PRIMEIRAS PREGAÇÕES
Irmão X - Humberto de Campos
Nos primeiros dias do ano 30, antes de suas
gloriosas manifestações, avistou-se Jesus com o Batista, no deserto triste da
Judéia, não muito longe das areias ardentes da Arábia. Ambos estiveram juntos,
por alguns dias, em plena Natureza, no campo ríspido do jejum e da penitência
do grande precursor, até que o Mestre Divino, despedindo-se do companheiro,
demandou o oásis de Jericó, uma bênção de verdura e água, entre as inclemências
da estrada agreste. De Jericó dirigiu-se então a Jerusalém, onde repousou, ao cair
da noite.
Sentado como um peregrino, nas adjacências do
templo, Jesus foi notado por um grupo de sacerdotes e pensadores ociosos, que
se sentiram atraídos pelos seus traços de formosa originalidade e pelo seu
olhar lúcido e profundo. Alguns deles se afastaram, sem maior interesse, mas
Hanan, que seria, mais tarde, o juiz inclemente de sua causa, aproximou-se do
desconhecido e dirigiu-se-lhe com orgulho:
– Galileu, que fazes na cidade?
– Passo por Jerusalém, buscando a fundação do
Reino de Deus! – Exclamou o
Cristo, com modesta nobreza.
– Reino de Deus? – tornou o sacerdote com
acentuada ironia – E que pensas tu venha a ser isso?
– Êsse Reino é à obra divina no coração dos
homens! – Esclareceu Jesus, com grande serenidade.
– Obra divina em tuas mãos? – Revidou Hanan, com
uma gargalhada de desprezo.
E, continuando as suas observações irônicas,
perguntou:
– Com que contas para levar avante essa difícil
empresa? Quais são os teus
seguidores e companheiros?... Acaso terás
conquistado o apoio de algum príncipe desconhecido e ilustre, para auxiliar-te
na execução de teus planos?
– Meus companheiros hão de chegar de todos os
lugares. – Respondeu o Mestre com humildade.
– Sim – observou Hanan – os ignorantes e os
tolos estão em toda parte da Terra.
Certamente que êsse representará o material de
tua edificarão. Entretanto, propões-te realizar uma obra, divina e já viste
alguma estátua perfeita modelada em fragmentos de lama?
– Sacerdote – replicou-lhe Jesus, com energia
serena – nenhum mármore existe mais puro e mais formoso do que o do sentimento,
e nenhum cinzel é superior ao da boa vontade sincera.
Impressionado com a resposta firme e
inteligente, o famoso juiz ainda interrogou:
– Conheces Roma ou Atenas '?
– Conheço o amor e a verdade. – Disse Jesus
convictamente.
– Tens ciência dos códigos da Corte Provincial e
das leis do Templo? – Inquiriu
Hanan, inquieto.
– Sei qual é a vontade de meu Pai que está nos
céus. – Respondeu o Mestre, brandamente.
O sacerdote o contemplou irritado e,
dirigindo-lhe um sorriso de profundo desprezo, demandou a Torre Antônia, em
atitude de orgulhosa superioridade.
No dia seguinte, pela manhã, o mesmo formoso
peregrino foi ainda visto a
contemplar as maravilhas do santuário, antes
alguns minutos de internar-se pelas estradas banhadas de sol, a c aminho de sua
Galiléia distante.
***
Daí a alguma tempo, depois de haver passado por
Nazaré, descasando igualmente em Caná, Jesus se encontrava nas
circunvizinhanças da cidadezinha de Cafarnaum, como se procurasse, com viva
atenção, algum amigo que estivesse à sua espera.
Em breves instantes, ganhou as margens do
Tiberíades e se dirigiu; resolutamente, a um grupo alegre de pescadores, como
se, de antemão, os conhecesse a todos.
A manhã era bela, no seu manto diáfano de
radiosas neblinas. As águas transparentes vinham beijar os eloendros da praia,
como se brincassem ao sopro das virações perfumadas da Natureza.
Os pescadores ecoavam- uma cantiga rude e,
dispondo inteligentemente as barcaças móveis, deitavam as redes, em meio ele
profunda alegria.
Jesus aproximou-se do grupo e, assim que dois
deles desembarcaram em terra, falou-lhes com amizade :
– Simão e André, filhos de Jonas, venho da parte
de Deus e vos convido a trabalhar pela instituição de seu reino na Terra!
André lembrou-se de já o ter visto, nas
cercanias de Betsaida e do que lhe haviam dito a seu respeito, enquanto que
Simão, embora agradàvelmente surpreendido, o contemplava, enleado. Mas, quase a
um só tempo, dando expansão aos seus temperamentos acolhedores e sinceros,
exclamaram, respeitosamente :
– Sede benvindo!...
