A Queda da Bastilha e a Maçonaria
A queda da Bastilha... da primeira Bastilha, em 14 de julho, foi apenas um dentre tantos outros obstáculos erigidos contra a liberdade e a evolução dos homens que a Maçonaria, pelo idealismo dos seus filhos, houve por combater.
No entanto, ainda hoje existem Bastilhas por abater, tais como “as da ignorância, do erro, das superstições e dos preconceitos”, onde jazem algemados o espírito e a consciência de grande parte da humanidade.
Não obstante o fato de que os ideais iluministas se casassem com os ideais maçônicos – por exemplo – por Montesquieu, em “O Espírito das Leis”, Rosseau em “O Contrato Social” ou por Voltaire em seus “Estudos Críticos”, o que teria ensejado aos maçons tornarem-se deveras vetores de sua disseminação, não há provas de que a maçonaria, como instituição, haja sido a matriz única das idéias que levaram à eclosão da Revolução Francesa, pois até a Independência dos Estados Unidos a influenciou.
A Maçonaria foi apenas e tão somente um dos veículos disseminadores das idéias liberais que alimentaram o movimento e que potencialmente viriam a influenciar outros movimentos libertários no resto do mundo.
Sob o reinado de Luiz XVI em 1989, a França vivia em latente estado de turbulência financeira a despeito de toda sua atividade mercantil e cultural extremamente desenvolvida.
O governo era forte e a organização social extremamente simples: quem não era “privilegiado” e podia gozar de todas as vantagens sobre as pessoas comuns era simplesmente pequeno burguês ou plebeu.
Dentre os “privilegiados”, destacavam-se os eclesiásticos, que eram donos de grandes extensões de terras, tinham foro próprio, estavam isentos de pagar quaisquer impostos, mas podiam instituí-los e cobra-los segundo seus interesses.
Estavam acima de quaisquer suspeitas e constituía crime contra o Estado dizer ou fazer algo contra qualquer membro da alta hierarquia clerical.
Os clérigos menores eram mais ou menos equiparados à burguesia.
A nobreza dividia-se em três grandes grupos:
a alta nobreza, que compreendia os descendentes reais que eram também grandes latifundiários;
a média nobreza, de espada ou togada, militares, políticos e burocratas, e a pequena nobreza, constituída por elementos que haviam ascendido na escala social e sido nomeados para altos cargos na hierarquia governamental.
Os demais eram o “Terceiro Estado”, que se constituía de duas categorias distintas: a urbana e a rural.
A urbana era a burguesia, composta por comerciantes, banqueiros, pequenos industriais, administradores de bens da nobreza, profissionais liberais, que aspiravam um poder político equivalente à sua importância social e econômica.
Havia ainda a pequena burguesia, composta por intelectuais, artistas, artesões e pequenos comerciantes.
Afinal, havia também a massa maior, é claro, a plebe, constituída pelos empregados em serviços menores, operários qualificados ou não e os que não tinham um emprego regular.
Segundo consta, os operários de um modo geral estavam presos a um sistema medieval de corporações de ofícios, onde começavam a trabalhar como aprendizes por sete anos, muitas vezes pagando pelo aprendizado aos seus mestres-artesões.
Os camponeses, de um modo geral não eram proprietários das terras em que trabalhavam e sobre o seu lavor incidia toda a sorte de impostos.
A exceção do clero e da nobreza, todos os demais pagavam impostos, absurdos e não raros escorchantes, que ajudavam a manter o fausto da corte, para descontentamento da burguesia e desespero da plebe, que não viam perspectivas de reformas sociais e econômicas que lhes melhorassem a sorte.
A fome, a miséria e a injustiça social, que sempre precedem os grandes movimentos de massas, já rondavam e se faziam sentir nos grandes centros, mas nem por isso os “privilegiados” se abalaram em sua insensibilidade, em fazer concessões, tais como pagar impostos e assim esvaziar ou pelo menos conter a revolução que se avizinhava.
