A
oposição entre a morte e a vida é uma das questões mais antigas que a humanidade enfrenta.
No entanto, morrer opõe-se a nascer, enquanto Alfa e Ómega de cada tempo de vida.
No mundo ocidental estamos habituados a temer o outro, ou seja, tudo o que é contrário; somos nós ou os outros; se temos vida tememos a morte. Branco ou preto, opostos ou complementos. Antítese.
No mundo oriental, encontramos a síntese da vida e da morte. Ambas fazem parte do caminho, entrelaçadas, permitem ao homem que avança para a morte saber-se imortal.
A morte será real ou simbólica?
Toda a morte é simbólica e iniciática, permitindo-nos ingressar numa nova vida, renascendo interiormente e transmutando o nosso íntimo, o nosso verdadeiro ser.
Não é apenas uma inevitabilidade, mas pode ser também o caminho para uma nova oportunidade, um recomeço.
A morte é fundamental na iniciação maçónica, representando um ritual de passagem do profano para iniciado, constitui uma oportunidade de aceder a uma nova visão da realidade, transformando os metais inferiores, de que necessitei de me separar, em metais superiores dos quais já não será necessário despojar-me.
O tempo de vida do iniciado dá-lhe uma nova oportunidade de vencer o vício e as paixões abrindo o caminho da luz e da verdade, libertando o espírito dos grilhões impostos pela razão, como nos transmitiu Paracelso, para quem o conhecimento visionário se substituirá à compreensão literal dos textos. Este é o tempo para buscar o conhecimento primordial e fundamental, que diz respeito à natureza divina da própria essência do ser, em que a alma surge como centelha de luz divina. Branco.
A informação incorrecta remete para o temor, em que a centelha de luz está sujeita à influência de forças exteriores e obscuras, no exílio da matéria. Cativos no cárcere imperfeito que é o corpo, somos iludidos pelos sentidos exteriores. A ilusão, esta Maya que nos confunde e faz acreditar no mundo material.
Estamos pois nesta terra, esta Gaya onde os densos véus de Maya nos impedem de receber o influxo espiritual do Sol. Preto.
Este dualismo, presente em Zoroastro e Platão, cava um abismo entre interior e exterior, sujeito e objecto, espírito e matéria. Dois caminhos paralelos.
O chão de mosaico de ladrilhos pretos e brancos remete para a natureza bipolar da existência terrena. A quimera da luz e das trevas, forma e matéria. Conduz ao santo dos santos que contém o fogo espiritual eterno que nenhum mortal pode ver.
Resta-nos a alquimia. Corpo hermético que nos possibilita a nossa própria transmutação.
Transmutação dos metais. Alegoria da transmutação da nossa própria alma.
Este é o nosso trabalho enquanto alquimistas.
A nossa verdadeira obra alquímica. A arte real.Três são as substâncias que dão a cada coisa o seu corpus, dizia Paracelso. O que arde é enxofre, o que deita fumo é mercúrio, o que se transforma em cinzas é o sal. O sal é o sedimento físico, o cadáver.
O par alquímico enxofre e mercúrio, Sol e Lua, Masculino e Feminino, unem-se apenas pela acção do fogo salino.
O enxofre e o sal são duas forças em perpétua oposição. Enquanto o enxofre simboliza tudo o que nos induz movimento, mudança, criação e expansão, o sal remete para tudo o que na nossa vida constitui estabilidade, resistência e inércia. Um precisa do outro, pois são dois pólos da Energia Universal. O equilíbrio entre estas duas tendências produz o mercúrio vital, princípio da inteligência e da sabedoria, caminho para as virtudes.
Morrer e renascer. Branco e Preto.
Chegaremos ao ternário, harmonizando os opostos, refletiremos no mundo a unidade inicial.
Encontraremos os três pontos. Força, Beleza e Sabedoria. Fé, Esperança e Caridade. Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Osíris, Íris e Horus. Brahma, Vishnu e Shiva. Enxofre, Sal e Mercúrio. Pai, Mãe e Filho.
Chegaremos ao triângulo, símbolo de Perfeição, Harmonia e Sabedoria.
