sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS - Poemas da amiga


Mário de Andrade.


O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS



“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora”. Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.

As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...

Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,

O essencial faz a vida valer a pena. “E para mim, basta o essencial”



Mário de Andrade (1893-1945)










Poemas da amiga


A tarde se deitava nos meus olhos
E a fuga da hora me entregava abril,
Um sabor familiar de até-logo criava
Um ar, e, não sei porque, te percebi.


Voltei-me em flor. Mas era apenas tua lembrança.
Estavas longe doce amiga e só vi no perfil da cidade
O arcanjo forte do arranha-céu cor de rosa,
Mexendo asas azuis dentro da tarde.


Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus amigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.


Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.


No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.


Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia
Sereia.


O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...


Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...


As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.

Mário de Andrade












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