terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Homem Comum


Homem Comum



Sou um homem comum
de carne e de memória
de osso e esquecimento.
e a vida sopra dentro de mim
pânica
feito a chama de um maçarico e pode subitamente
cessar.


Sou como você
feito de coisas lembradas e esquecidas
rostos e mãos,
o quarda-sol vermelho ao meio-dia
em Pastos-Bons
defuntas alegrias flores passarinhos
facho de tarde luminosa
nomes que já nem sei
bandejas bandeiras bananeiras
tudo misturado
essa lenha perfumada que se acende
e me faz caminhar


Sou um homem comum
brasileiro, maior, casado, reservista,
e não vejo na vida, amigo,
nenhum sentido, senão
lutarmos juntos por um mundo melhor.


Poeta fui de rápido destino.
Mas a poesia é rara e não comove nem move o pau-de-arara.
Quero, por isso, falar com você,
de homem para homem,
apoiar-me em você
oferecer-lhe o meu braço
que o tempo é pouco
e o latifúndio está aí, matando.


Que o tempo é pouco e aí estão o Chase Bank,
a IT & T, a Bond and Share,
a Wilson, a Hanna, a Anderson Clayton,
e sabe-se lá quantos outros
braços do polvo a nos sugar a vida e a bolsa.


Homem comum, igual a você,
cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.
A sombra do latifúndio mancha a paisagem
turva as águas do mar
e a infância nos volta à boca, amarga,
suja de lama e de fome.


Mas somos muitos milhões de homens comuns
e podemos formar uma muralha
com nossos corpos de sonho e margaridas.


Ferreira Gullar, 1963.







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