sábado, 2 de julho de 2016


A ÚNICA DÁDIVA

 

Conta-se que Simão Pedro estava cansado, depois de vinte dias junto do povo.

Banhara feridentos, alimentara mulheres e crianças esquálidas, e, em vez de receber a aprovação do povo, recolhia insultos velados, aqui e ali...

Após três semanas consecutivas de luta, fatigara-se e preferira isolar-se entre alcaparreiras amigas.

Por isso mesmo, no crepúsculo anilado, estava ele só, diante das águas a refletir...

Aproxima-se alguém, contudo...

Por mais busque esconder-se, sente-se procurado.

É o próprio Cristo.

- Que fazes Pedro? – diz-lhe o Senhor.

- Penso Mestre.

E o diálogo prolongou-se.

- Estás triste?

- Muito triste.

- Por quê?

- Chamam-me ladrão.

- Mas se a consciência te não acusa, que tem isso?

-Sinto-me desditoso. Em nome do amor que me ensinas, alivio os enfermos e ajudo aos necessitados. Entretanto, injuriam-me. Dizem por aí que furto, que exploro a confiança do povo...

Ainda ontem, distribuía os velhos mantos que nos foram cedidos pela casa de Carpo, entre os doentes chegados de Jope... Alegou alguém, inconsideradamente, que surrupiei a maior parte...

Estou exausto Mestre. Vinte dias de multidão pesam muito mais que vinte anos de serviços na barca...

- Pedro, que deste aos necessitados nestes últimos vinte dias?

- Moedas, túnicas, mantos, ungüentos, trigo, peixe...

- De onde chegaram as moedas?

- Das mãos de Joana, a mulher de Cusa.

- As túnicas?

- Da casa de Zobalan, o curtidor.

- Os mantos?

- Da residência de Carpo, o romano que decidiu amparar-nos.

- Os ungüentos?

- Do lar de Zebedeu, que os fabrica.

- O trigo?

- Da seara de Zaqueu, que se lembra de nós...

- E os peixes?

- Da nossa pesca.

- Então Pedro?

- Que devo entender Senhor?

- Que apenas entregamos aquilo que nos foi ofertado para distribuirmos em favor dos que necessitam. A Divina Bondade conjuga as circunstancias e confia-nos de um modo ou de outro os elementos que devamos movimentar nas obras do bem... Disseste servir em nome do amor...

- Sim Mestre...

- Recorda então, que o amor não relaciona calúnias, nem conta sarcasmos.

O discípulo entremostrando súbita renovação mental não respondeu.

Jesus abraçou-o e disse apenas:

- Pedro, todos os bens da vida podem ser transmitidos de sítio a sitio e de mão em mão...

Ninguém pode dar em essência esse ou aquele patrimônio do mundo senão o próprio Criador, que nos empresta os recursos por Ele gerados na Criação... E se algo, podemos dar de nos, o amor é a única dádiva que podemos fazer, sofrendo e renunciando por amor...

O apostolo compreendeu e beijou as mãos que o tocavam de leve.

Em seguida puseram-se ambos a falar alegremente sobre as tarefas esperadas para o dia seguinte.

 

Do livro “CONTOS DESTA E DOUTRA VIDA”, do IRMÃO X.

 

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