sexta-feira, 22 de abril de 2016



Exerço o livre pensamento e a busca constante da Verdade, pois não tenho compromisso com o erro.
 

 
POLÍTICA E RELIGIÃO NA MAÇONARIA DO SÉCULO XXI
                                                                                                                                                        José Maurício Guimarães
 
Não paramos para pensar, questionar ou refletir sobre a tradicional proibição de se discutirem assuntos sobre religião e política nas Lojas maçônicas. A razão é muito simples: a moderna Maçonaria (1717) foi estruturada pelos súditos da Coroa Inglesa, uma estrutura monárquica atrelada à Igreja Anglicana.
Explicando: A Igreja da Inglaterra separou-se da Igreja Católica Romana em 1534 por iniciativa do rei Henrique VIII e por causa de um desentendimento dele com o papa Clemente VII que lhe negava o pedido de anulação do seu casamento com Catarina de Aragão. O desejo do rei por Ana Bolena e a ideia de que, variando o leito conjugal pudesse gerar filhos varões, motivou a cisão da Inglaterra com Roma e o confisco de todas as propriedades que a Igreja Católica possuía na Inglaterra. E o Anglicanismo, nascido da concupiscência real, impera até hoje, como Igreja e religião oficial dos ingleses.
Foi esse o cenário onde viviam os maçons de 1717, em Londres, ao estruturarem a Maçonaria da Grande Loja da Inglaterra quando reinava George I da Grã-Bretanha (também rei da França e da Irlanda, Arquitesoureiro e Príncipe-Eleitor do Sacro Império Romano-Germânico, idem Duque de Brunsvique-Luneburgo) e expoente máximo da Igreja Anglicana.
Consequentemente, James Anderson (escocês, ministro da Igreja da Escócia e pastor presbiteriano em Londres), juntamente com Jean Théophile Désaguliers (francês e pastor anglicano) cuidaram de redigir os cânones da moderna Maçonaria como "negócio de Estado" submisso à linhagem religiosa oficial. O texto completo das Constituições de Anderson (das quais só se divulga um resumo para ser entregue aos neófitos) tem, como abertura, 48 páginas onde se descreve a história Bíblica (desde Adão) e dos reis ingleses (desde Guilherme I até John de Montague) estabelecendo assim o caráter monárquico da nova Maçonaria e a escolha de uma vertente religiosa: a Bíblia judaico-cristã.
Assim sendo, falar sobre religião nas novas Lojas era visto como ameaça à Igreja Anglicana; discutir sobre política, um malefício contra a monarquia e atentado à segurança da descendência real. Os bispos ingleses e a nobreza bateram seus carimbos sobre a nascente sociedade de "homens livres" para que assim permanecesse tudo em paz no país das maravilhas, naquela que é a melhor das ilhas deste que é o melhor dos mundos possíveis. A Commonwealth of Nations, além de seu caráter imperialista, colonialista e escravagista, prosseguiu sua caminhada explorando, sob a égide da religião oficial e dos "homens livres", o Zimbabwe, Granada, Gâmbia, Fiji, Egito, Costa do Ouro, Córsega, Chipre, Ceilão, Canadá, Camarões, Bornéu, Birmânia, Belize, Barbados, Bahamas, Austrália, Antígua e Barbuda, Guiana, Hong Kong‎, Ilhas Gilbert e Ellice, Ilhas Salomão e Tuvalu, Índia, Jamaica, Malásia, Nigéria, Nova Guiné, Nova Zelândia, Papua, Quênia, Rodésia, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Singapura, Territórios Árticos, Trindade e Tobago, etc., etc., etc.
Desse modo e por herança histórica alheia à nossa cultura, carregamos sobre os ombros, até hoje, passados trezentos anos daquelas proibições imperialistas, o incômodo fardo de nos silenciarmos sobre os dois maiores pilares da civilização e do pensamento humano: a Política e a Religião.
Percebam que, no parágrafo anterior, escrevi Política e Religião com iniciais maiúsculas, não me refiro à política nanica (politicagem) nem às igrejas cujo caráter é sectário. Política com "P" maiúsculo vem do grego "politiké" e "politeía" relativos à "pólis", ou cidade-estado, isto é: a arte ou a ciência do governo, o estudo dos comportamentos intersubjetivos, a doutrina do Direito e da moral e a teoria do Estado, conforme exposto na Ética de Aristóteles. A Religião (ou melhor: Religiosidade), com "R" maiúsculo, vem do latim "religio", conjunto de crenças na garantia supernatural  de salvação ou transformação humana.
