quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Uma Reflexão sobre a Pedra

Uma Reflexão sobre a Pedra

Não há como iniciar uma reflexão sobre a pedra sem consultar a sabedoria popular. Um provérbio judaico diz: “A pedra caiu no arremessador? Desgraça para o arremessador.”


E parece que é chinês o velho provérbio: “Ser pedra é fácil, o difícil é ser vidraça.” Um provérbio inglês: Constant dropping wears the stone (Tradução aproximada e rimada: “A pedra é dura, a gota miúda, mas, caindo sempre, faz cavadura”), mas é claro que já conhecemos melhor esse ditado: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.


Na verdade o que não falta é palavras sobre pedras. “Pedro, sobre esta pedra construirei minha Igreja”. “Não deixar pedra sobre pedra.”


“A pedra grande faz sombra e a sombra não pesa nada.” “Pedra que muito rola não cria limo.” “A pedra e a palavra não voltam depois de lançadas.”


“Quem tem telhado de vidro, não joga pedra no telhado do vizinho.” “Quem atira pedra para cima, cai-lhe na cabeça.”


“Guardo todas as pedras que me atiram. Um dia construirei um castelo”.“As pedras que me atiras, servirão para construir o castelo da tua ignorância”.


Pedras atiradas não vão faltar nunca no mercado. Muito menos pedra bruta. Como estamos cansados de saber, a pedra bruta é um dos vários elementos que decoram internamente uma loja maçônica. Simboliza também as “arestas” da personalidade que o maçom deve aparar ou limar, para se poder aperfeiçoar. Estas arestas são os sentimentos como o Ciúme, perfídia, a vingança, os vícios, e outros mais, pecados da moral e dos bons costumes, que como maçom jurou combater.


Aparando desta forma as suas arestas, o maçom está a tornar-se mais perfeito e mais polido, representado simbolicamente pela pedra cúbica.
Mas um provérbio que deve ser seguido é o seguinte: “Quem tropeça duas vezes na mesma pedra, merece quebrar a cabeça.”
Mas muita gente quebrou a cabeça por causa de um poema de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987):


No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


Ninguém entendeu o poema na época.
Publicado pela primeira vez na modernista Revista de Antropofagia, em 1928, deflagrou uma saraivada de críticas na imprensa.
Violentos, irônicos, corrosivos, os críticos simplesmente desancavam o autor dos versos e diziam, em suma, que aquilo não era poesia.
“Os nossos gênios poéticos atuais são todos mais ou menos como esse malfadado Carlos Drummond, que penetrou agora no Templo da Imortalidade conduzido pela mão do Sr. Manuel Bandeira e levando na cabeça a pedra sobre a qual burilou esse inimitável poema”, apedrejou com ironia um dos críticos da época.

Acreditamos que ainda hoje, em 2009, muita gente jogue pedras no poema de Drummond.
Mas é claro que um maçom pode tirar significados profundos do velho poema de completa 81 anos e permanece atual.


Atual e permanente como os mitos. O mito de Sísifo, por exemplo. Na literatura grega Sísifo foi condenado a empurrar incessantemente uma pedra até o topo de um monte apenas para vê-la rolar até embaixo novamente, uma metáfora dolorosa para muitos trabalhos modernos: fúteis, sem esperança e repetitivos. O escritor e filósofo francês Albert Camus (1913-1960, Prêmio Nobel da Literatura em 1957), em seu livro O Mito de Sísifo (1942) tenta extrair da lenda homérica as circunstâncias exatas que levaram a este extremo castigo. A lenda declara que Sísifo se rebelou contra os deuses, que ele não os levou a sério e tentou roubar os seus segredos. Outra lenda conta que Sísifo conseguiu prender a morte em cadeias e que foi punido por isto por Plutão.


Para Camus, a negativa de Sísifo da morte e dos deuses faz dele o mais absurdo dos heróis, e seu castigo igualmente a maior metáfora para o homem existencial. Para o escritor francês, o momento chave no castigo de Sísifo está naquele instante em que a pedra rola monte abaixo e Sísifo sabe que ele deve ir atrás dela e tentar, em vão como sempre, empurrá-la para o alto do monte e além. Para Camus, este é o momento da consciência adquirida. Cada um de nós deve, em algum momento, vislumbrar o conhecimento e chegar à conclusão de que não importa quão duro a gente trabalhe, estamos fadados a falhar no sentido de que mais cedo ou mais tarde morreremos. Sísifo, como o homem, é rebelde mas incapaz, e é naqueles momentos de consciência que ele consegue transcendência sobre os deuses. No final das contas, Camus vê em Sísifo não a imagem de um trabalho duro contínuo, cansativo e incessante, mas a de um homem alegre que reconhece que seu destino lhe pertence. Ele e somente ele pode determinar a essência da existência. Camus termina seu ensaio com Sísifo no pé do monte, preparado para suportar exercício doloroso e inútil de rolar a pedra monte acima uma vez mais, mas Camus não vê Sísifo como atormentado, castigado; pelo contrário, ele vê Sísifo feliz.


Vivemos um tempo em que civilização e barbárie quase não se diferenciam. Um tempo onde existem culturas que ainda valorizam o apedrejamento, real ou simbólico, de homens e mulheres. Tempo de pedra no meio do caminho e de empurrar pedra montanha acima.


Tempo de Sísifo. Tempo decisivo.
Infelizmente, tempo em que até mesmo livres atiram a primeira pedra.
Para o filósofo Camus, o mito de Sísifo era o mito decisivo. E por acaso ou necessidade, nós, maçons, não temos tudo a ver com esse mito, com esse Sísifo que empurra incessantemente sua pedra até o alto da montanha apenas para vê-la rolar até embaixo novamente, e descer para empurrar montanha acima essa pedra, mais uma vez, sempre mais uma vez, muitas vezes sozinho, outras vezes
com a ajuda de um irmão? Quantos já desistiram? Quantos jamais tentaram? Quantos continuam tentando burilar essa pedra bruta?

Quantos já desistiram dessa missão infinita, brutal, mas absolutamente necessária e irrevogável para tornar o homem livre e fazer a humanidade feliz?

Transcrito do Jornal A VOZ DO Escriba maio/2010.

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