O filósofo em meditação - Rembrandt |
INÁCIO DE LOIOLA
Inácio de Loiola tirou de sob o hábito algumas cartas manuscritas, pôs-se em pé e começou:
“Irmãos! Bem sabeis qual a razão que me obrigou a abandonar o capítulo do Templo.
Meu primo, Antônio Manriquez, duque de Najare e grande de Espanha, tinha-me chamado para ir servir sob a sua bandeira. Os meus sete irmãos já me tinham precedido na carreira das armas, e eu, tinha completado os meus vinte anos, considerar-me-ia vil e desonrado se hesitasse um momento; por isso, corri a alistar-me no número dos defensores de Pamplona.
“Segundo as condições do tratado de Noyon, aquela fortaleza devia ser restituída à França; mas o nosso glorioso rei Carlos V, por ofensas que tinha recebido do rei de França, resolveu puni-lo conservando aquela praça. Foi-me confiado o comando da praça, quando em 1521 André de Foix a atacou à frente das tropas francesas.”
“Tomada a cidade pelas forças superiores dos inimigos, fechei-me na cidadela da fortaleza, decidido a resistir até ao fim, e assim o fiz; mas quando de espada em punho defendia a brecha, fui ferido por uma pedrada numa perna. Caí sem sentidos, e quando os recuperei a fortaleza e eu tínhamos caído em poder dos franceses. “Fui tratado com singular cortesia por aqueles guerreiros, acostumados a apreciar a valentia dos inimigos. Curei-me, e por ordem do senhor de Foix fui transportado para o meu palácio paterno, na Biscaia. Ali tive de permanecer longo tempo, porque o meu ferimento tinha sido tão mal curado, que foi necessário tornarem-me a desmanchar a perna para a arranjar de novo.
“Perdoai-me, meus irmãos, se vos roubo o tempo, falando-vos destes miseráveis tormentos que sofri, mas preciso dizer-vos tudo para vos poder explicar a maneira miraculosa por que se efetuou a mudança da minha alma.
“Eu tinha, como vós bem sabeis, todos os predicados para ser um cavaleiro belo e elegante.
Imaginai por isso como eu ficaria quando soube que aquele ferimento me condenava a ficar coxo para toda a vida!. . . Adeus esplendor do vestuário, pompas daí pedrarias, amor das damas!. . . Adeus, volteios rápidos da dança e todas as alegrias que o prestígio da beleza proporciona aos homens !. ..
“Podeis crer, meus irmãos, que nenhum suplício humano se poderia equiparar ao que eu sofri quando me falaram daquela desgraça, que agora considero como uma bênção do céu. . .”
“Pareceu-me que a causa do mal era um osso da perna que se me tinha deslocado, e por isso quis que mo tirassem, e apesar das dores atrozes que isso me causou, consenti que os médicos mo serrassem. Pois vendo que apesar de tudo uma perna me ficara mais curta do que a outra, submeti-me a outro tormento ainda mais horrível: apliquei à perna mais curta um aparelho que a cada instante lhe imprimia um esticamento, que me causava dores atrozes. Os ossos estalavam, as dores faziam-me emperlar um suor frio à raiz dos cabelos, mas tudo foi inútil: — fiquei coxo.”
“Durante a minha doença, quis o Senhor que me viesse o desejo de ler, e pedi que me trouxessem romances de cavalaria. A Providência determinou que em vez desses livros me viessem às mãos a “Vida de Jesus Cristo” e “Fios Sanctorum”. Li-os, ao princípio com repugnância, depois com prazer e afinal com entusiasmo. Quando a minha perna estava curada, bem outro era também o estado do meu espírito: eu já não era um galanteador vaidoso, um soldado sanguinário. — Era um cristão”.
Aquela narrativa, que hoje em dia enfastiaria soberanamente qualquer auditório, por menos ilustrado que fosse, era, pelo contrário, escutada por aquela assembléia com uma atenção sincera e quase febril.
