às comunidades vizinhas, os membros do grupo tribal sentem a necessidade de estruturar mentalmente o mistério da vida e de conectá-lo, em um todo coerente, a todas as atividades sociais, familiares e pessoais.
É necessário para eles explicar o ambiente, as estações do ano, a coexistência com animais e plantas, o parto, a doença, a morte, etc. Todas as civilizações, todas as culturas tentaram, com níveis de sucesso variáveis, encontrar uma resposta adequada a todas estas questões. Elas sentem a necessidade de se prevenir contra os caprichos das forças da natureza: inundações, secas, terremotos, eclipses, raios, etc. Procuram desesperadamente a causa de todas as coisas, assim como o “pai protetor”. “Em busca de uma explicação, os primitivos inventaram divindades antropomórficas; eles antropomorfizam a natureza.” (Paul Diel, O Simbolismo na Bíblia, Ed. Payot 1975/1996, p. 23)

As soluções encontradas ao redor do globo variam infinitamente. Do animismo às seitas, das tradições orais à filosofia, do pluralismo ao monismo, do autoritarismo ao livre arbítrio, cada grupo humano construiu um sistema de pensamento e ação que pudesse obedecer aos critérios de coerência lógica e harmonia. “Na sequência das imagens míticas, a exigência imanente de unificação harmoniosa é transcendida e aparece como a expressão da vontade divina.” (Diel, ibid. P. 34)
Esta obra de criação de um sistema de natureza religiosa – que engloba, nas sociedades chamadas primitivas e tradicionais, toda a atividade humana – resulta de um trabalho conjunto, desenvolvido após muitas tentativas e erros, reajustes, retificações e, às vezes, “revelações”, para chegar um corpus codificado, que adquire força de lei. Jean-Jacques Rousseau fala de contrato social.
Trata-se, neste domínio, de um fenômeno objetivo, observável a partir de fora – pelos antropólogos em particular – e cuja estruturação mental e coletiva se realiza em condições muito semelhantes de um lado a outro do planeta.

Quando a escolha é oficializada, o sistema é imposto – se necessário pela força – a partir do topo da pirâmide social até os níveis mais baixos. Ele se considera o único autêntico e legítimo depositário da autoridade superior, o único a proporcionar a verdade real. É tão cioso dessa legitimidade que a usa para arrasar vitoriosamente a oposição de “infiéis” vindos de fora ou de dentro.

O mecanismo coletivo que visa resolver o mistério supremo chega à criação de um panteão ou de um deus, uma entidade sem nome, dotada de uma força e de uma vontade superiores, que permanece para sempre desconhecida. É um processo humano puramente coletivo. O grupo humano (clã, tribo) cria Deus à sua imagem, uma imagem mística, idealizada e antropomórfica.
Portanto, sempre aos olhos do observador de fora, nenhuma religião saberia exercer uma ascendência sobre outra. Todas são iguais, nos ambientes onde elas existem. Cada uma detém sua verdade e ninguém pode validamente decidir entre elas. Suas existências são confirmadas pelo fato de que, constantemente, novos grupos religiosos se formam, alegando ter encontrado outra verdade maior enquanto outros morrem porque erraram seu alvo.
O antropólogo constata igualmente, em cada crença mais importante, a presença de dois níveis de compreensão do seu sistema: o grau exotérico e esotérico*. O nível exotérico convém à maioria, que encontra ali o conforto das certezas estabelecidas oficialmente. Uma pequena minoria se destaca desta estrutura dogmática e coercitiva, a fim de buscar um nível mais elevado de espiritualidade. Assim nasceram, nas brumas do tempo, os microgrupos de iniciados, treinados no segredo das técnicas acessíveis apenas para uma minoria de pessoas capazes de se abrir – em etapas sucessivas – a universos insondáveis.

Há uma infinidade de exoterismos nascidos no globo terrestre. Por definição, eles permanecem contraditórios, concorrentes e irreconciliáveis, enquanto portadores de uma carga cultural e de uma evolução histórica divergente.
Eles costumam se envolver, com frequência, em lutas de influências, exclusões, e genocídios culturais. A história humana é profundamente marcada por estes conflitos onde a Razão de Estado está intimamente imbricada no substrato sócio-religioso.
Em contraste, os esoterismos escapam às lutas pela supremacia. Trabalhando, cada um em seu “feudo”, prosseguem na busca pelo absoluto. Chegando a um nível mais elevado de distanciamento, eles definitivamente buscam a mesma coisa: aquela paz interior que é basicamente a mesma para todos aqueles que se esforçam para alcançá-la. Em definitivo, os mais diversos esoterismos convergem para este cimo. Esta mesma verdade, por sua vez, explica a inutilidade de os esotéricos se medirem, de lutar entre si. Eles deixam isso para os exoterismos.

