Teoria do
Conhecimento Maçônico
Charles
Evaldo Boller
Quando
iniciado na Maçonaria, muitos são os sonhos de realização, educação e cultura
que o neófito espera obter. Imagina que terá mestres que lhe ensinarão todos os
meandros da Arte Real.
Depois de
algum tempo ele percebe que a ordem maçônica apenas fornece local físico,
ferramentas e amigos para a caminhada que ele faz a sua maneira e por seus
próprios meios. O estudante maçom anda só na estrada do desenvolvimento porque
lhe cabe descobrir, decorrente da própria vivência, por si e em si próprio, na
devida oportunidade, as verdades tão sonhadas.
As
descobertas intuídas pelo método maçônico de aprendizagem são diferentes em
cada pessoa dependendo de sua herança cultural e porque o método objetiva que
cada um desenvolva suas próprias verdades, sem submetê-las a um molde.
Esta
liberdade de auto desenvolvimento tem conexão com a teoria do conhecimento da
antiguidade, onde Heráclito, afirmou que tudo no universo muda constantemente,
tudo é dinâmico. O método de ensino maçônico transporta esta ideia para as
verdades de cada um ao longo do tempo. Cada pessoa tem verdades próprias, que
mudam constantemente, dependendo apenas do dinamismo de seu alicerce cultural.
Inicialmente
é bem estranha a forma como cada ferramenta de pedreiro é apresentada, pois sua
utilização é universalmente conhecida na arte da construção civil. O processo
de conhecimento maçônico processa informações, manipulando símbolos baseado em
regras ritualísticas.
O que o
neófito não dispõe, são as regras que lhe permitem utilizar estes mesmos
utensílios do pedreiro de forma simbólica, na construção do próprio homem.
Dentro da teoria do conhecimento maçônico estes símbolos são aplicáveis aos
aspectos: moral; ético; social; saúde física; saúde mental; espiritualidade; e
no conjunto de cada um.
Platão
afirmou que os homens comuns se detêm nos primeiros degraus do conhecimento e
não ultrapassam o nível da opinião, matemáticos ascendem a um nível
intermediário, e só o filósofo tem acesso à ciência suprema. Para isto o
filósofo usa um processo conhecido por dialética; passando de uma ideia para
outra, sendo uma delas o complemento ou alicerce da outra. O filósofo é em
essência o dialético.
A Maçonaria
usa de suas lendas e símbolos para proporcionar ao estudante um método de
progresso do pensamento filosófico que funciona até para obreiros sem formação
acadêmica alguma poderem tratar processos dialéticos complicados e com isto se
humanizarem. Estes exercícios dialéticos compõem a essência da formação do
conhecimento maçônico.
O maçom é um
filósofo diferente porque seus processos cognitivos desenvolvem-se pela
materialização da ideia na linguagem simbólica, no uso de símbolos e lendas,
que são convertidos em pensamentos abstratos e complexos por métodos de
associação e repetição. E isto faz a Maçonaria produzir seres humanos inteiros,
equilibrados e destituídos da abordagem mecanicista que, ao fragmentar os
processos, acaba por perder a visão do todo.
O maçom é
treinado para ser a um só tempo nos planos espiritual, psíquico, biológico,
histórico cultural, social, físico, e outros.
A
fragmentação transmitida pela educação profana, usando de disciplinas,
impossibilita ao homem aprender o que significa ser humano. É nisto que o
método de ensino maçônico leva vantagem. A diversidade de ideias, pelo fato de
cada um observar os processos a sua maneira, é a aplicação da teoria da
complexidade, em semelhança com um universo vivo que evolui da desordem para a
ordem em graus de complexidade crescentes.
Quando a
Maçonaria migrou da arte de construir para a arte de pensar, no século XVIII,
deu partida a um processo educacional que veio até o presente, revolucionando a
sociedade em seu caminho por ações daqueles que foram treinados debaixo de sua
filosofia. Desde então, e na maioria dos eventos históricos onde se pautou por
Liberdade, Igualdade e Fraternidade, a ordem maçônica agiu nos bastidores com
esta educação do homem por inteiro e que move seus membros à ação.
O homem
maçom torna-se mestre de si próprio ao longo de seu auto desenvolvimento e
procura alcançar o ápice da perfeição com a tomada de atitudes. Sem discutir, o
maçom age baseado na moral que desenvolveu ao longo de sua jornada maçônica, e
esta ação está pautada no desejo de acertar e promover o bem para si e a
coletividade.
Nestas ações
ele pode ser aviltado e até morto, porque não é sem perigo que um homem de ação
atua, entretanto, na maioria das ocasiões ele se beneficia com esta postura,
caindo sobre sua pessoa o reconhecimento da sociedade que o rodeia, e
principalmente incrementa sua própria satisfação, alegria e felicidade. Nisto o
maçom é semelhante a um planeta que órbita o Sol, ele reflete a luz emanada por
intermédio da ação frente ao que ele considera certo. A educação do maçom o
leva a conhecer o mal e conhecer também o modo de evitá-lo.