Corria o ano de 1788 e ao colapso financeiro somou-se o descontentamento político, o que levou o rei a convocar os “Estados Gerais”, ou seja, o clero, a nobreza e o “Terceiro Estado”.
A condução dos trabalhos da reunião marcada para maio de ano seguinte obedecia a uma ritualística baseada em tradições muito antigas e cujas explicações se perderam no tempo, como por exemplo, os trajes utilizados e os gestos praticados por seu integrantes.
Os clérigos, vestidos de seda e púrpura; os nobres com mantos vistosos e bordados a ouro e os “Terceiros” vestidos de preto e sem quaisquer adornos.
O rei, o clero e a nobreza, assentados em lugares de destaque e de cabeça coberta.
Os representantes do povo propriamente dito, de joelhos e de cabeça descoberta.
Mais que evidente, tal figura dispensa comentários quanto à condição de inferioridade e de humilhante subjugação em que o “Terceiro Estado” era tido pelas classes dominantes, quaisquer que fossem as suas subdivisões.
Naquela ocasião, porém, mais um sinal do que estava por vir deu-se com o obstinado protesto dos liderados pelo Irmão Mirabeau, que se mantiveram de pé, cobriram suas cabeças e repudiaram o sistema de voto proporcional vigente, que estabelecia um terço de representantes por ordem e um voto por ordem, o que assegurava o predomínio do clero e da realeza, ou seja, dos privilegiados.
A arrogância do rei e a intransigência do clero e de parte da nobreza conduziram a reunião a um impasse e, quando o rei pretendeu evacuar o recinto, os do “Terceiro Estado”, pela voz de Mirabeau recusaram-se a sair, mesmo à força de baionetas.
Os Estados Gerais transformaram-se em Assembleia constituinte, que o rei fez reunir em 9 de julho, visando ganhar tempo enquanto tentava preparar um golpe de estado.
Não obstante, um vazamento de informações leva à criação de um Comitê de Vigilantes, que subleva o povo e o leva à reação armada com a criação da Guarda Nacional, a qual, em 14 de julho assalta e conquista a Bastilha.
Daí à promulgação dos Direitos do Homem e do Cidadão pela Assembleia foi apenas um passo, que Luiz XVI recusou-se a dar, ao negar-lhe sua sanção, precipitando a ocorrência de inúmeras ações revolucionárias.
Essa mesma declaração, que inspirou a Constituição dos Estados Unidos, é a que a Carta das Nações Unidas consagraria 156 anos depois, em 1945.
Os acontecimentos na França, levados ao conhecimento do resto da Europa por nobres emigrados e em fuga, sobressaltaram os reis do Continente, e em especial da Áustria, da Prússia e da Rússia.
Os ideais da Revolução Francesa se expandiram tão rapidamente que os monarcas europeus se associaram com a disposição de restaurar a ordem e os direitos da realeza da França.
A recusa do rei em acatar as deliberações da Assembléia Constituinte leva a nação francesa ao caos: as colheitas se perderam ou foram feitas com atraso; sobrevieram a fome, as desordens e a reação militar; os impostos deixaram de ser recolhidos e todos os pagamentos do governo suspensos; as unidades de mercenários estrangeiros amotinaram-se e entregaram-se aos saques; e o exército regular indisciplinou-se.
Em 1791, a Assembléia Nacional, promulgou uma nova Constituição, que entre outras inovações transformou a monarquia absolutista em constitucional e assegurou direitos políticos apenas aos cidadãos capazes de produzir ou de poder adquirir bens de consumo e de pagar impostos equivalentes a três dias de trabalho por ano.
Mais uma vez a plebe fora espoliada, não obstante o que a Declaração dos Direitos de Homem e do Cidadão lhe assegurara dois anos antes: “Os homens nascem livres e iguais em direitos”.
Pouco depois, Luiz XVI intentou, sem sucesso, um golpe que consistiria em tentar fugir do país e voltar depois apoiado por armas estrangeiras.
Reconhecido num posto de fronteira, foi recambiado a Paris e, não tendo o golpe sido percebido de pronto, passou por uma tentativa de sequestro, o que lhe permitiu manter uma atitude dúbia que o favorecia de qualquer maneira, quer os exércitos estrangeiros a caminho do reino restaurassem sua autoridade e privilégios, quer as tropas sob seu comando repelissem os invasores e assim a monarquia viesse a ser restabelecida em força.
Nesse meio tempo, o clero foi totalmente despojado de suas propriedades e Avigrion, que era uma província pertencente ao Vaticano foi integrada ao território francês pelo voto dos seus habitantes.
A nobreza européia, alarmada com a repercussão dos acontecimentos na França, faz da defesa da sua realeza, causa comum e manda seus exércitos invadir o país. Com exceção da Suíça e dos países nórdicos, a França entra em guerra com os demais países do continente, debilitada pela desordem administrativa, pelas ações revolucionárias, pela fome e pela insubordinação dos soldados do seu exército, que sofre seguidas derrotas frente aos seus inimigos.
Em 10 de agosto de 1792, os revolucionários agora denominados comunas atacam o palácio, e a monarquia é extinta do país.
Com o advento da nova república, o terror, a anarquia e a fome sacodem e desmantelam a França; os proletários perseguem os clérigos; as execuções sumárias se sucedem e tribunais especiais são constituídos para julgar os contra-revolucionários e quem quer que seja alvo de denúncias de quaisquer ordens.
Em 21 de janeiro de 1793, Luiz XVI é guilhotinado e a França banhada em sangue e mergulhada no terror, caminha a passos largos para o militarismo que viria com Napoleão, sete anos mais tarde.
Vale considerar nos dias que correm, que muita das idéias que animaram aquele movimento continuam válidas, se bem avaliarmos as seqüelas que afligem e aviltam a nação brasileira, vítima da contumaz corrupção e da ineptidão de seus homens públicos, que fazem pasto das coisa pública, para si, seus parentes e correligionários.
Aí estão eles, consumindo em causa própria e de interesses os mais espúrios, recursos que se judiciosamente empregados, bem poderiam erradicar o desemprego, a fome e a indigência miserável de um sem número de seres, que integram o nosso “Terceiro Estado” de parias, inclusive os de pouca ou de tenra idade e sem quaisquer perspectivas de cidadania.
Não é mais possível que políticos, banqueiros e grandes empresários permaneçam intocáveis em seus privilégios que industrial brasileiro continue sendo sistematicamente sucatado; que as nossas empresas estatais sejam privatizadas a preços vis; que as pequenas empresas continuem sendo garroteadas pela burocracia; que os trabalhadores sejam eternamente sufocados por impostos escorchantes e de duvidosa aplicação; que a nossa juventude e infância, reservas maiores do interesse nacional, se estiolem pela ação dos tóxicos, da fome, da prostituição e do crime organizado; que a previdência social, a educação e a cultura hajam falido tão vergonhosa e fragorosamente.
Não é possível, vale repetir, que não se atente para o quadro em que se acham inscritas significativas parcelas de nossas desesperançadas populações urbanas e rurais, que não se negue à fome a sua irreversível e deletérias conseqüência; que não se ponha termo à indústria da seca; que não se dê combate efetivo à impunidade debochada dos criminosos de todos os níveis, que roubam e matam o quanto querem neste país; que não se atribua importância à correlação existente entre movimentos separatistas e interesses alienígenas que rondam menos as nossas fronteiras e províncias minerais,
que as consciências dos que estariam prontos para aderir aos mesmos; e, que irmãos maçons, com assento no parlamento e lugar no governo, possam ser tão omissos ou coniventes, que não se insurjam contra esse caótico, senão calamitoso estado de coisas.
Para concluir e a propósito, encareço caríssimos e respeitáveis irmãos, que não se perca da memória cívica nacional – sob pena de nos tornarmos uma nação de desfibrados – a advertência que pelos mesmos motivos, nosso irmão Ruy Barbosa fez ao país em memorável discurso no Senado, em 17 de dezembro de 1914, quando pontificou:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a ri-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
Postado por Ir.'. Humberto Siqueira Cardealàs 19:03
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