Por outro lado, a política e a religião, com "p" e "r" minúsculos, quando aplicadas à metodologia do estudo maçônico, dizem respeito aos fuxicos e arengas dos parlamentos e igrejas, ao conluio entre Oficiais da Ordem e politiqueiros, assim como aos ajustes maléficos das Lojas com facções clericais e mexericos da política partidária.
A Política, em sua expressão mais nobre e filosófica, é fundamental à atividade da Maçonaria. Foi o pensamento Político dentro das Lojas que possibilitou o surgimento de propostas para o aperfeiçoamento das instituições democráticas, republicanas, legislativas, judiciárias, e mesmo àquelas revolucionárias. Cito como exemplos a Maçonaria norte-americana e a Independência dos Estados Unidos liderada por maçons, notadamente George Washington; a Maçonaria francesa sob cuja égide se desenvolveram os ideais republicanos na Europa e no resto do mundo. A partir de l786, no Brasil, os "rebeldes" da Inconfidência Mineira eram maçons. Apesar da execução de Tiradentes em 21 de abril de l792, o projeto de libertação cresceu dentro das Lojas. Em 17 de junho de l822, no Rio de Janeiro, os obreiros da Loja Comércio e Artes criaram o Grande Oriente. Com forte poder Político, o movimento maçônico conspirou para a Independência, movimento esse fortalecido pela presença de D. Pedro I, eleito Grão-Mestre. A abolição da escravatura, a imprensa livre no Brasil, a Proclamação da República e tantos outros movimentos, tiveram suas origens nas DISCUSSÕES POLÍTICAS dentro das Loja maçônicas.
Na mesma esteira, as verificações, investigações e exames de temas levados ao debate sobre questões psicológicas e de Religiosidade concernentes à formação cultural do povo e para seu benefício tiveram origem nas Lojas da Europa e dos Estados Unidos. A defesa do Estado laico (conquista da Maçonaria) partiu da boa polêmica sobre a intervenção ou não das igrejas (religiões institucionalizadas) na condução dos negócios do Estado.
A palavra DISCUSSÃO, do latim 'discussio,onis', tanto pode significar perturbação, abalo, agitação, desentendimento, briga e altercação como, por outro lado, o exame, a investigação e verificação de assuntos postos em debate. A busca constante da verdade está na boa polêmica onde cada participante defende pontos de vista opostos.
Não precisamos temer essas discussões, pois a qualidade, a boa educação e formação intelectual dos membros das Lojas, assim como a  competência de suas diretorias é que farão a diferença entre balbúrdia e estudo. Se ainda não alcançamos essas boas condições... é outra questão, e vale a pena questionarmos o que estamos fazendo aqui. Somos uma Ordem Iniciática ou um clube de amigos? Onde estão os líderes que apregoamos serem formados entre colunas?, eis a questão.
Portanto, proibir a abordagem de temas Políticos ou de Religiosidade nas Lojas é castrar a Maçonaria de sua missão prístina: a busca da verdade e o exercício do processo civilizatório da sociedade.
Não paramos para pensar, questionar ou refletir, ainda mais, sobre um outro aspecto: a tal proibição sobre Política e Religião só aparece entre os monarquistas Ingleses. Nos Landmarks, compilados por Albert Mackey (1807-1881), não existe nenhuma objeção a tais assuntos. Claro, Albert Galatin Mackey era norte-americano, republicano de Charleston, Carolina do Sul, e não devia favores à Grande Loja Inglesa. Acompanhou o sistema de Grandes Lojas estaduais independentes e confederadas conforme proposto por George Washington. Daí a liberalidade dos Landmarks que compilou. Se a questão Religiosa ou Política fosse impeditiva, Mackey teria cuidado de elencá-la nos Landmarks; no entanto ele apenas fez uma alusão, no Landmark XXI, ao dizer: "É indispensável a existência, no Altar, de um Livro da Lei, o livro que, conforme a crença, se supõe conter a Verdade revelada pelo Grande Arquiteto do Universo. Não cuidando a Maçonaria de intervir nas peculiaridades de fé religiosa dos seus membros, esses livros podem variar de acordo com os credos. Exige, por isso, este Landmark que um Livro da Lei seja parte indispensável dos utensílios de uma Loja". O texto é claro: a Maçonaria não toma parte nas peculiaridades religiosas dos seus membros; mas também não proíbe esses assuntos.
