terça-feira, 9 de julho de 2013

Costumes Libaneses


 


Capítulo II

 

Costumes Libaneses 

 

Neste capítulo, não censuro nem aprovo. Cabe ao leitor, depois de ler esta narrativa, escrita por um historiador imparcial, julgar e dar parecer. Não Importa a mim qualquer juízo a meu respeito, pois, ao escrever esta obra, não o fiz como propósito de alcançar glória literária, mas tão somente para satisfazer o desejo de relatar uma história de que fui testemunha.

 

Portanto, este capítulo é um segundo prólogo, em que se proteja a sombra dos fatos que virão depois. A vida dos libaneses é uma cópia de existência dos patriarcas que desfilam pela Bíblia. A palavra do pai é uma lei e a vontade do primogênito é sempre respeitada. Com a notícia do nascimento de um varão alegra-se o libanês; porém, quando se trata de uma mulher, toda a família é presa de profunda tristeza. Talvez seja esse fato o reflexo de uma recordação, uma herança, gravada no subconsciente, oriunda dos antigos árabes, que enterravam vivas suas filhas, tão logo seus olhos inocentes se abriam à luz da existência, para evitar que a família e a tribo se manchassem com sua desonra. Contudo, apesar do seu desejo que o ser que se forma no ventre da esposa seja varão, sabe amá-lo também quando é mulher, em virtude do milenário costume de amar esse ser sublime que nos abre as portas da vida. O libanês é inteligente e perspicaz e sua língua o torna apto para aprender outros idiomas, com facilidade e em pouco tempo.

 

Ama a mulher e a considera, senão como sua igual, pelo menos como um ser frágil, que requer sua estima e proteção. Ambos executam os mesmos trabalhos e ambos são generosos. Excetuando as cidades marítimas, que são frequentadas por maior número de viajantes e estrangeiros, no Líbano não há hotéis. Cada casa é um lar para quem não o possui, e esse generoso sentimento de auxílio mútuo encerra o de privação, pois a mãe e seus filhos se privam de qualquer manjar caro, para poderem oferecê-lo a seus hóspedes, que permanecem, assim, vários dias sob o amparo da hospitalidade, sem cuidados ou preocupações pela sua subsistência.

 

 

No Líbano também não existe a mendicância, tendo desaparecido completamente do cenário da vida social esses atores da miséria. Nas ruas das diversas cidades do país, não se contemplam rostos famintos e corpos cobertos de farrapos. A fome e o frio não perturbam a felicidade do país, e se vier um mendigo de fora, um homem de outras regiões, que viva da caridade, será tão bem recebido como qualquer pessoa libanesa. Certa vez perguntaram a Restom Bacha, ex-comissário no Líbano: “Que tal é o Líbano?” Ele respondeu: “Se afastássemos as cabras e o clero seria um paraíso”.

 

 Apesar de o libanês adorar sua liberdade, notamos sempre entre o povo a eterna escravidão: o pobre é escravo do rico; o poderoso está sujeito ao governante e este obedece cegamente ao sacerdote, que se diz o servidor de Deus na terra. Que tédio deveria sentir Deus com tais servidores e escravos, se a Mente Divina pudesse abrigar um tal sentimento! O libanês ordena ou proíbe o matrimônio de seus filhos; o pai escolhe aquela que será a esposa de seu filho e a filha se casa com o eleito da família. Entretanto, apesar de haver muitos casamentos infelizes, é raro que o marido seja infiel à esposa, e muito mais raro ainda é a infidelidade da mulher. Se esta perder sua honra, os castigos que cairão sobre ela poderão culminar com a morte.

 

Se o habitante do Líbano for ofendido, ou mesmo esbofeteado, pode olvidara ofensa e perdoar a bofetada; porém, quando se trata de seu nome e sua honra, nem mesmo o rei escapará à sua ira. Sua religião é a vingança; porém, se chegar a perdoar, perdoa e esquece, sem guardar ressentimento. O libanês possui forte espírito de imitação e se amolda com facilidade às características do mais forte. Cada um se sente capaz de tudo, embora não seja capaz de nada. Por esse convencimento do seu valor, nunca está de acordo com seus semelhantes; sempre estão em luta seus ideais e caracteres, o que fez dizer um escritor: “Os libaneses combinaram estar sempre em desacordo.”

 

 Todo libanês tem algo de poeta, pois a poesia do panorama e do seu gênero de vida se projetam sobre o seu espírito. Com razão dizia o Dr. Filip Hatti: “Diante das cataratas do Niágara, o libanês pensaria como cantá-las em versos, enquanto o americano pensaria como explorá-las”.

Estas são as características dos habitantes deste país, às quais se amoldam os sírios em geral.

 

Extraído do livro Adonai, de Jorge Adoum

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