sexta-feira, 4 de dezembro de 2015


 

Luís Vaz de Camões

PORTUGAL

 

Alma minha gentil, que te partiste

 

Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,

Repousa lá no Céu eternamente

E viva eu cá na terra sempre triste.

 

Se lá no assento etéreo, onde subiste,

Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

 

E se vires que pode merecer-te

Alguma cousa a dor que me ficou

Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

 

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te,

Quão cedo de meus olhos te levou.

 

                        Luís de Camões

 

Amor é fogo que arde sem se ver

 

Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer;

 

É um não querer mais que bem querer;

É solitário andar por entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;

É cuidar que se ganha em se perder;

 

É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence, o vencedor;

É ter com quem nos mata lealdade.

 

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

 

                           Luís de Camões

 

Ditoso seja aquele que somente

 

Ditoso seja aquele que somente

Se queixa de amorosas esquivanças;

Pois por elas não perde as esperanças

De poder nalgum tempo ser contente.

 

Ditoso seja quem, estando absente,

Não sente mais que a pena das lembranças,

Porque, inda mais que se tema de mudanças,

Menos se teme a dor quando se sente.

 

Ditoso seja, enfim, qualquer estado,

Onde enganos, desprezos e isenção

Trazem o coração atormentado.

 

Mas triste de quem se sente magoado

De erros em que não pode haver perdão,

Sem ficar na alma a mágoa do pecado.

 

                            Luís de Camões

O tempo acaba o ano, o mês e a hora

 

O tempo acaba o ano, o mês e a hora,

A força, a arte, a manha, a fortaleza;

O tempo acaba a fama e a riqueza,

O tempo o mesmo tempo de si chora;

 

O tempo busca e acaba o onde mora

Qualquer ingratidão, qualquer dureza;

Mas não pode acabar minha tristeza,

Enquanto não quiserdes vós, Senhora.

 

O tempo o claro dia torna escuro

E o mais ledo prazer em choro triste;

O tempo, a tempestade em grão bonança.

 

Mas de abrandar o tempo estou seguro

O peito de diamante, onde consiste

A pena e o prazer desta esperança.

 

                      Luís de Camões

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