Com efeito, naquele tempo ninguém olhava com indiferença as coisas da religião. O grande movimento, que se produzira na Alemanha, suprimira os indiferentes e dividira-os todos em duas classes bem distintas: uma, que era constituída pelos que respeitavam e obedeciam à Igreja romana, confessando-se seus campeões; outra, que era formada pelos que se apresentavam para abalar as bases do edifício do pontificado, fazendo ruir com ele todas as velhas instituições que tinham o apoio e consagração da Igreja.
Ser indiferente naqueles tempos aos assuntos religiosos seria tão impossível como nos ditosos dias de 1848 conservar-se estranho aos movimentos políticos. Era preciso tomar-se parte naqueles ou nestes; ser por Lutero ou por Clemente, pela autoridade eclesiástica, ou pela liberdade do pensamento.
De uma e outra parte, a fé estava de tal modo sobre-excitada, que nenhuma força humana poderia impedir que as discussões fossem tempestuosas, violentas e irreprimíveis. Como acontecera nos primeiros tempos do Cristianismo, o apostolado fazia-se à custa do martírio.
Paris, Madrid, Roma, queimavam os protestantes; Londres e Genebra perseguiam e destruíam os católicos.
E por isso aquela narrativa ascética de Loiola correspondia tão exatamente às preocupações da ocasião, às agonias daquelas mudanças constantes, que todos seguiam a manifestação daquele sentimento religioso com o mesmo interesse que hoje despertaria o mais comovente drama de ambições ou de amor.
— Continua!. . . continua!. . . — gritaram de todos os lados. Inácio de Loiola sentia que todos os olhares o fitavam com viva atenção; e a única paixão que o dominava — a de se impor aos outros, quer fosse pela admiração quer pelo medo, — achava-se assim completamente satisfeita nele.
Aquele convertido não tinha mudado nada quanto ao fundo do coração. Era sempre o arcanjo fulminado, que levantava orgulhosamente a fronte para o céu, vencido mas não abatido pelo raio de Deus: a sua ambição, assim tão duramente desviada dos esplendores mundanos, tinha mudado de direção, mas nem por isso tinha diminuído.
— “Quando eu senti que a graça divina despertava em mim os sentimentos adormecidos, — prosseguiu com voz mais segura o peregrino — voltei-me para a Virgem, e diante do altar dela fiz voto de castidade. Depois resolvi fazer a vigília de armas, que tem de fazer todo o cavaleiro, antes que possa cingir o sagrado cinto da ordem.”
“Uma noite inteira passei diante do altar, orando, chorando, consagrando-me todo à milícia de Cristo. No dia seguinte pendurei a minha espada num pilar da igreja, dei a um pobre os meus trajes de cavaleiro, cingi o corpo com uma corda, vesti-me de burel, e dirigi-me a pé para Manresa.”
“Que mais vos direi, meus irmãos ? Amparado por uma fé sobre-humana, castiguei o corpo com mil penas e tormentos; infligi-me as mais cruéis privações, sem que nada pudesse alterar a minha saúde de ferro. Cingi os rins de cilícios; dormi na terra fria, mendiguei de porta em porta, e julgava-me feliz quando recebia mau tratos ou injúrias, que vinham aumentar o valor da minha expiação.
“Finalmente, a seiscentos passos de Manresa encontrei uma gruta oculta a todos os olhares.
Foi essa que eu escolhi para minha habitação; aí recebi os tormentos e as privações como um favor do céu; aí experimentei as doçuras do êxtase divino e o langor da morte aparente.
Enfim, meus irmãos, foi aí que...
Neste ponto Inácio fez uma pausa, como quem se assustava que ia dizer.
— Fala, fala! — gritaram de todos os lados.
“Pois bem — prosseguiu o peregrino, fazendo um grande forço, — foi aí que me apareceram os anjos do Senhor e que ensinaram a maneira de guiar os homens e de os conduzir à fé obediência, ao caminho do céu. Os preceitos que eles me ensinaram, meus irmãos, escrevi-os, e tenho-os aqui, — e Loiola mostrou folhas que tinha ao lado. — Com estes “Exercícios espirituais”, escrevi enquanto os anjos mos ditavam, encontrei o modo de reduzir à submissão as almas mais rebeldes, e de fazer com que elas sejam nas mãos do seu diretor espiritual como um cadáver nas mãos do cirurgião.
