Capítulo II
Costumes
Libaneses
Neste capítulo, não censuro nem aprovo. Cabe ao
leitor, depois de ler esta narrativa, escrita por um historiador imparcial,
julgar e dar parecer. Não Importa a mim qualquer juízo a meu respeito, pois, ao
escrever esta obra, não o fiz como propósito de alcançar glória literária, mas
tão somente para satisfazer o desejo de relatar uma história de que fui
testemunha.
Portanto, este capítulo é um segundo prólogo, em
que se proteja a sombra dos fatos que virão depois. A vida dos libaneses é uma
cópia de existência dos patriarcas que desfilam pela Bíblia. A palavra do pai é
uma lei e a vontade do primogênito é sempre respeitada. Com a notícia do
nascimento de um varão alegra-se o libanês; porém, quando se trata de uma
mulher, toda a família é presa de profunda tristeza. Talvez seja esse fato o
reflexo de uma recordação, uma herança, gravada no subconsciente, oriunda dos
antigos árabes, que enterravam vivas suas filhas, tão logo seus olhos inocentes
se abriam à luz da existência, para evitar que a família e a tribo se
manchassem com sua desonra. Contudo, apesar do seu desejo que o ser que se
forma no ventre da esposa seja varão, sabe amá-lo também quando é mulher, em
virtude do milenário costume de amar esse ser sublime que nos abre as portas da
vida. O libanês é inteligente e perspicaz e sua língua o torna apto para
aprender outros idiomas, com facilidade e em pouco tempo.
Ama a mulher e a considera, senão como sua igual,
pelo menos como um ser frágil, que requer sua estima e proteção. Ambos executam
os mesmos trabalhos e ambos são generosos. Excetuando as cidades marítimas, que
são frequentadas por maior número de viajantes e estrangeiros, no Líbano não há
hotéis. Cada casa é um lar para quem não o possui, e esse generoso sentimento
de auxílio mútuo encerra o de privação, pois a mãe e seus filhos se privam de
qualquer manjar caro, para poderem oferecê-lo a seus hóspedes, que permanecem,
assim, vários dias sob o amparo da hospitalidade, sem cuidados ou preocupações
pela sua subsistência.
No Líbano também não existe a mendicância, tendo
desaparecido completamente do cenário da vida social esses atores da miséria.
Nas ruas das diversas cidades do país, não se contemplam rostos famintos e
corpos cobertos de farrapos. A fome e o frio não perturbam a felicidade do
país, e se vier um mendigo de fora, um homem de outras regiões, que viva da
caridade, será tão bem recebido como qualquer pessoa libanesa. Certa vez
perguntaram a Restom Bacha, ex-comissário no Líbano: “Que tal é o Líbano?” Ele
respondeu: “Se afastássemos as cabras e o clero seria um paraíso”.
Apesar de o libanês adorar sua liberdade,
notamos sempre entre o povo a eterna escravidão: o pobre é escravo do rico; o
poderoso está sujeito ao governante e este obedece cegamente ao sacerdote, que
se diz o servidor de Deus na terra. Que tédio deveria sentir Deus com tais
servidores e escravos, se a Mente Divina pudesse abrigar um tal sentimento! O
libanês ordena ou proíbe o matrimônio de seus filhos; o pai escolhe aquela que
será a esposa de seu filho e a filha se casa com o eleito da família. Entretanto,
apesar de haver muitos casamentos infelizes, é raro que o marido seja infiel à
esposa, e muito mais raro ainda é a infidelidade da mulher. Se esta perder sua
honra, os castigos que cairão sobre ela poderão culminar com a morte.
Se o habitante do Líbano for ofendido, ou mesmo
esbofeteado, pode olvidara ofensa e perdoar a bofetada; porém, quando se trata
de seu nome e sua honra, nem mesmo o rei escapará à sua ira. Sua religião é a
vingança; porém, se chegar a perdoar, perdoa e esquece, sem guardar
ressentimento. O libanês possui forte espírito de imitação e se amolda com
facilidade às características do mais forte. Cada um se sente capaz de tudo,
embora não seja capaz de nada. Por esse convencimento do seu valor, nunca está
de acordo com seus semelhantes; sempre estão em luta seus ideais e caracteres,
o que fez dizer um escritor: “Os libaneses combinaram estar
sempre em desacordo.”
Todo libanês tem algo de poeta, pois a poesia
do panorama e do seu gênero de vida se projetam sobre o seu espírito. Com razão
dizia o Dr. Filip Hatti: “Diante das cataratas do Niágara, o libanês
pensaria como cantá-las em versos, enquanto o americano pensaria como
explorá-las”.
Estas são as características dos habitantes deste
país, às quais se amoldam os sírios em geral.
Extraído do livro Adonai, de Jorge Adoum
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