A máxima em
toda a caminhada fundamentada na teoria do conhecimento maçônica é o
auto conhecimento, o "conhece-te a ti mesmo", de Sócrates, e esta
noção, como resultado de um trabalho solitário e autodidata é decorrente de
profunda introspecção, de longa meditação.
O
interessante é que tudo o que se aprende nos templos maçônicos é baseado em
lendas fictícias, porém alicerçados em fatos históricos registrados. Assim como
as ferramentas, as lendas são materializações de conceitos abstratos, dentro da
linha e em direção de estados de complexidade cada vez maiores. Estas estórias
sempre têm mensagens que impulsionam ao desenvolvimento Moral.
E como não
se usam computadores para educar o homem maçom, ocorre enriquecimento
espiritual e aporte de diversidade cultural.
Já que nada
pode ser feito para melhorar a sociedade se no fundo do cidadão não existir um
cunho de homem espiritualmente desenvolvido e em harmonia com o princípio
criador do universo designado como Grande Arquiteto do Universo, o homem maçom
considera a si mesmo um templo do Incriado, e tudo fará para não conspurcar
aquele lugar sagrado. É templo cujo limite é sua própria pele, cujos portões
são sua boca, ouvidos e visão, tudo regido por sua capacidade cognitiva e emocional
equilibrados pela sua espiritualidade.
O maçom
desenvolve sua espiritualidade para avançar com apoio daquilo que considera a
origem de tudo; sem uma elevada Fé ele se perderia nas sendas do mal, à
semelhança do que acontece na sociedade humana, onde o homem fera prevalece
sobre o homem evoluído.
E tudo é
proporcionado por seu esforço próprio e pelos sãos princípios desenvolvidos com
a técnica de aprendizado maçônico. A criatura humana ao longo de sua vida deve
desenvolver-se de forma equilibrada em todas as suas dimensões e o que acelera
o processo de desenvolvimento é uma potencialidade latente em cada um: sua
capacidade de crescer em espiritualidade. E cada pessoa desenvolve seus
próprios critérios e ideias de divindade; o que para alguns faz sentido e
alimenta sua capacidade de evolução espiritual, para outros não faz sentido
algum.
A
epistemologia genética, formulada por Piaget, ocupa-se com a formação do
significado do conhecimento, e meios usados pela mente humana para sair de um
nível de conhecimento inferior para outro superior, mais complexo, segundo ele,
a natureza dos saltos do conhecimento são históricas, psicológicas e
biológicas. Ele explica que "a hipótese fundamental da epistemologia
genética é a de que existe paralelismo entre o progresso completo e a
organização racional e lógica do conhecimento e os correspondentes processos
psicológicos formativos".
Pode-se
deduzir que o método maçônico de progresso do conhecimento usa o lastro
genético que cada um tem, e de forma livre permite que cada um construa sua
própria base sem espremer este dentro de um modelo.
Muitas das
lendas contam estórias de personagens movidas à ação e que lhes trouxeram bons
e maus resultados. No fundo, o trabalho em mergulhar nos sentidos destas lendas
é sempre o de estudar denodadamente para desenvolver o poder de, em conhecendo
o mal, saber evitá-lo.
Estes
estudos são movidos principalmente pela curiosidade, a mola propulsora do
desenvolvimento intelectual. O desejo intenso de ver, ouvir, conhecer, experimentar
alguma coisa, geralmente nova, original, pouco conhecida ou da qual nada se
conhece, isto o faz vencer barreiras, escalar níveis de conhecimento
superiores, em níveis de complexidade sempre maiores, contribuem para fazê-lo
possuir dos segredos do mal a fim de desviar-se com galhardia de sua ação
corrosiva e destruidora. É apenas pelo estudo levado pela curiosidade salutar e
edificante que o maçom obtém sucesso em subjugar a natureza e passa a
desfrutá-la em sua plenitude.
Em
contrapartida, o que também favorece o desenvolvimento pessoal é o controle da
indiscrição. O maçom ouve mais e age mais do que fala. Pela curiosidade e longe
da bisbilhotice que induz ao perigo, desenvolve a capacidade de manter
segredos, a nunca falar de assuntos de outros ou repassá-los sem sua anuência.
A vida em
sociedade impõe a necessidade de politização, desenvolver o exercício do poder
em favor da coletividade. Em sendo o humano um ser social por excelência, a
sociedade não funcionaria de forma equilibrada sem o exercício do poder de
forma equitativa e livre sem a política. Aí o desenvolvimento filosófico
maçônico tem sua mola mestra ao impulsionar pessoas a pensarem e agirem mais.
Lideranças
são forjadas no fogo da convivência em lojas. De nada adianta revelar os segredos
maçônicos através de livros com objetivo meramente comercial se não se oferecer
a oportunidade da pessoa viver a Maçonaria, de não possibilitar que a maçonaria
penetre nela.