Estas palavras resumiam em si a terrível doutrina da Companhia de Jesus, que Inácio de Loiola devia fundar. “Perinde ac cadaver” — como um cadáver — tal é a forma de obediência imposta aos jesuítas.
A atenção geral, que despertara a narrativa de Loiola, fizera com que todos se calassem; contudo, Francisco de Burlamacchi, que havia já um pedaço se agitava com impaciência, levantou-se para interromper a piedosa narrativa de Inácio.
— Irmão, — disse ele — essas tuas visões serão talvez enviadas das pelo céu, tanto mais que muitas vezes tem permitido que anjos do inferno venham tentar os homens, especialmente os que mais presumem da própria santidade; mas eu só te peço que me diga que conclusões te inspirou essa tua devota solidão, com a qual há tanto tempo estás entretendo a ordem dos Templários.
A palavra audaz e franca do jovem italiano parece que quebrou o encanto que fazia com que todos os presentes estivessem suspensos dos lábios de Loiola. Muitos dos que assistiam à reunião repetiram as palavras de Burlamacchi, observando que a ordem do Templo não fora convocada com tanta solenidade para ouvir os devaneios de um visionário.
Inácio dirigiu a Burlamacchi um olhar carregado de indignação. Aquele homem, que dizia ter-se despojado, mediante o ascetismo, de todas as fraquezas humanas, conservava ainda duas paixões invencíveis, e que não são decerto o apanágio das almas fortes — a vaidade e o espírito de vingança.
— Depressa chego à conclusão, irmãos — disse Loiola, depois de um curto silêncio.
— Sim; eu vim aqui com um propósito formado; é verdade que também eu desejo a transformação da nossa ordem, mas num sentido muito diverso do que propõe o nosso querido irmão Beaumanoir!. . . Também eu, meus irmãos, tenho notado o tumulto de idéias e o espírito de rebelião, que agitam a Europa, e especialmente a Alemanha e a Itália, e vim aqui precisamente para vos dizer: Este espírito de rebelião devemos nós abatê-lo, em vez de o favorecer! A ordem dos Templários — exclamou Loiola — deve transformar-se, não na associação dos Pedreiros Livres, mas na Companhia de Jesus!. . .
Estas palavras produziram um tumulto espantoso. A maior parte dos cavaleiros, indignados com aquela proposta, vociferavam contra Inácio, levando a mão ao punho das espadas; outros, pelo contrário, e esses em menor número e quase todos espanhóis, sustentavam que se devia escutar o orador e discutir as suas propostas, porque nada continham por que assim devessem ser repelidas brutalmente.
Parecia próximo o momento em que as duas facções viriam às mãos; mas naquele ponto ressoou sobranceira a todos os clamores a voz potente de Beaumanoir.
— Irmãos, — bradou ele — Inácio de Loiola tem o direito de falar, como vós tendes o direito de combater as suas propostas. Silêncio !. .. e tu, Loiola, fala, com certeza de que ninguém se atreverá a interromper-te!...
O silêncio restabeleceu-se como por encanto, tal era a influência de veneração e respeito que sobre todos exercia o nome de Beaumanoir.
Loiola vira desencadear-se e em seguida serenar o tumulto, se que nas suas faces pálidas e cor de terra se notasse a mais pequena alteração; apenas um pálido sorriso lhe errava nos delgados lábios.
.— Dizia eu, pois, — prosseguiu ele como se nada tivesse notado, — dizia eu que considero como um dever opormo-nos ao desenvolvimento da heresia. . . Irmãos, qual é o fim da nossa Ordem - o restabelecimento do seu antigo poder, o seu domínio em todo o mundo.
Ora, esse domínio será impossível, se quisermos exercê-lo entre os povos do norte, que se revoltam contra toda a autoridade Se quisermos fundar um imenso poder oculto, devemos operar entre as nações católicas, e conservar nelas aquela fé invencível à que basta dizer:
Crê e obedece, — para que desapareça toda a oposição.
“Unir-nos-emos em volta do sólido pontifício, como os pretorianos do antigo império, e defenderemos, alargaremos o poder do Papa, que depois será o nosso poder, porque o chefe da Igreja ser sem dar por isso, o nosso prisioneiro. . .