A morte como transcendência da vida humana não é algo evidente. Cremos que a morte é deixar de viver, no entanto se a alma supera a morte, então a morte é o meio para alcançar una nova vida.
Morrer é voltar a viver.
Isto é defendido por muitas doutrinas que acreditam que os homens constam de um corpo corruptível e de uma alma imortal.
A alma humana é um princípio imaterial que anima o corpo. Esta imaterialidade é o que assegura à alma a sua imortalidade, não podendo morrer porque é uma centelha divina, uma participação do seu criador, o G.´.A.´.D.´.U.´.Como nos transmitiu William Shakespeare, nós somos feitos da mesma matéria que os sonhos.
Refletir sobre a morte obriga-nos a refletir sobre a vida.
A câmara de reflexões, isolando-nos do mundo, propícia a introspecção profunda, o conhece-te a ti mesmo, na busca da pedra filosofal.
Sepulcro e ovo; a câmara permite-nos pensar a morte não como um fim, mas como um começo.
Superamos a prova da terra, qual grão de trigo que atirado à terra teve de germinar, abrindo o caminho para a luz. Afinal descemos ao interior da terra, penetrámos para lá das aparências e retificando a nossa forma de ver, pensar e agir encontraremos a pedra filosofal, essencial na nossa própria transmutação.
Encontrámos o pão. O grão de trigo fez o seu caminho. Também nós temos de fazer o nosso caminho. Desbastar a pedra bruta. Só a pedra cúbica poderá ser utilizada na construção do templo.
Depois, morrerá o “eu inferior”, sendo integrado e alinhado no “Eu Superior”, queimando de vez o Karma, que se tornará Dharma. Chegará o momento de sair da roda de Samsara, pois terminará o ciclo das reencarnações, em que a jangada após atravessar o rio, permite ao passageiro alcançar o Nirvana.
A morte representa o desconhecido. Por isso, é fonte natural de receios e angústias.
No entanto, é vulgar encontrarmos entre os profanos a aceitação da morte pela sua inevitabilidade e apenas tementes da dor que acompanha a corrupção do corpo, imposta pelo avançar do tempo ou pelo malho, que nos tomba através da doença ou de acidente.
Quando compreendermos a morte estaremos a compreender a vida.
A morte é muitas vezes a única solução que resta numa vida sem sentido, possibilidade de recomeço quando o rio da vida não pode mais seguir o seu caminho e até o livre arbítrio deixa de poder ser exercido. Encontramos neste caso suicidas, mas também pessoas insuspeitas que desenvolvem todo o tipo de doenças psicossomáticas, forma discreta da alma se livrar do corpo.
Outros casos existem que exigem reflexão mais profunda e que não poderemos explorar. Ficam para outra oportunidade.
A Acácia florescerá onde for plantada.
A morte foi objeto de muitas manipulações ao longo dos séculos. A forma como enfrentamos a morte influencia decisivamente a forma como vivemos.
O medo da morte pode paralisar a vida. Por isso, tantas e tantas vezes no passado, o medo da morte foi usado para controlar os impulsos dos injustiçados. Superar esse temor liberta-nos.
Atingimos um poder imenso. Aproximamo-nos da liberdade.
Aqui chegados, importa clarificar que não dizemos “que viva a morte” como o personagem funesto da guerra civil espanhola, mas sim não temeis a morte! Pois, a nossa verdadeira essência é imortal.
A ampulheta marca a brevidade do nosso tempo de vida até que a gadanha ceife o fio que nos liga ao veículo que nos transporta nesta passagem e nos lance na eternidade. Assim, importante é a maneira como empregamos este tempo que nos é concedido. Imenso privilégio poder partir nessa viagem estando em completa paz interior.
No momento de passar ao Oriente Eterno, deixamos, então, o nosso corpo, iniciando a viagem em direção à luz, penetrando o túnel inundado de luz e escutando a música das esferas no regresso a casa.
Até renascermos e voltarmos a ver-nos numa cadeia de união.
Bibliografia:
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* Palou, Jean, A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática, Editora Pensamento, São Paulo
* Wilmshurst, Walter Leslie, Maçonaria – Raízes e Segredos da sua História, Tradução Portuguêsa, Prefácio, Lisboa, 2002Compilado e enviado por J.Paulo
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