sábado, 6 de maio de 2017


O Espiritismo e a franco-maçonaria.

 

(Sociedade Espírita de Paris, 25 de fevereiro de 1864.)

 

Nota. - Nesta sessão, agradecimentos foram dirigidos ao Espírito de Guttemberg, com pedido de consentir em tomar parte em nossas conversas, quando o julgasse oportuno.

Na mesma sessão, a presença de vários dignatários estrangeiros da Ordem Maçônica, motivou a pergunta seguinte:

Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-Maçonaria? Várias dissertações foram obtidas sobre este assunto.

 

I

 

Senhor Presidente, agradeço-vos pelo vosso amável convite; foi a primeira vez que uma de minhas comunicações foi lida na Sociedade Espírita de Paris, e esta não será, eu o espero, a última.

Talvez encontrastes em minhas reflexões um pouco longas sobre a imprensa alguns pensamentos que não aprovais completamente; mas, refletindo na dificuldade que sentimos para nos colocarmos em relação com os médiuns e empregar as suas faculdades, consenti em passar ligeiramente sobre certas expressões ou certos torneios de linguagem que não estamos sempre no estado de dominar. Mais tarde, a eletricidade fará sua revolução medianímica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não encontrareis mais dessas lacunas, algumas vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante dos estrangeiros.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de esperar encontrar nela bons elementos.

Que se pede a todo maçom iniciado? De crerem na imortalidade da alma, no divino Arquiteto, de serem benfazejos, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais ampla escala; há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que fere os olhos.

A questão do Espiritismo foi levada à ordem do dia em várias lojas, e eis qual foi o resultado disso: leram-se volumosos relatórios desordenados sobre esse assunto, mas não se o estudou a fundo, o que fez que ali, como em muitos outros lugares discutiu-se sobre uma coisa que não se conhece, julgando-o sobre o ouvir dizer muito mais do que sobre a realidade. No entanto, muitos maçons são Espíritas, e trabalham grandemente para propagar esta crença; todos os ouvidos escutam, e se o hábito diz: Não; a razão diz: Sim.

Esperai, pois; porque o tempo é um recrutador sem igual; por ele as impressões se modificam, e, necessariamente, no vasto campo dos estudos abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; porque isso já está no ar; riu-se, falou-se: não se ri mais, medita-se.

Então, pois, tereis um viveiro espírita nessas sociedades essencialmente liberais; por elas, entrareis plenamente nesse segundo período que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez; porque a moral dos Espíritos dará um corpo a essa seita tão comprometida, tão temida, mas que fez mais bem do que não se crê.

Tudo tem uma laboriosa criação, uma afinidade misteriosa; e se isso existe por aquilo que perturba as camadas sociais, isso é muito mais verdadeiro por aquilo que conduz ao adiantamento moral dos povos.

 

GUTTEMBERG (Médium, Sr. Leymarie.)

 

II

 

Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes à sessão), venho com alegria ao benevolente chamado que fazes aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para cimentar essa associação generosa, duas vezes derramei meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade tingiram-se com o sangue do pobre Jacques Mole. Caros irmãos, seria preciso dar-lhe uma terceira? Direi com alegria: Não. Foi-nos dito: Nada mais de sangue, nada mais de

despotismo, nada mais de carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade que não desejam senão uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Não tinha ainda me comunicado nesta assembleia; enquanto faláveis em ciência espírita, filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos para vos dar conselhos sobre estes diversos pontos, e esperei pacientemente, sabendo que minha vez chegaria; há tempo para tudo, do mesmo modo há momentos para todos; também, creio que a hora soou e que o momento é oportuno. Posso, pois, vir vos dizer qual é minha opinião a respeito do Espiritismo e a franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento para a felicidade.

Numa época em que toda ideia liberal era considerada como um crime, era necessária aos homens uma força que, embora estando submetida às leis, não fosse menos emancipada: emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensinamento. A religião, nessa época, era ainda, não mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo curvar sob a sua vontade; ela era um objeto de temor para quem quisesse, como livre pensador, agir e dar aos homens sofredores algum encorajamento, e na infelicidade, algumas consolações morais. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem podia ainda se dizer homem, onde a criança podia esperar encontrar mais tarde um protetor, e o abandonado dos amigos.

Vários séculos se passaram e todos acrescentaram algumas flores a mais na coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que juntaram à sua glória em se lhe fazendo os defensores e os conservadores. No décimo nono século, o Espiritismo vem, com a sua clara bandeira, dar a mão aos comendadores, aos rosa cruzes, e com voz trovejante lhes gritar: Vamos, meus irmãos, sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Alguns dias ainda, e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maioria do recinto do templo dos segredos; e, desse dia, a sociedade verá florescer em seu seio a mais bela flor espírita que, deixando cair as suas pétalas, dará uma semente regeneradora de verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas do dia em que terá dado a mão à franco-maçonaria, todas dificuldades serão vencidas, todo obstáculo será levantado, a verdade se fará luz, e o maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono onde logo deve reinar.

A vós, saudação fraterna e amiga.

 

JACQUES DE MOLE (Médium, Srta. Béguet).