Jesus então lhes falou docemente do Evangelho,
com o olhar incendido de júbilos divinos.
Estando muitos outros companheiros do lago a
observar de longe os três, André, manifestando a sua tocante ingenuidade,
exclamou comovido :
– Um rei? Mas em Cafarnaum existem. Tão poucas
casas....
Ao que Pedro obtemperou, como se a boa vontade
devesse suprir tôdas as deficiências:
O lago é muito grande e há, várias aldeias
circundando estas águas. O reino poderá abrangê-las todas!
-Isso dizendo, fixou em Jesus o olhar
perquiridor, como se fora uma grande criança meiga, e sincera, desejosa de
demonstrar, compreensão e bondade. O Senhor esboçou um sorriso sereno e, como
se adiasse com prazer as suas explicações para mais tarde, inquiriu generosamente
:
– Quereis ser meus discípulos?
André e Simão se interrogaram a si
mesmos,permutando sentimentos de admiração embevecida. Refletia Pedro: que
homem seria, aquele? Onde já lhe escutara o timbre carinhoso da voz íntima e
familiar? Ambos os pescadores se esforçavam por dilatar o domínio de suas
lembranças, de modo a encontrá-la nas recordações mais queridas. Não sabiam, porém,
como explicar aquela fonte de confiança e de amor que lhes brotava no âmago do espírito
e, sem hesitarem, sem uma sombra de dúvida, responderam simultaneamente :
– Senhor, seguiremos os teus passos.
Jesus os abraçou com imensa ternura e, como os
demais companheiros se mostrassem admirados e trocassem entre aí
ditérios ridicularizadores, o Mestre acompanhado de ambos e de grande grupo de
curiosos, se encaminhou para o centro de Cafarnaum, onde se erguia a
Intendência de Antipas. Entrou calmamente na coletoria e, avistando um
funcionário culto, conhecido publicano da cidade, perguntou-lhe:
– Que fazes tu, Levi?
O interpelado fixou-o com surpresa ; mas,
seduzido pelo suave magnetismo de seu olhar, respondeu sem demora :
– Recolho os impostos do povo, devidos a
Herodes.
– Queres vir comigo para recolher os bens do
céu? – Perguntou-lhe Jesus, com firmeza e doçura.
Levi, que seria mais tarde o apóstolo Mateus,
sem que pudesse definir as santas emoções que lhe dominaram a alma, atendeu
comovido:
– Senhor, estou pronto!...
– Então, vamos. – Disse Jesus, abraçando-o.
Em seguida, o numeroso grupo se dirigiu para a
casa de Simão Pedro, que oferecera ao Messias acolhida sincera em sua
residência humilde, onde o Cristo fez a primeira exposição de sua consoladora
doutrina, esclarecendo que a adesão desejada era a do coração sincero e puro,
para sempre, às claridades do seu reino. Iniciou-se naquele instante a eterna união
dos inseparáveis companheiros.
***
Na tarde desse mesmo dia, o mestre fez a
primeira pregação da Boa-Nova na praça ampla cercada de verdura e situada
naturalmente junto às águas.
No céu, vibravam harmonias vespertinas, como se
a tarde possuísse também uma alma sensível. As árvores vizinhas acenavam os
ramos verdes ao vento do crepúsculo, como mãos da Natureza que convidassem os
homens à celebração daquele primeiro ágape. As aves ariscas pousavam de leve
nas alcaparreiras mais próximas, como se também desejassem senti-lo, e na praia
extensa se acotovelava a grande multidão de pescadores rústicos, de mulheres
aflitas por continuadas flagelações, de crianças
sujas e abandonadas, misturados publica-nos pecadores com homens analfabetos e
simples que haviam acorrido, ansiosos por ouvi-lo.
Jesus contemplou a multidão e enviou-lhe um
sorriso de satisfação. Contrariamente às ironias de Hanan, ele aproveitaria o
sentimento como mármore precioso e a boa vontade como cinzel divino. Os
ignorantes do mundo, os fracos, os sofredores, os desalentados, os doentes e os
pecadores seriam em suas mãos o material de base para a sua construção eterna e sublime. Converteria toda miséria e toda dor num
cântico de alegria e, tomado pelas inspirações sagradas de Deus, começou a
falar da maravilhosa beleza do seu reino.
Magnetizado pelo seu amor, o povo o escutava num
grande transporte de ventura. No céu, havia uma vibração de claridade
desconhecida.
Ao longe, no firmamento de Cafarnaum, o
horizonte se tornara um deslumbramento de luz e, bem no alto, na cupola dourada
e silenciosa, as nuvens delicadas e alvas tornavam a forma suave das flores e dos
arcanjos do Paraíso.
Do livro “Boa Nova”. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.
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