“Ensinaremos aos povos que eles devem obedecer com submissão e medo aos seus soberanos, e prestaremos aos reis este apoio obrigando-os a governar segundo a vontade e os fins da nossa Companhia. Por meio dos colégios dominaremos a mocidade, por meio dos confessionários dominaremos as consciências; os penitentes, aterrados pelo rigor fanático
dos Dominicanos e dos Franciscanos, acorrerão ao nosso tribunal de penitência, onde a moral será suave, perdão fácil, e o juiz indulgente. . . Irmãos, escutai-me: por este modo, se consentirdes em transformar a nossa Ordem no sentido que vos peço, dentro de vinte anos — não é preciso mais — nos seremos os senhores do mundo!
— E teus escravos, não é assim ?. . . — perguntou em tom desdenhoso Burlamacchi.
Esta interrupção produziu um sussurro, o qual, graças à presença de Beaumanoir, não degenerou em tumulto. A maior parte de Templários pôs-se do lado de Burlamacchi; alguns, poucos, mas decididos partidários, rodearam Inácio de Loiola.
— Irmãos, — bradou Francisco Burlamacchi — acabais de ou vir a proposta que vos foi feita: — A escravidão da humanidade e nós convertidos em guardas desses escravos, e todos de joelhos diante de um chefe supremo, de um chefe misterioso, que do fundo de uma cela monacal, imporia as suas vontades. E é para isto que a Ordem há de levantar-se? E é para isso que nós havemos de vencer os potentados da terra? E foi para isto que destruímos nos nossos espíritos as superstições e a ignorância? Só nós, de toda a infinita multidão dos nossos irmãos espalhados pelo mundo, só nós é que fomos iniciados nos terceiros mistérios; só nós que conhecemos a verdade de tudo isso, que o mundo adora e teme; graças à ciência que adquirimos, graças às misteriosas tradições, confiados à guarda dos sete senhores, graças aos imensos tesouros que possuímos, somos os únicos dentre os nossos irmãos, os únicos dentre os mortais, que não estamos sujeitos a nenhuma lei, a não ser à da morte. E havemos de ter-nos assim elevado tanto, como miraculosa força, acima do comum dos homens, para afinal ficarmos reduzidos a obedecer como cadáveres ao sinal de um só de nós?. . .
Um murmúrio de aprovação acolheu as animadas e quentes palavras do nobre Burlamacchi.
Na verdade era intolerável a pretensão de Loiola!. ..
— Eia, pois; — prosseguiu Burlamacchi — levantemo-nos, sim, mas para despedaçar os nossos grilhões, e os de todo o mundo! Temos em nossas mãos uma força incalculável; aproveitemo-la e façamos uso dela contra os tiranos de toda a espécie. Os povos nos darão por tal serviço bem melhor recompensa do que o sombrio silêncio e a tenebrosa humildade do túmulo! Nós constituiremos na Europa a grande, a verdadeira aristocracia — a do bem fazer.
Será dentre nós que as cidades liberais e as nações ressuscitadas hão de eleger os seus regentes; nós reinaremos, não com as forças efêmeras do embrutecimento e da ignorância, mas com as do reconhecimento e do afeto.
“Irmãos! Em nome da fé que depositaste em nós, elegendo-nos para este supremo cargo, convido-vos a rejeitar as propostas de Inácio de Loiola, e a proclamar aqui, nesta nossa santa assembléia, que a ordem do Templo se transforma na sociedade secreta dos Pedreiros Livres!
— Viva a Maçonaria! — gritou o príncipe de Conde, saudando com este nome francês, tradução da denominação proposta por Burlamacchi, a origem de uma sociedade, que depois havia de ter tanta influência sobre os destinos do mundo.
Quase todos os presentes repetiram o grito de Conde e saudaram e aclamaram Burlamacchi.
Beaumanoir usou então da palavra.
— Não nos esqueçamos, irmãos, de que neste concilio todos somos livres. Ninguém é obrigado a aceitar qualquer mudança, que não seja aprovada pelo seu pensar e pela sua consciência. Que respondes a isto, irmão Inácio de Loiola?
— Respondo — disse com altivez o peregrino — que estas cisões não me dizem respeito.