 

III

 

Fiquei muito encantado em misturar-me às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e retorno atraído por Guttemberg, como fora outro dia por Jacquart.

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou a questão de um ponto de vista de ofício, e não viu principalmente nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate, e tomemos a questão de mais alto.

Seria um erro crer que a imprensa veio substituir a arquitetura, porque esta permanecerá para continuar o seu papel historiográfico, por meio de monumentos característicos, tocados com a marca do espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não; digamo-lo claramente, a imprensa não veio nada derrubar; veio para completar, e por sua obra especial, grande e emancipadora; ela chegou em sua hora, como todas as descobertas que eclodem providencialmente neste mundo. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora, e que, por aí, transtornou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca para a expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter a sua legítima razão de ser senão para a emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, a imprensa teria se debatido por muito tempo ainda no vazio, e não teria sido considerada senão como o sonho de um louco, ou como uma utopia sem importância. Não foi assim que foram tratados os primeiros inventores, dizemos melhor, aqueles que, os primeiros, descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei nascer Guttemberg nas ilhas Andaman, e a imprensa aborta fatalmente.

Portanto, a ideia: eis a alavanca primordial que é preciso considerar. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos, e mesmo dos monges sonhadores da Idade Média, a imprensa teria permanecido letra morta. Guttemberg pode, pois, queimar mais de uma vela em honra dos dialéticos da escola que fizeram germinar a ideia, e desbastar as inteligências. A ideia fervorosa, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções.

Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à procura do que satisfará essa nova necessidade da Humanidade; é porque, por toda a parte onde a ideia for soberana, por toda parte onde ela for acolhida com respeito, por toda a parte, enfim, onde os pensadores forem honrados, se estará seguro de progredir para Deus.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto se gritou, contra a qual a Igreja romana não teve bastante anátemas, e que por isso não sobreviveu menos, a franco-maçonaria abriu seus templos a dois batentes ao culto emancipador da ideia. Em seu seio, todas as questões mais graves foram tratadas, e, antes que o Espiritismo fizesse a sua aparição, os veneráveis e os grandes mestres sabiam e professavam que a alma é imortal, e que os mundos visíveis e invisíveis se comunicam entre si. É lá, nesses santuários onde os profanos eram admitidos, que os Swedenborg, os Pascal, os Saint-Martin, obtiveram fulminantes resultados; foi lá onde a grande Sofia, essa inspiradora etérea, veio ensinar a esses primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores onde 89 hauriu seus princípios fecundos e generosos; foi lá onde., bem antes de vossos médiuns contemporâneos, dos precursores de vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecer os sábios da antiguidade e os primeiros séculos da era; foi lá... Mas detenho-me; o quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem estender-me, como o queria, sobre este interessante assunto. A ele voltaremos mais tarde. Tudo o que direi é que o Espiritismo encontrará, no seio das lojas maçônicas, uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inquebrantáveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e caridosas da franco maçonaria; ele sanciona as crenças que ela professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propôs: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. É que os Espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as classes, não se olham como irmãos? Não há entre eles uma verdadeira franco-maçonaria, com essa diferença de que em lugar de ser secreto, ela se pratica à luz do dia? Homens esclarecidos como aqueles que ela possui, que as suas luzes colocam acima dos preconceitos de grupos e da castas, não podem ver com indiferença o movimento que essa nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e se colocar ao nível dos homens retrógrados. Não, disso estou seguro, não se deixarão transbordar, porque vejo nisso que, sob a nossa influência, vão tomar em mão essa grave questão.

O Espiritismo é uma corrente de ideias irresistível, que deve ganhar todo o mundo: isso não é senão uma questão de tempo; ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica, crer que ela consentirá em se aniquilar, e a desempenhar um papel negativo no meio do movimento que eleva a Humanidade para a frente; sobretudo, crer que ela lançará o apagador sobre a chama, como se tivesse medo da luz.

É bem entendido que não falo aqui senão da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas pela ilusão, onde se reúnem antes para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes provas causam aos neófitos, senão para discutir as questões de moral e de filosofia. Seria bem preciso, para que a franco-maçonaria pudesse continuar a sua missão sem entraves, que tivesse de distância em distância, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora do arco. É nesses centros que os adeptos do Espiritismo têm inutilmente tentado se fazerem ouvir.

Imperativa, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso, e professou em segredo o que proclamais bem alto. Eu retornarei, disse, sobre estas questões, se, no entanto, os grandes Espíritos que presidem os vossos trabalhos o permitirem. À espera, eu vo-lo afirmo, a Doutrina Espírita pode perfeitamente se unir às das grandes lojas do Oriente Médio. Agora, glória ao grande Arquiteto!

 

Um antigo franco maçom,

VAUCANSON (médium, Sr. d’Ambel).

 

REVISTA ESPIRITA

JORNAL DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS

7a ANO      NO. 4       ABRIL 1864

 

A única garantia séria está na concordância que existe entre as revelações feitas espontaneamente, por intermédio de um grande número de médiuns estranhos uns aos outros, e em diversos países.
 
Allan Kardec.

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