domingo, 29 de janeiro de 2012

A eterna Primavera de Cecília Meireles


Cecília Meireles



A eterna Primavera de Cecília Meireles




Neste mês, as cigarras cantam

e os trovões caminham por cima da terra,

agarrados ao sol.

Neste mês, ao cair da tarde, a chuva corre pelas montanhas,

e depois a noite é mais clara,

e o canto dos grilos faz palpitar o cheiro molhado do chão.



Mas tudo é inútil,

porque os teus ouvidos estão como conchas vazias,

e a tua narina imóvel

não recebe mais notícia

do mundo que circula no vento.

Neste mês, sobre as frutas maduras, o beijo áspero das vespas

- e o arrulho dos pássaros encrespa a sombra,

como água que borbulha.



Neste mês, abrem-se os cravos de perfume profundo e obscuro;

a areia queima, branca e seca,
junto ao mar lampejante

de cada fronte desce uma lágrima de calor.





Mas tudo é inútil,

porque estas encostada à terra fresca,

e os teus olhos não buscam mais lugares

nesta paisagem luminosa,

e as tuas mãos não se arredondam já

para a colheita nem para a carícia.


Neste mês, começa o ano, de novo,

e eu queria abraçar-te.

Mas tudo é inútil:

eu e tu sabemos que é inútil que o ano comece.




Escuto a chuva batendo nas folhas, pingo a pingo.

Mas há um caminho de sol entre as nuvens escuras.

E as cigarras sobre as resinas continuam cantando.

Tu percorrerias o céu com teus olhos nevoentos,

e calcularias o sol de amanhã,

e a sorte oculta de cada planta.


e entre o veludo da vinha, verias armar-se o cristal dos bagos.

E amanhã descerias toda coberta de branco,

brilharias à luz como o sal e a cânfora,

tomarias na mão os frutos do limoeiro, tão verdes

E olharias o sol subindo ao céu com asas de fogo.




Tuas mãos e a terra secariam bruscamente.

Em teu rosto, como no chão,

haveria flores vermelhas abertas.

Dentro do teu coração, porém, estavam as fontes frescas, sussurrando.

E os canteiros viam-te passar...



Cecília Meireles

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