Fui irmão da ordem do Templo, observei fielmente os seus estatutos: agora, que o Templo acabe retiro-me da instituição que lhe sucede, e em face da Maçonaria, que acabais de proclamar, declaro instituída a Companhia de Jesus!
Este nome, que mais tarde devia tornar-se tão terrível, repercutiu sonoramente sob aquelas abóbadas; tão forte e solene fora voz com que Loiola o pronunciara!
— Ninguém — disse Beaumanoir — ninguém quer acompanhar o nosso irmão no caminho a que ele quer aventurar-se sozinho?
Seis cavaleiros se levantaram, e foram colocar-se ao lado de Inácio de Loiola, que os olhou com um ar triunfante.
— Somos sete! — disse ele com um ar inspirado. — Pois bem, convosco, primeiros irmãos, que acreditastes em mim, reparto eu o império do mundo. Somos bastantes para vencer, e teríamos a certeza da vitória, se não tivéssemos de lutar contra os nossos antigos companheiros. Irmãos, o beijo de paz!
Entretanto, a voz de Beaumanoir pronunciava friamente os nomes dos que se tinham declarado prontos a aceitar a proposta de Loiola.
— Pedro Lefèvre, de Villaret, na Sabóia.
— Francisco Saverio, cavaleiro de Navarra.
— Jacopo Laynez, de Almazar.
— Afonso Salmeron, de Toledo.
— Nicolau Afonso, de Bobadila.
— Simão Rodrigues, de Avedo.
Na medida que iam sendo pronunciados os nomes daqueles poucos, Inácio ia-os inscrevendo num pequenino livro, que tinha na mão.
— E agora — disse Beaumanoir — agora, que os dissidentes nos abandonaram, repitamos,
irmãos, o juramento de há pouco, e declaremos que a ordem do Templo se transformou na associação dos Pedreiros Livres.
Os cavaleiros presentes ergueram a mão.
— Adeus, irmãos; — disse Loiola, com uma voz a que não pôde, por mais que fizesse, tirar um certo tom de tristeza — por muito tempo estivemos unidos e concordes e agora estamos divididos em dois campos, que pugnarão com ferocidade sem par um contra o outro. Pois bem! eu ainda tenho esperança, e peço a Deus que reconheçais finalmente o vosso erro e vos acolhais todos sob a nossa bandeira, sob a bandeira de Jesus.
— Terás que esperar! — resmungou Burlamacchi, o mais indignado, ao que se via, pela traição de Loiola.
Inácio dispunha-se para partir com os seus companheiros, quando o presidente lhe fez sinal para que esperasse.
— Monge, — disse ele — deixaste de pertencer ao Templo, mas os juramentos que prestaste à nossa Ordem têm sempre vigor. Ai de ti, se o segredo que juraste guardar fosse violado.
Inácio voltou-se cheio de desdém, estremecendo como um cavalo, ao qual o chicote fustiga.
— Beaumanoir, — murmurou ele num tom de voz que a raiva fazia tremer, — em má hora me lembraste, a mim, que não pensava em violá-los, os juramentos que prestei à Ordem.
Esqueceste talvez de que para nós, filiados nos terceiros mistérios, para nós, que somos os Sete Senhores, não existe lei moral nem positiva? Esqueceste de que a nossa elevação ao supremo grau nos libertou de todos os deveres?
— Pois então — disse ameaçadoramente o ancião — lembra-te de que, se o juramento te não fizer calar, nós te faremos calar doutra maneira. Temos irmãos por toda a parte, Loiola, e a ponta dos punhais do Templo ainda se não embotou.
Inácio sentiu um calafrio penetrá-lo até à medula dos ossos mas o rosto não manifestou senão um profundo desprezo. Um momento depois, pela escarpada encosta de Mont-Serrat caminhavam os sete homens que, conduzidos pelo gênio de Inácio de Loiola, viam constituir a famosa Companhia de Jesus, cujos atos e tenebrosas tiranias haviam de causar o assombro e o terror do mundo.
O PAPA NEGRO
ERNESTO MEZZABOTTA
(1848)
Tempo da narrativa: Entre 1500 -70 E. C.
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