Cecília Meireles |
A eterna Primavera de Cecília Meireles
Neste mês, as cigarras cantam
e os trovões caminham por cima da terra,
agarrados ao sol.
Neste mês, ao cair da tarde, a chuva corre pelas montanhas,
e depois a noite é mais clara,
e o canto dos grilos faz palpitar o cheiro molhado do chão.
Mas tudo é inútil,
porque os teus ouvidos estão como conchas vazias,
e a tua narina imóvel
não recebe mais notícia
do mundo que circula no vento.
Neste mês, sobre as frutas maduras, o beijo áspero das vespas
- e o arrulho dos pássaros encrespa a sombra,
como água que borbulha.
Neste mês, abrem-se os cravos de perfume profundo e obscuro;
a areia queima, branca e seca,
junto ao mar lampejante
de cada fronte desce uma lágrima de calor.
Mas tudo é inútil,
porque estas encostada à terra fresca,
e os teus olhos não buscam mais lugares
nesta paisagem luminosa,
e as tuas mãos não se arredondam já
para a colheita nem para a carícia.
Neste mês, começa o ano, de novo,
e eu queria abraçar-te.
Mas tudo é inútil:
eu e tu sabemos que é inútil que o ano comece.
Escuto a chuva batendo nas folhas, pingo a pingo.
Mas há um caminho de sol entre as nuvens escuras.
E as cigarras sobre as resinas continuam cantando.
Tu percorrerias o céu com teus olhos nevoentos,
e calcularias o sol de amanhã,
e a sorte oculta de cada planta.
e entre o veludo da vinha, verias armar-se o cristal dos bagos.
E amanhã descerias toda coberta de branco,
brilharias à luz como o sal e a cânfora,
tomarias na mão os frutos do limoeiro, tão verdes
E olharias o sol subindo ao céu com asas de fogo.
Tuas mãos e a terra secariam bruscamente.
Em teu rosto, como no chão,
haveria flores vermelhas abertas.
Dentro do teu coração, porém, estavam as fontes frescas, sussurrando.
E os canteiros viam-te passar...
Cecília Meireles
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