terça-feira, 15 de novembro de 2016


 NAS PALAVRAS DO CAMINHO
 
Conta-se que Tiago, o velho apostolo que permaneceu em Jerusalém, demandava Betânia, junto de Matias, o sucessor de Judas, no colégio dos continuadores do Cristo, quando foi lembrada, repentinamente, a figura do Iscariotes.
Contemplando um pomar vizinho, Tiago comentou, em resposta às observações do companheiro:
- Este sítio lembra o horto em que o Mestre foi traído. As árvores próximas parecem esperá-Lo, às lições do crepúsculo, quando o Senhor estimava as meditações mais profundas. Recordo-me ainda do instante inesperado, não obstante os seus avisos. Judas vinha à frente de oficiais e de soldado que empunhavam lanternas, varapaus e espadas. Contavam encontrá-lo à noite, porque Jesus muitas vezes se alegrava em ministrar-nos ensinamentos, à doce claridade noturna. O Mestre, porém, vinha ao encontro dos adversários e estava sorridente e imperturbável.
Olhos mergulhados nas reminiscências, o apóstolo relembrava:
- Adiantou-se o infame e beijou-o na face. Estabeleceu-se o tumulto e consumou-se a prisão do Messias, começando, desde então, o nosso martírio.
- Que insolência! Que homem caviloso esse Judas terrível! – replicou Matias, inflamado no zelo apostólico – dói-me evocar o vulto hediondo do ingrato. Como não vacilou ele no crime ignominioso?
- Será Judas, para sempre, a nossa vergonha – exclamou Tiago, arrimando-se ao bordão rústico -, muitas vezes ouço a argumentação de Pedro, que busca defendê-lo. Ouço e calo-me, porque, para mim, não existem palavras que o escusem. Esse traidor, será um réu diante da Humanidade. Foi ele quem entregou o Mestre aos sacerdotes criminosos e provocou a tragédia do Gólgota. Não tem advogados, nem desculpas. Foi perverso, positivamente infame.
- como se abalançou a semelhante absurdo? – indagou o interlocutor – tudo lhe dera o Senhor, em bênçãos eternas!
- Foi o espírito diabólico da ambição desregrada – tornou Tiago, em voz firme -, Judas queria absorver a direção de nosso grupo, ombrear com os rabinos do Templo, cativar a simpatia dos
romanos dominadores, criar uma organização financeira, submeter o próprio Senhor à sua vontade. Pedro costuma afirmar que o celerado não previa as consequências do ato de traição,
nem alimentava o propósito de eliminar o Messias amado; contudo, não posso admitir a suposição. Judas, por certo, condenou o Senhor deliberadamente à morte, e talvez fosse ele o inspirador sutil dos tormentos na cruz. João e Pedro asseveram que o infeliz se arrependeu e chorou; entretanto, chego a duvidar. Um traidor como aquele não encontraria pranto nos olhos.
Era demasiadamente perverso para sofrer por alguém.
-Com efeito – observou Matias -, não devia passar de criminoso vulgar. A sua memória inspira-me compaixão e vergonha...
Depois de ligeira pausa, indagou:
- Chegou a vê-lo antes da morte?
- Não – replicou Tiago, de maneira significativa -, e não sei se me comportaria fraternalmente se ainda o tivesse ante os olhos. O traidor morreu nos laços diabólicos que teceu com as próprias
mãos. Devia aos infernos, como desceu, envolvido em trevas densas. Era um perverso gênio das potências inferiores.
- E os familiares desse homem cruel? – interrogou Matias, curioso – porventura lhe aprovaram a conduta satânica?
Tiago ia responder, mas alguma coisa lho impediu. O velho apóstolo arregalou os olhos, interrompeu a marcha e perguntou ao companheiro:
- Quem é aquele que vem lá, vestido em luz resplandecente?
Assombrado, Matias retargüiu
- Também vejo, também vejo!...
Banhado, agora, em lágrimas Tiago reconheceu o Messias. Lembrou a narrativa dos discípulo a caminho de Emaús, ajoelhou-se reverente, e falou baixinho:
- É o Senhor!
Aproximou-se Jesus com a majestosa beleza da espiritualidade sublime e parou, por instantes, ao lado dos companheiros. Contemplou-os, compassivamente, como Mestre afetuoso junto a dois aprendizes humildes. Matias chorava, sem força para erguer os olhos. Tiago, em pranto, ousou fixá-lo e rogou:
- Senhor, abençoai-nos!
Jesus estendeu a destra em sinal de amor e, como nada dissesse, o velho Galileu considerou:
- Senhor, podemos voltar par Jerusalém, a fim de receber a vossa vontade e cumpri-la!
- Não, Tiago – respondeu o Cristo, doce e firmemente -, não vou agora, sigo em missão de auxilio a Judas.
E sem acrescentar coisa alguma, continuou a excursão solitária, em sublime silêncio.
Nessa noite, quando voltou a Jerusalém, o velho Tiago insulou-se da comunidade, e, tomando os pergaminhos onde começara a escrever sua bela epístola à cristandade, anotou, em lágrimas, suas famosas considerações sobre a língua humana.
Irmão X. Do livro “PONTOS E CONTOS.” Chico Xavier

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