Não podemos permanecer submetidos apenas às iniciativas de consenso público, aplaudindo e dizendo amém. Isso seria perpetuar uniformidades de opinião ou crenças de uma minoria que pretende controlar a Ordem. Precisamos, com urgência, apresentar PROPOSTAS (ou projetos, como queiram) para a saída dos impasses social, político e econômico no qual o Brasil está mergulhado.
PERGUNTO: temos propostas para uma reforma eleitoral no Brasil? temos propostas para a reforma fiscal ou tributária? temos propostas para a reformas judiciária, partidária, ou de segurança pública? temos propostas para uma reforma educacional, que é a mais urgente de todas?
Não, não temos.
As Lojas, confinadas num modelo velho de três séculos, desperdiçam sessões e seu precioso tempo na escolha do refrigerante e dos salgadinhos para as festinhas do fim de ano. Aliás, é exatamente isso que alguns de nossos dirigentes querem: que as Lojas continuem simplesmente a bater malhetes, inconscientes do drama e das angústias pessoais, ignorantes a respeito de nossa missão individual, a tal ponto de tentarem nos transformar em autômatos sem a consciência de sabermos o porquê e a finalidade de estarmos juntos, conforme já assinalou eminente escritor maçônico transcrito por mim em diversas ocasiões.
O Brasil é hoje um país dividido pela intolerância, pela má formação educacional, pela péssima distribuição de renda e pelos sofismas partidários. A Maçonaria brasileira, cuja missão consiste em combater a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros, glorificar o Direito, a Justiça e a Verdade promovendo o bem estar da Pátria e da humanidade, também encontra-se dividida por questões alheias aos interesses do povo maçônico, e vocês sabem do que estou falando.
Muitos parecem ansiar por uma "posição oficial" da Maçonaria sobre o atual momento político. A rigor, nenhum de nós, maçons individualmente, pode se arvorar nesse terreno, uma vez que só os Grão-Mestres, após ouvirem "o povo maçônico" em suas respectivas Potências, podem emitir a "palavra oficial" sobre este ou aquele aspecto. Ou seja: os Grão-Mestres falam pela maçonaria praticada em suas jurisdições, após uma consulta às bases, depois de os Obreiros, através de suas respectivas Lojas, terem se manifestado sobre o assunto submetido à avaliações plenárias.
Por que ainda não criamos fóruns, seminários e mesas-redondas setoriais e gerais para auscultarmos nossos membros e levantarmos projetos e propostas de governo? Haveria, por acaso, o receio de que tais assembleias e debates acabassem apontando novas propostas para a modificação política também no âmbito da Maçonaria?
As escolas maçônicas, as Lojas de pesquisas, as academias e círculos de estudos, de onde deveriam brotar novas diretrizes condizentes com nossa realidade, são colocados em plano secundário dentro do protagonismo maçônico, quando não sabotados em suas atividades.
Infelizmente, o que vemos em alguns segmentos da Ordem (felizmente poucos, mas significativos) é uma pregação aberta pela democracia, sendo que, da porta para dentro, prevalecem regimes nitidamente autoritários.
Talvez eu não esteja dizendo nada de novo. Mas, com certeza, estou expressando o anseio de milhares de maçons imobilizados pela inércia geral.
Por onde começar?
Pelo estudo detalhado das Instruções do três Graus Simbólicos e pela identificação minuciosa das claras posições e ensinamentos sobre a Política e a Religiosidade no pensamento maçônico. Tais posições tornam-se ainda mais exigentes, contundentes e específicas, nos Graus além do Mestre Maçom; mais exigentes e contundentes nos dias de hoje, para que possamos sair às ruas e desfilarmos nossos paramentos com CONHECIMENTO DE CAUSA.

Enviado pelo valoroso irmão Devaldo de Souza

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