Mas, também é evidente que sem exoterismo devidamente constituído, não há nenhuma maneira de alcançar as alturas do esoterismo. Cada religião gera – sem necessariamente querer – seus investigadores do absoluto. Por conseguinte, é necessário elaborar um sistema que tome suas sugestões a partir de outro, espiritualmente menos exigente, mais pé no chão, como uma pirâmide. Em ordem cronológica, vê-se aparecer o judaísmo / a Cabala, o Cristianismo / a Cabala Cristã, o Islão / o Sufismo.
De coletivo em sua base, acessível a todos, cada sistema exotérico gera pequenos grupos de iniciados que se distinguem por seu individualismo, seu voo em direção a esferas inatingíveis, indizíveis, associadas à noção do divino. Divino, porém configurado de acordo com a imagem formulada na consciência coletiva. Geralmente, este divino é chamado de Deus. “Mas, nós cremos ainda na existência de um Deus único.” (Diel, ibid. P. 37) Assim, o que é exatamente o divino? É esta entidade, essa noção de absoluto que se procura fora de si mesmo, em algum lugar no infinito, ou este divino encontra-se enterrado nos recônditos ocultos da estrutura mental? As inspirações ditas divina, nos domínios religioso, artístico, literário, musical, etc. Será que eles vêm “do alto” ou do fundo “do interior”? O encaminhamento mental é tão misterioso que se torna difícil ou mesmo impossível determinar sua origem real.

Mas, quando a pessoa adota o viés de uma origem superior extra corporal, opta inevitavelmente pela noção popular exotérica, aquela inventada pelo grupo social. A opção está relacionada com as sociedades primitivas e tradicionais, inteiramente sujeitas às influências religiosas e pré-lógicas. Com uma secularização generalizada, provocada pelo Iluminismo e pelas descobertas científicas e o positivismo, a análise social repousa desde o século XIX sobre as constatações objetivas e, desde Émile Durkheim, sobre psicologia coletiva, a sociologia.
A pesquisa esotérica, por outro lado, mobiliza os mecanismos psíquicos do subconsciente, do inconsciente. A meditação, a introspecção, a busca do autoconhecimento derivado fundamentalmente de processos mentais complexos e tortuosos. Tentar descrevê-los, objetiva-los em um discurso cartesiano é um desafio. Como traduzir em palavras o indizível?

Em Maçonaria, o processo iniciático, intimamente associado a uma vida social, dita fraternal, também passa por duas fases, dissociáveis e que se sucedem imperceptivelmente *. A primeira, de caráter antes de tudo exotérico, consiste em uma aprendizagem da nomenclatura, dos mecanismos, da história, das regras da vida coletiva. O grau de Companheiro comporta incursões tímidas no domínio da mente desconhecida. Mas, a partir do grau de Mestre, abordamos o mesmo nível de esoterismo, que leva ao centro do ser.
Alguns quiseram ver na Maçonaria um substituto da religião. Muitos autores têm estudado o fenômeno, sem chegar a uma conclusão definitiva. Embora certos elementos façam alusão visível ou oculta ao ambiente judaico-cristã que foi necessariamente o seu berço desde o nascimento, seus processos iniciáticos distanciam-se fortemente de qualquer sistema de crença exotérica. A Maçonaria, fundamentalmente adogmática, não é uma solução, é mais um caminho que parte do exoterismo, em direção a um horizonte resolutamente esotérico.

Não se pode deixar de notar uma certa semelhança entre o esoterismo das grandes religiões e o esoterismo da Maçonaria. Os dois têm origem em uma busca interior realizada incansavelmente e sem concessões. As tentativas de descrever essa viagem interior são muitas. Segundo C.G. Jung, começamos a nos tornar capazes de identificar esse mundo desconhecido e incognoscível. Mas, a distância que nos separa é sideral. É aí que reside o verdadeiro mistério incomunicável da Maçonaria.

* Averrois já tinha descoberto que existe uma dualidade de significado no nível de interpretação da lei divina: o sentido externo e o sentido interno. A maioria das pessoas pode se contentar com o primeiro; os filósofos devem procurar o segundo.
Fonte:
Revista Textos&Texts

Editor-Chefe, Redator, Diagramador, Secretario, Contínuo: J.Filardo

 

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