segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018


Ética Maçônica

Ética Maçônica

Devo antecipar que o tema nunca foi das minhas preocupações intelectuais. Não que não seja um tema afeto às minhas atividades profissionais, mas é que, maçonicamente, nunca parei para avaliar o assunto. Em outras palavras: sou leigo, embora entenda que o discurso sobre ética no meio maçônico não deve ficar girado em torno de mesmices assentadas nas concepções individuais de cada um dos irmãos. O mínimo ideal seria que o discurso moralizante e a ética maçônica de que muitos falam e outros desejam, fosse como uma Fênix Árabe, a ave lendária que renascia de suas cinzas. Mas, não posso me furtar ao entendimento de que o pluralismo cultural dos irmãos e da sociedade, o assombroso desenvolvimento das áreas do conhecimento e do saber humano, e o barulho materialístico-consumístico das práticas comerciais e das relações humanas têm deixado muitos irmãos sem o referencial unificador de inspiração e de comportamento ético que historicamente foi exercido pelas religiões e pela metafísica filosófica. Portanto, tudo é perdoável.

O fio da reflexão que pretendo tecer é simples, desde que se entenda que “a ética é a teoria ou a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade”, ou seja, “ética é a ciência de uma forma específica de comportamento humano” ou, simplesmente, “a doutrina dos costumes”. O termo ética vem do grego ethos, que significa analogamente “modo de ser” ou “caráter” enquanto forma de vida adquirida ou conquistada pelo homem. A ética maçônica, paralelamente ao conceito geral de ética, é bem menos ampla e menos exigente. Tem por fundamento os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade como máxima no relacionamento humano, a concretização ou realização dos valores do homem iniciado maçom e observância das regras morais consuetudinárias ou inscritas nos rituais e regulamentos maçônicos.

Não dispõe a Maçonaria de um “Código de Ética” que possa constituir um compromisso de honra para os que aceitam ingressar em nossa Ordem, e todos sabem que, ao ingressar na Maçonaria, cada indivíduo traz consigo os valores do seu convívio social, suas concepções morais e éticas já elaboradas, o que pode provocar na convivência maçônica comportamentos aéticos, a exemplo das omissões, das disputas pelo poder, perseguições, malversação dos conhecimentos e da doutrina maçônica, excessos no uso da inteligência e da desinteligência e, as mais variadas formas de indisciplina e inadaptabilidades às regras maçônicas, causando o enfraquecimento do sentido de unidade do corpo social. E aí fico a me perguntar se seria o “Código de Ética”, caso existisse, plenamente seguido ou obedecido pela universalidade dos maçons? Teria a Maçonaria, enquanto instituição universal, mecanismos capazes de cumprir e fazer cumprir as regras éticas assinaladas nesse código? Tenho lá minhas dúvidas. Mas pensar que não funciona, não é, em verdade, uma atitude filosófica, nem ética e muito menos maçônica.

A singularidade da ética maçônica nos permite dar um passo à frente. Preliminares do simbolismo e dos instrumentos maçônicos, as atitudes e os gestos ritualísticos estão a demonstrar o caminho a ser trilhado pelo maçom. A eles aditem-se, ainda, as Constituições Gerais da Ordem, os Landmarks, as Leis e Regulamentos específicos das Lojas, então, aí temos quase que definidos um conjunto de regras de conduta válidos para todos os tempos e para todos os homens que adentraram pelos portais iniciáticos das cerimônias e ritualísticas maçônicas. E tudo isso faz parte de um tipo de comportamento efetivo, tanto dos indivíduos quanto das Lojas e das Potências Maçônicas de ontem e de hoje. E é a este conjunto prático-moral meio difuso a que se submete o maçom, sem muitas reflexões sobre ele. A ética maçônica, por assim dizer, é um comportamento pautado por normas que consiste em seu fim – o bem-estar social coletivo – visado pelo comportamento moral do qual faz parte o procedimento do indivíduo ou de todos os membros da Ordem.

O problema em sua saga ética e moral reside, basicamente, no que fazer ou em como se comportar frente a cada situação concreta do indivíduo na sociedade, se não existe um código de ética maçônico como escopo social que possa tipificar as condutas e registrar as violações às regras estabelecidas. Sei, e isto é comum, que em situação de tomada de decisão, os indivíduos se defrontam com a necessidade de pautar o seu comportamento por normas que julgam mais apropriadas ou mais dignas de serem cumpridas e é aí que as regras maçônicas vão para as laterais das regras sociais vigentes. Por conseguinte, na vida real, o maçom, como qualquer outro indivíduo ou ser social, ao defrontar-se com os problemas recorre, para resolvê-los, às normas reconhecidamente profanas, cumpre determinados atos, formula juízos e, muitas vezes, se serve de determinados argumentos ou razões para justificar a decisão tomada ou o ato praticado. E o faz, muitas vezes, totalmente em desacordo com as normas maçônicas.

Eis que chegou a hora de costurar os fios do discurso para que ele não fique como uma construção sem alicerces. Como exemplo, pode-se dizer que “o bem comum proposto pela maçonaria universal compreende o conjunto das condições sócio-política-econômica-cultural que permitam aos indivíduos, famílias e nações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição” ou “fazer o bem sem olhar a quem”, que como problema teórico não se identifica com os problemas práticos dos seus adeptos, muito embora possam estar relativamente relacionados com a moral maçônica de promoção dos objetivos da Ordem.

A ética maçônica, não deve ser mera transcrição de um discurso irracionalmente ordenado das razões normativas, axiológicas e teleológicas presentes no cotidiano das sessões maçônicas cuja força espontânea de persuasão se enfraquece ante o quadro de crise histórica da sociedade atual. E, os maçons vanguardistas e adeptos de renovação não devem se conformar em saber – saber por saber – que a qualidade ética do ato humano, longe de medir um preceito, divino, natural, legal ou humano, depende da conformidade com a consciência e, que, o ato humano é bom ou mau na medida em que a autodecisão do maçom se conforma ou não com o que a consciência diz ser justo e reto. Neste particular é preciso determinar-se o que possa efetivamente vir a ser ética maçônica, a partir da qual se estabelecerão os padrões de comportamentos a serem observados por toda a comunidade dos iniciados maçons. Este é o trabalho a ser executado.

A instância fundamental de uma possível ética maçônica, deve ser alicerçada no fato de “que cada ser humano deva ser tratado humanamente”, instância similar à enunciada por muitas religiões e ordens iniciáticas: “o que você não quer que lhe seja feito não o faça aos outros”. E isto necessita ser, além de uma proposta, um discurso aberto e entendido por todos. Ficamos por aqui, e esperamos ter contribuído de alguma forma para a instituição de uma possível ética maçônica, entendendo que a nossa Ordem necessita substituir o anacrônico Código Penal por um atualizado Código de Ética.

*Presidente da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal e membro da ARLS Antônio Francisco Lisboa nº 24/Brasília-DF.

Fonte: ASCETA 33

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