sexta-feira, 20 de março de 2015


Pensamento lateral

 Edward de Bono

 

Há muitos anos, quando alguém que devia dinheiro podia ser posto na prisão, um mercador londrino teve a infelicidade de dever a um agiota uma grande soma. O agiota, que era velho e feio, estava apaixonado pela filha do mercador, uma bela adolescente. E propôs ao pai um negócio: disse que cancelaria a dívida do mercador se, em troca, pudesse ter a moça.

 

Tanto o mercador quanto a filha ficaram horrorizados com essa proposta. Então, o esperto agiota propôs que deixassem a Providência decidir a questão. Disse-lhes que colocaria duas pedrinhas, uma preta e outra branca, em uma bolsa vazia, e a jovem teria de pegar uma das pedrinhas. Se pegasse a preta, tornar-se-ia sua esposa e a dívida do pai seria cancelada; se pegasse a branca, permaneceria com o pai e a dívida também seria cancelada. Mas se a jovem se recusasse a tirar uma das pedrinhas, o pai seria posto na cadeia e ela morreria de fome.

 

Relutante, o mercador concordou. Estavam conversando em passeio juncado de seixos no jardim do mercador, e o agiota curvou-se para pegar as duas pedrinhas. A moça, olhos aguçados pelo medo, percebeu que ele escolhera duas pedrinhas pretas, enfiando-as na bolsa. Então, pediu a ela que pegasse a pedrinha que decidiria seu destino e o de seu pai.

 

Quem pensa de forma vertical não poderia ser de grande ajuda a uma jovem nessa situação. Da forma como quem pensa assim analisa o problema, existem três possibilidades:

 

1. a jovem deveria se recusar a tirar uma pedrinha.

2.a jovem deveria denunciar o agiota, mostrando que havia duas pedrinhas pretas na bolsa.

3.a jovem deveria tira uma pedrinha preta e sacrificar-se para evitar que o pai fosse para a prisão.

 

Nenhuma dessas sugestões é de grande ajuda, pois se a moça não tira uma pedrinha, o pai vai para a prisão, e se tira, então tem que se casar com o agiota.

O que a jovem da história fez foi enfiar a mão na bolsa e tirar uma das pedrinhas. Sem olhá-la, ela se atrapalhou e deixou a pedrinha cair no caminho, onde esta imediatamente se perdeu no meio das outras.

 

- Oh, como sou desastrada! – disse, então. – Mas não tem importância... Se o senhor olhar na bolsa, poderá saber qual foi a pedrinha que peguei, pela cor da que ficou.

Uma vez que a pedrinha que ficar na bolsa era, evidentemente, preta, deve-se concluir que ela tirara a pedrinha branca, uma vez que o agiota não ousará admitir sua desonestidade.

Edward de Bono

* Pensamento lateral, Edward de Bono, professor das universidades de Oxford, Cambridge, Londres e Harvard. Escreveu 62 livros, traduzidos em 34 línguas.

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