terça-feira, 5 de abril de 2016


O Maçom e a Dúvida
 
Charles Evaldo Boller
 
Na Maçonaria buscam-se novos horizontes no plano do pensamento. Existem conhecimentos que escapam ao campo da experiência em virtude da limitação sensorial e analítica inerente ao homem ego:  aquele que bloqueia qualquer atitude verdadeira e autêntica em si, tornando-se seu próprio inimigo. São noções que exigem círculos de juízos muito acima dos limites individuais e da linguagem humana. Ideias que ultrapassam o mundo  sensível,  onde  a  experiência  não  serve  de guia.
 
São quatro as escolas que permeiam as discussões dos maçons:
a Autêntica ou Histórica; Antropológica ou Primitiva; Mística ou Teológica; e Oculta ou Esotérica. As investigações, destas diferentes escolas, partem com os pensamentos de base inicialmente teológicas e mágicas, depois metafísicas e místicas, podendo alcançar o nível da compreensão científica. Devido a estes diferentes níveis de estudo progressivos, a Maçonaria ressalta a importância do respeito ao pensamento do outro, enquanto a ideia passa pelas diversas fases em direção a consolidação: é quando o pensamento deixa de ser filosófico e passa a ser ciência. E é apenas nestas situações que o maçom exercita a tolerância: somente para com o pensamento do outro. Mau comportamento e atitudes grosseiras nunca devem ser aceitas porque conspurcam o ambiente puro desejado para os estudos da nobre arte do pensamento, cujo alicerce é a dúvida.
 
O ponto forte da fraternidade maçônica é o respeito ao pensamento do outro.
 
Na área da  especulação, fatalmente os  intelectuais  enveredam
no Eruditismo, o que complica a absorção de conhecimentos mais sutis.  Outros mais tímidos  têm  medo  de  exporem  seus  pensamentos. Existem aqueles que conhecem, mas não compartilham seus conhecimentos. Porém, seguindo a metodologia maçônica, o entendimento de conhecimentos acima dos limites normais de entendimento é aprendido com facilidade quando o grupo e suas dinâmicas agem sobre a pessoa, razão da necessidade de reuniões regulares em loja: os participantes se soltam e lentamente o conhecimento de todos aumenta.
 
Mesmo na complexidade dos temas, não existe na Maçonaria a
figura do professor, seja na pessoa do venerável, do orador, dos vigilantes  ou  qualquer  outro  maçom:  todos  são  mestres  e  aprendizes.  O conhecimento suprassensorial, das vivências do homem e seu despertar pela vontade em atividades e experiências da liberdade, é transmitido de pessoa a pessoa na forma de blocos de informação que emanam da interação do grupo e não da imposição de algum líder.
 
O maçom duvida até o momento em que passa a sentir e entender fenômenos sublimes com o auxílio de sua própria capacidade intelectual e sensorial, ou na eminência de comprovação científica de suas ideias.
 
O  processo  evolutivo  do  pensamento  atravessa  distintas  fases de tratamento mental: parte-se da observação concreta e abstrata, envereda-se pela meditação e análise indutiva e dedutiva para, finalmente, florescer na linguagem e nos processos mentais racionais. Este é o caminho  por  onde  passam  todas  as  análises  dos  fenômenos  invisíveis que, pelo fato de não serem acessíveis aos padrões normais, são sempre retomados e criticados: florescem da dúvida.
 
Informações e conceitos como Grande Arquiteto do Universo,
liberdade,  imortalidade,  e  outros,  apenas  são  acessíveis  e  estudados pela Metafísica e Mística depois de passarem pelos processos naturais de desenvolvimento. No plano espiritual os pensamentos são impossíveis de se definirem ou de se estabelecerem em resultados desejáveis a priori. Daí todos os processos de busca das verdades sutis serem apenas  especulações  filosóficas  incertas.  E  estas,  considerando  a  ilusão sensorial a que o homem  é  submetido  pela  própria Natureza, devem sempre serem reavaliadas, desacreditadas, reconsideradas. O Ceticismo é a atitude usual do maçom porque, apesar de perscrutar em direção à verdade,  sabe  que  está  sendo  enganado  permanentemente  pelos  seus sensores primários, daí expandir também esta disposição aos sensores  sutis, aqueles que tem a faculdade de penetrarem na alma, na essência do ser.
 
Em  Maçonaria,  o  conhecimento  transcendental  passa  inicialmente pelo estabelecimento de lendas e ficções que servem apenas de esboço aos pensamentos iniciais. Estes depois são filtrados em outros níveis.  Podem  chegar  a  verdades  demonstráveis  por  leis  naturais:  as ideias apenas são lançadas dentro da mente dos ouvintes que, de sua livre iniciativa, usa como guarda de trânsito o livre-arbítrio, as adaptam e modificam ao nível de sua própria evolução. Daí se afirmar que não  existe  a  figura  do  educador,  existe  apenas  autoeducação,  o  que elimina a figura do professor, do mestre. A maioria das revelações, em níveis sensoriais sutis ocorre em grupo e é resultado de pura intuição individual. Pode ser percebida, mas não verbalizada, racionalizada. O acesso ao divino se dá apenas no silêncio.
 
Alguns maçons penetram logo naquilo que a Maçonaria provoca nestes aspectos, outros só alcançam a Luz, ou Aufklärung de Kant, depois de longa e penosa caminhada. Outros, mais arraigados ao seu conservadorismo, ego e vícios, jamais a veem. A divindade não pode ser pensada, falada, refletida, apenas percebida na meditação contemplativa, receptiva afastada de exercícios do intelecto.
 
Independente  do  fato  de  perceberem  verdades  mais  sutis  ou não, o que interessa aos maçons em suas oficinas é reunirem-se para debaterem assuntos que possibilitem a evolução individual, cujo caminho passa pela dúvida. Maçom desperto é homem inquieto e desejoso em decifrar os mistérios que estão velados nos rituais e na Natureza. Uma vez percebida uma particularidade ao seu redor, o maçom duvida. Não em sentido negativo, mas atento, de modo a reavaliar os mistérios debaixo da luz contemporânea da ciência e evolução tecnológica. É da dúvida que nascem novos e inusitados pensamentos que tem a pretensão de mudar o homem, e com isso a sociedade e o mundo. É a busca do homem cósmico, integrado ao Universo, com o qual se unifica. É por isso que podem denominar o maçom iluminado como aquele que se considera "filho da heresia": aquele que busca na dúvida reavaliar conceitos já estabelecidos para fugir da estagnação e do conservadorismo.
 
O maçom e a dúvida são companheiros inseparáveis na caminhada pelo Universo que se originou num ponto dentro de um círculo.
Aquele ponto, o ovo cósmico que deu à luz a realidade que o homem é levado a acreditar, por meios fantásticos. Consciência de que o homem e toda a materialidade é nada! Tudo é espaço vazio! Inclusive o próprio homem. Tomado em termos atômicos toda a realidade é apenas uma  ilusão  dos  sentidos  que  o  Grande  Arquiteto  do  Universo  criou num ato de amor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário