Rousseau e a Educação Natural
Charles
Evaldo Boller
Rousseau
(1712-1778) disse que: "Toda a nossa sabedoria consiste em preconceitos
servis; todos os nossos usos não são senão sujeição, embaraço e
constrangimento. O homem civil nasce, vive e morre na escravidão; ao nascer,
envolvem-no em um cueiro; ao morrer, envolvem-no em um caixão; enquanto
conserva sua figura humana está acorrentado a nossas instituições".
(Emílio, ou da Educação, Rousseau, São Paulo, Difel). Rousseau foi o mentor
inicial da educação natural, cujas idéias foram depois reforçadas, melhor definidas
e ampliadas por Kant (1724-1804). Estabeleciam um gradativo retorno à natureza,
não de forma a transformar o homem em selvagem, mas pela naturalização
comportamental e espontaneidade dos sentimentos.
Papéis
significativos foram também desempenhados por Diderot (1713-1784) e Helvétius
(1715-1771), quanto à importância no desenvolvimento pessoal usando como mola
propulsora as paixões positivas e que rejuvenesceriam o mundo moral. Para obter
a liberdade individual, as paixões positivas desempenhariam valor vivificador
no mundo moral. Os combates às paixões do maçom dizem respeito àquelas
associadas ao vício e licenciosidade, já as paixões ligadas às virtudes e
benéficas à educação natural do homem são fortemente incentivadas.
A escravidão
sempre se baseia na falta de educação; é muito mais fácil dominar o ignorante,
violento e amoral que o indivíduo esclarecido, ou iluminado pela educação.
Quando a escola era domínio da religião, ela disseminava a semente da dominação
absoluta do rei para assuntos políticos e da religião para assuntos
metafísicos; assim compartilhavam o poder apenas entre si. A educação antiga só
era de fato acessível às elites e em todas as eras sempre representa uma forma
de poder. Desde a invenção da escrita a manutenção do Estado era realizada pelo
escriba, cargo que só os mais ricos e influentes obtinham. Em quase todas as
civilizações a educação era controlada pela Teocracia - isto sempre restringiu
o acesso ao conhecimento técnico aos iniciados na religião do Estado. No antigo
Egito, Mesopotâmia, China, Índia, na tradição hebraica, enfim, todas as
civilizações centralizaram o conhecimento nas castas mais abastadas da
população, e principalmente, em iniciados em mistérios religiosos da religião
do Estado. Assim funcionava até que os iluministas introduziram modificações na
educação.
A educação
natural, aquela voltada para a felicidade individual, laica e não
intelectualizada reduziu a dominação absolutista. Normalmente em convulsões
revolucionárias. O grande valor do trabalho de Rousseau na pedagogia é o fato
de dar ao ensino público uma conotação política e de valorização do homem em
todos os níveis sociais, disposição exposta quando afirma que a educação
pública deve passar necessariamente por formação cívica, de identidade do
cidadão com o país. Afirmava não ser a educação pública ideia dele e quem
tivesse interesse, que lesse "A República", de Platão. O ensino público e
gratuito foi o veículo mais importante do Iluminismo que preconizava pelo uso
da razão no combate às superstições e obscurantismo religiosos.
A Maçonaria
é instrumento importante, não o único, na defesa da escola leiga, não
relacionada a religião e função do Estado. Entre outras acusações, mas
principalmente pelo posicionamento para a educação, a Ordem Maçônica foi objeto
de violentas reações do poder dos estados, bem como, de bulas papais de
condenação; ódio que até hoje não foi revogado. O medo dos poderosos não é
tanto pela forma esotérica das reuniões dos maçons, mas principalmente pelo
fato de pela educação natural libertar o pensamento do cidadão,
conscientizando-o de seu papel na sociedade e no Universo. A ordem maçônica não
concorda com posicionamentos radicais ou de concentração de poder, e isto lhe
rende poderosos inimigos. A vingança de insidiosos perseguiu maçons; miríades
morreram para manter a ação de educar o homem do povo em direção à liberdade.
Em sua
época, Rousseau teve de fugir diversas vezes da perseguição. As bases de suas
considerações pedagógicas declaravam que o homem em estado natural é bom, mas a
sociedade dominada pela hipocrisia das instituições o corrompe, destruindo sua
liberdade; dizia: - "o homem nasce livre e por toda parte encontra-se a
ferros". Em termos políticos defendia que o povo é soberano, e para tal há
necessidade de educar o ser humano integral; desenvolveu a ideia da educação
natural - nos moldes do que os nobres praticavam em certa fase histórica de
Atenas, na Grécia antiga, e hoje, na Maçonaria, tal procedimento é representado
simbolicamente pelo homem esculpindo a si mesmo de dentro da rocha disforme.
A educação
natural rejeita toda e qualquer tentativa de intelectualização da educação; na
Maçonaria qualquer pessoa tem acessos e facilitadores a complexos pensamentos
filosóficos apenas por nutrir-se da vasta coleção de símbolos e alegorias.
A linha de
pensamento iluminista foi fortemente influenciada pela obra intelectual de
Rousseau na educação, inclusive vai além do ato pedagógico e de formação humana
que ele apresenta em 'Emílio' e depois complementa em "Do Contrato Social". Em
conjunto estes trabalhos estabelecem conceitos de cidadania natural do homem na
sociedade. O objetivo de Rousseau sempre foi o homem do povo; do cidadão com
vistas ao desenvolvimento do homem natural; que não deve ser confundido com o homem
da natureza, analisado em seu 'Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Entre os
Homens'.
O homem
natural é o melhoramento do homem da natureza, o cidadão como essência do homem
civil, mesmo quando este convive em ambiente hostil às virtudes como acontece
com o maçom hodierno. O afastamento de Emílio da influência perniciosa da
sociedade é copiado pela Maçonaria quando suas reuniões acontecem longe e
isoladas do mundo externo; num mundo idealizado, igualitário, perfeito para o
desenvolvimento da educação do homem natural, que:
- É completo
em si, a unidade e absoluto total, aquele que tem relação apenas para consigo e
a coletividade;
- Como homem
civil não é nada mais que uma fração em relação ao corpo social;
- Como
indivíduo usa da razão e da universalidade da natureza do homem para usufruto
da felicidade;
- O homem é
em essência um representante da espécie humana que, dotado de razão, deve
desenvolver-se através da educação natural para ocupar seu espaço no Universo.
Em seus
estudos Rousseau define que o homem não se reduz apenas a sua condição
intelectual, não é apenas razão e reflexão, mas condicionável pela educação a
controlar sentidos, emoção, instintos e sentimentos, numa educação natural
ativa voltada para usufruto da vida, por ação proativa e movimentada pela
curiosidade. Algo assim é absorvido na vivência da rígida disciplina
ritualística existente nos templos da Maçonaria, local onde muito de seu
pensamento voltado para a educação natural foi adaptado e veio até nossos dias.
A pretensão é a mesma da dos tempos de Rousseau - libertar o homem e torná-lo
feliz; a Maçonaria apenas propicia os meios e o local para o homem se
auto educar.
Na ordem
maçônica pratica-se a educação de si mesmo, a educação natural; que já é parte
do projeto do homem. O entendimento é simples se considerar que o livre
arbítrio permite apenas a existência da auto educação. É bem diferente da
educação voltada para o conhecimento, dirigida quase que exclusivamente para a
escravidão, à alienação pelo trabalho. A educação natural está voltada para a
liberdade do homem em sentido lato e através do qual honra o ato criativo do
Grande Arquiteto do Universo.
Bibliografia:
1. ARANHA,
Maria Lúcia de Arruda, História da Educação e da Pedagogia, Geral e Brasil,
ISBN 85-16-05020-3, terceira edição, Editora Moderna Ltda., 384 páginas, São
Paulo, 2006;
2. CAPRA,
Fritjof, A Teia da Vida, Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos,
título original: The Web of Life, a New Scientific Understandding Ofliving
Systems, tradução: Newton Roberval Eichemberg, ISBN 85-316-0556-3, primeira
edição, Editora Pensamento Cultrix Ltda., 256 páginas, São Paulo, 1996;
3. CAPRA,
Fritjof, As Conexões Ocultas, Ciência para a Vida Sustentável, título original:
The Hidden Connections, tradução: Marcelo Brandão Cipolla, 13ª edição, Editora
Pensamento Cultrix Ltda., 296 páginas, São Paulo, 2002;
4. ROHDEN,
Humberto, Educação do Homem Integral, primeira edição, Martin Claret, 140
páginas, São Paulo, 2007;
5. ROUSSEAU,
Jean- Jacques, Emílio ou Da Educação, R. T. Bertrand Brasil, 1995;
6. ROUSSEAU,
Jean-Jacques, A Origem da Desigualdade Entre os Homens, tradução: Ciro
Mioranza, primeira edição, Editora Escala, 112 páginas, São Paulo, 2007.
Biografias:
1. Diderot
ou Denis Diderot o Filósofo, escritor, filósofo e maçom de nacionalidade
francesa. Também conhecido por Denis Diderot. Nasceu em Langres, França em 5 de
outubro de 1713. Faleceu em Paris, em 30 de julho de 1784, com 70 anos de
idade. Um satirista que se tornou conhecido por sua conversa brilhante;
2. Fritjof
Capra, autor, físico e teórico de sistemas. Nasceu em 1 de fevereiro de 1939,
com 69 anos de idade;
3. Helvétius
ou Claude Adrien Helvétius, escritor e filósofo de nacionalidade francesa.
Nasceu em Paris em 26 de janeiro de 1715. Faleceu, em 20 de dezembro de 1771,
com 56 anos de idade. As idéias de Helvétius influenciaram as doutrinas dos
revolucionários franceses, a filosofia utilitarista de Bentham e também várias
teorias democráticas e socialistas do século XIX;
4. Humberto
Rohden, autor e professor de nacionalidade brasileira. Autor de: O Processo de
Sindicância;
5. Kant ou
Immanuel Kant, conferencista, filósofo, maçom, professor e teólogo de
nacionalidade alemã. Nasceu em Königsberg em 22 de abril de 1724. Faleceu em
Königsberg, em 12 de fevereiro de 1804, com 79 anos de idade. Geralmente
considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna,
indiscutivelmente um dos seus pensadores mais influentes;
6. Maria
Lúcia de Arruda Aranha, autora e professora de nacionalidade brasileira.
Licenciada em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
7. Platão ou
Platão de Atenas, filósofo grego. Também conhecido por Aristócles Platão de
Atenas. Nasceu em Atenas em 428 a. C. Faleceu em Atenas, em 347 a. C.
Considerado um dos mais importantes filósofos de todos os tempos;
8. Rousseau
ou Jean-Jacques Rousseau, ensaísta, escritor, filósofo, pedagogo e sociólogo de
nacionalidade francesa. Nasceu em Genebra, Suíça em 28 de junho de 1712.
Faleceu, em 2 de julho de 1778, com 65 anos de idade. Foi de suma influência na
Revolução Francesa e no Romantismo.
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