quinta-feira, 21 de julho de 2011

Fernando Pessoa

Fernando Pessoa

Basta Pensar em Sentir

Basta pensar em sentir

Para sentir em pensar.

Meu coração faz sorrir

Meu coração a chorar.

Depois de parar de andar,

Depois de ficar e ir,

Hei de ser quem vai chegar

Para ser quem quer partir.

Viver é não conseguir.






Parece às vezes que desperto

Parece às vezes que desperto

E me pergunto o que vivi;

Fui claro, fui real, é certo,

Mas como é que cheguei aqui?

A bebedeira às vezes dá

Uma assombrosa lucidez

Em que como outro a gente está.

Estive ébrio sem beber talvez.

E de aí, se pensar, o mundo

Não será feito só de gente

No fundo cheia de este fundo

De existir clara e èbriamente?

Entendo, como um carrocel;

Giro em meu torno sem me achar...

(Vou escrever isto num papel

Para ninguém me acreditar...)



O Amor

O amor, quando se revela,

Não se sabe revelar.

Sabe bem olhar p'ra ela,

Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente

Não sabe o que há de *dizer.

Fala: parece que mente

Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,

Se pudesse ouvir o olhar,

E se um olhar lhe bastasse

Pr'a saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;

Quem quer dizer quanto sente

Fica sem alma nem fala,

Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe

O que não lhe ouso contar,

Já não terei que falar-lhe

Porque lhe estou a falar...


Poesias Inéditas
Fernando Pessoa




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