Pela
política o poder é concentrado de forma natural, pelo convencimento com
argumentos da razão e pela formação de relacionamentos fortes. Platão detratava
o retórico e o considerava mentiroso, pois este usa o poder do convencimento
para a adulação e adulteração do verdadeiro, e adicionalmente, o tinha como
crédulo e instável. Segundo Platão, poetas e retóricos estão para o filósofo no
mesmo nível em que está a realidade para as imitações da verdade.
Por ser uma
coletividade diminuta, cada loja cobra imediatamente resultado da liderança.
Não existe espaço para ações evasivas e dissimuladas como é comum observar-se
na sociedade. Sentar no trono de Salomão, antes de ser privilégio que destaca e
enaltece, é ato de fé, lição de humildade, exercício de real de política como
ela deveria ser executada no mundo externo.
O cidadão
forjado nestas oficinas filosóficas vai certamente mudar e passa a praticar a
política honesta, no exato sentido que Platão e Sócrates deram a tão nobre
profissão.
O maçom não
faz da filosofia a finalidade de sua própria vida, mas usa da filosofia
maçônica para especializar sua capacidade cognitiva e emocional no exercício da
Política. A Maçonaria é uma escola de política, pois com sua filosofia e sua
organização desenvolve-se a verdadeira política.
Foi Platão o
primeiro a estabelecer a doutrina da anamnese, que é a lembrança de dentro de
si mesmo das verdades que já existem a priori, em latência. O conhecimento
maçônico, alicerçado em suas simbologias e lendas é um exercício permanente de
anamnese. E fica tão fácil deduzir verdades complexas latentes que não há
necessidade alguma de frequentar escola superior, basta viver o dia-a-dia
maçônico que estas verdades afloram naturalmente, como se sempre estivessem
plantadas na mente e no coração a priori. É aí que nasce o verdadeiro homem
politizado. Este não busca um ganha-pão com este conhecimento, mas pela ação
busca exercer a verdadeira atitude política, para tornar-se pedra polida dentro
da sociedade ideal. Uma pedra cúbica que não rola ao sabor dos fluxos dos
manipuladores como se fosse um seixo rolante de fundo de rio, por ter
desenvolvida a capacidade de pensar ele é um obstáculo para os políticos
despóticos e desonestos.
O aspecto
emocional deve ser alimentado com frequentes distrações, para permitir à mente
descansar e se refazer para novas investidas na arte de pensar. Durante os
períodos de devaneio pode ser desenvolvido o ócio criativo; usar o tempo de
folga para criar e desenvolver ideias ou coisas apenas para o deleite emocional,
mas que também propiciem crescimento.
Russell
propôs que o ócio poderia ser acessível a toda a população se modernos métodos
de produção fossem aplicados, para ele, o trabalho, tal como o conhecemos, não
é o real objetivo da vida.
De Masi, diz
que a sociedade industrial permitiu que milhões de pessoas atuassem apenas com
os corpos e não lhes deu liberdade de expressarem-se com a mente. O que se faz
nos templos maçônicos é exatamente esta retomada da capacidade de pensar que o
mundo pós industrial impôs.
Só que na
Maçonaria ninguém é compelido só a pensar, mas também de sentir e interpretar
toda a mensagem maçom dentro de seu nível de entendimento. Interagem diversão,
trabalho, sentimentos e misticismo. Mesmo após as sessões, nas ágapes festivas
o processo de construção continua, é quando se discutem livremente todos e
quaisquer temas da vida. As emoções fazem parte do homem, principalmente
aquelas que disparam o gatilho da racionalidade. É em momentos de laser que a
maioria das ideias são forjadas, haja vista que elas parecem já existir a
priori e nos saltos para níveis superiores de conhecimento, para níveis de
complexidade maiores, são então apenas "lembradas".
Muitas vezes
o pensador passa dias em profunda meditação para buscar solução a um problema
de forma intensa e sem descanso; basta-lhe um momento de descontração, e o
cérebro expele a solução para aquilo que jazia incógnito e insolúvel até então.
Outras vezes
o pensamento é inédito, não existe registro de haver sido pensado
anteriormente, na maioria das vezes ele é despertado em momentos de
descontração por um símbolo, por uma estória ou lenda; de repente a ideia está
ali, num estalo.
A mola da
teoria de conhecimento maçônico é seu paradigma da complexidade, a curiosidade
salutar em avançar cada vez mais nos conhecimentos de trabalhar a Arte Real em
benefício da humanidade, sempre com frequentes intervalos de laser entre cada
investida.
É devido a
este conjunto harmônico da metodologia maçônica que ela tem sucesso em lapidar
com um mínimo de esforço os seres humanos de uma pedra bruta e tosca em pedra
polida e cúbica, onde cada um ocupa seu espaço na sociedade humana de forma
esplendorosa nas colunas e paredes do grande templo da humanidade para honra e
à glória do Grande Arquiteto do Universo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário