O Lamento das Tumbas
(Gibran Kahlil Gibranh)
O Emir entrou na sala do júri e
sentou-se na cadeira principal, enquanto à sua direita e à sua esquerda
sentavam-se os homens mais destacados do país. Os guardas, armados com lanças
e espadas, ficaram de sentinela, e o povo que veio assistir ao julgamento se
levantou e curvou-se cerimoniosamente para o Emir, de cujos olhos emanava uma
força que incutia horror em seus espíritos e medo em seus corações. Como a
corte estava pronta e a hora do julgamento se aproximava, o Emir levantou a
mão e ordenou: — Tragam os criminosos um a um, e digam-me que crimes
cometeram. — A porta da prisão se abriu como a boca bocejante de uma besta
feroz. Dos cantos obscuros da masmorra, qualquer um podia ouvir o eco do
chocalhar das correntes, em uníssono com os gemidos e lamentações dos
prisioneiros. Os espectadores estavam ansiosos para ver cada vítima da Morte
emergindo das profundezas daquele inferno.
Alguns momentos depois, dois
soldados vieram, trazendo um jovem com os braços amarrados atrás das costas.
Seu rosto severo indicava nobreza de espírito e fortaleza de coração. Ele
estava parado no meio da sala do tribunal, e os soldados recuaram alguns
passos. O Emir encarou-o serenamente e disse:
— Que crime cometeu este homem,
que está orgulhosa e triunfalmente de pé diante de mim?
— Um dos homens da corte responde:
— Ele é um assassino; ontem matou
um dos oficiais do Emir, que estava numa missão importante, nas aldeias
vizinhas; ele ainda segurava a espada ensangüentada quando foi preso.
— O Emir retorquiu com raiva:
— Levem o homem para o calabouço,
amarrem-no com pesadas correntes e, de madrugada, cortem-lhe a cabeça com sua
própria espada, joguem seu corpo no mato, para que os animais possam comer
sua carne, e o ar possa carregar seu odor putrefato para as narinas de seus
familiares e amigos.
— O jovem voltou para a prisão,
enquanto o povo olhava para ele com olhos piedosos, pois era um homem jovem,
na flor da idade.
Os soldados voltaram, trazendo
então uma moça de beleza delicada e sem artifícios. Ela estava pálida e nas
suas faces apareciam os sinais da opressão e da decepção. Seus olhos estavam
molhados de lágrimas e a cabeça tombava sob a carga do seu pesar. Depois de
olha-la de cima a baixo, o Emir exclamou:
— E essa mulher macilenta, que
está de pé diante de mim como a sombra ao lado de um cadáver, o que fez?
— Um dos soldados respondeu-lhe
dizendo:
— Ela é uma adúltera; a noite
passada, seu marido encontrou-a nos braços de outro. Depois que o amante
fugiu, o marido a trouxe para a lei.
— O Emir encarou-a, enquanto ela
levantava o rosto sem expressão, e ordenou:
— Levem-na de volta ao calabouço e
estendam-na sobre uma cama de espinhos para que possa lembrar-se desse lugar
de repouso que ela sujou com sua falha; dêem-lhe vinagres misturados com
bílis para beber, para que possa lembrar-se do gosto dos beijos doces. De
madrugada, arrastem seu corpo nu para fora da cidade e apedrejem-no. Deixem
que os lobos saboreiem a carne macia de seu corpo e os vermes penetrem nos
seus ossos.
— Quando ela voltou para a cela
escura, o povo olhou-a com simpatia e surpresa. Eles estavam assombrados com
a justiça do Emir e preocupados com o destino dela.
Os soldados reapareceram trazendo
um homem triste, cujos joelhos batiam e tremiam, como uma árvore nova face ao
vento do norte. Ele tinha um olhar sem forças, fraco e amedrontado, e era
pobre e miserável. O Emir o encarou com repugnância e inquiriu:
— E este homem imundo, que é como
um morto entre os vivos, o que fez?
— Um dos guardas falou:
— Ele é um ladrão que arrombou o
monastério e roubou os vasos sagrados, que os monges encontraram em seu
poder, quando o prenderam.
Como águia faminta que olha para
um pássaro de asas partidas, o Emir encarou-o e sentenciou:
— Levem-no de volta para a prisão
e acorrentem-no, e de madrugada arrastem no até uma árvore bem alta e
enforquem-no entre o céu e a terra. Assim, suas mãos pecadoras morrerão e os
membros de seu corpo sem vida se transformarão em joguete do vento.
— Quando o ladrão cambaleou de
volta às profundezas da prisão, o povo começou a cochichar entre si, dizendo:
— Como ousa tal homem fraco e
herege roubar os vasos sagrados do monastério?
Nessa hora, a corte suspendeu a
sessão e o Emir saiu, acompanhado por todos os seus dignitários, guardado
pelos soldados, enquanto a assistência se dispersava e no lugar vazio se
ouviam o lamentar e o gemer dos prisioneiros. Tudo isso aconteceu enquanto eu
estava lá, de pé, como um espelho, diante dos fantasmas que passavam.
Eu pensava nas leis feitas pelo
homem para o homem, testemunhando o que o povo chama de "justiça" e
absorvido em profundos pensamentos sobre os segredos da vida. Tentei entender
o sentido do universo. Eu me achava aturdido, sentindo-me como um horizonte
envolvido entre as nuvens. Quando deixei o lugar, disse a mim mesmo: "O
vegetal se alimenta dos elementos da terra, a ovelha come o vegetal, o lobo
devora a ovelha e o touro mata o lobo, enquanto o leão devora o touro; também
a Morte chama o leão. Há algum poder que se sobreponha à Morte e faça dessas
brutalidades uma eterna justiça? Haverá uma força que possa converter todas
essas coisas horríveis em coisas belas? Não existirá nenhum poder capaz de
agarrar com suas mãos todos os elementos da vida e enlaça-los com alegria,
como o mar prazerosamente engolfa todos os riachos nas suas profundezas? Não
há nenhum poder que possa aprisionar o assassinado e o assassino, o traído e
o traidor, o ladrão e o roubado, e trazê-los para uma corte mais elevada e
mais capaz que a corte do Emir?
No dia seguinte, deixei a cidade e
fui para os campos, onde o silêncio revela à alma o que o espírito está
buscando, e onde o céu puro mata os germes do desespero gerados na cidade
entre as ruas estreitas e os lugares escuros. Quando cheguei ao vale, vi um
bando de corvos e abutres planando e descendo, enchendo o céu com o seu
gralhar e o zunir e o bater das asas.
Quando prossegui, vi diante de mim
o cadáver de um homem pendurado no alto de uma árvore, o corpo de uma mulher
nua no meio de um amontoado de pedras e a carcaça de um jovem cuja cabeça
cortada estava encharcada de sangue misturado com a terra. Foi uma visão
horrível, que me cegou os olhos com espesso e denso véu de aflições.
Olhei em todas as direções e nada
vi, exceto o espectro da Morte ao lado daqueles restos horrorosos. Nada se
ouvia, só o gemido da não-existência, misturado com o gralhar dos corvos que
rondavam as vítimas das leis humanas. Três seres, que ontem estavam nos
braços da Vida, hoje tombam como vítimas da Morte porque quebraram as leis da
sociedade. Quando um homem mata um outro, o povo diz que é um assassino; mas,
quando o Emir o mata, o Emir é justo. Quando um homem rouba o monastério,
dizem que é um ladrão; mas, quando o Emir lhe rouba a vida, o Emir é honrado.
Quando uma mulher trai o marido, dizem que é uma adúltera; mas, quando o Emir
a faz andar nua pelas ruas e ordena que a apedrejem, o Emir é nobre. O
derramamento de sangue é proibido, mas quem o torna legal para o Emir?
Roubar o dinheiro de alguém é um
crime, mas tirar a vida de uma pessoa é um ato nobre. A infidelidade a um
marido pode ser uma ação horrorosa, mas apedrejar almas vivas é um
maravilhoso espetáculo. Devemos combater o mal com o mal e dizer que isso é a
Lei? Devemos combater a corrupção com a corrupção maior e dizer que isso é a
Regra? Devemos subjugar os crimes com mais crimes e dizer que isso é a
Justiça? Não matou o Emir nenhum inimigo na sua vida pregressa? Jamais
roubou, de seus súditos fracos, dinheiro e propriedade? Não cometeu nenhum
adultério? Era ele um homem sem faltas quando matou o assassino, enforcou o
ladrão e apedrejou a adúltera? Quem são esses que enforcaram o ladrão na
árvore? São anjos descidos do céu, ou homens saqueadores e usurpadores? Quem
cortou a cabeça do assassino? São profetas divinos, ou soldados derramando
sangue por onde quer que vão? Quem apedrejou aquela adúltera? Foram eremitas
virtuosos que vieram de seu monastério, ou humanos que amam cometer
atrocidades com alegria, sob a proteção de uma lei retrógrada? O que é a Lei?
Quem a viu vindo como o sol da imensidão do céu? Que ser humano viu o coração
de Deus e nele vislumbrou seus desejos e propósitos? Em que século os anjos
andaram entre o povo, pregando: "Proíbam o fraco de aproveitar a vida, e
matem os marginais com a lâmina afiada da espada, e pisem sobre os pecadores
com pé de ferro"?
Enquanto minha mente sofria dessa
forma, ouvi ruído de passos que se aproximavam pelo caminho. Prestei atenção
e vi uma jovem vindo de trás das árvores; ela olhou cautelosamente em todas
as direções, antes de se acercar dos três corpos que lá estavam. Logo seus
olhos caíram sobre a cabeça cortada do jovem.
Ela chorou convulsivamente,
ajoelhou-se e a abraçou com seus braços trêmulos; de seu rosto desciam lágrimas,
enquanto ela acariciava com seus dedos suaves os cabelos anelados e
emaranhados com o sangue, chorando com uma voz que vinha do fundo de um
coração despedaçado. A jovem não pôde mais suportar a visão. Arrastou o corpo
até uma vala, colocou-lhe a cabeça delicadamente entre os ombros, cobriu-o
todo com terra e sobre a cova improvisada colocou a espada com a qual a
cabeça do infeliz tinha sido decepada.
Como a moça fizesse menção de
partir, dirigi-me a ela. A jovem tremeu quando me viu, e seus olhos estavam
cheios de lágrimas. Ela suspirou e disse:
— Leve-me até o Emir, se quiser;
para mim é melhor morrer e seguir aquele que salvou a minha vida das garras
da desgraça, do que deixar seu cadáver como alimento para os animais ferozes.
— Respondi-lhe:
— Não tenha medo de mim, pobre
garota, condói-me da morte desse jovem antes de você o fazer. Mas diga-me,
como ele a salvou das garras da desgraça?
— A moça replicou, com uma voz
cautelosa e débil:
— Um dos oficiais do Emir veio à
nossa fazenda para coletar o imposto; quando me viu, olhou-me como um lobo
olha para uma ovelha. Ele cobrou a meu pai um imposto tão pesado, que mesmo
um homem rico não poderia pagar. Fui então detida e levada em penhor para o
Emir em garantia do ouro que meu pai não podia dar. Imporei-lhe que me
poupasse, mas ele não se comoveu, pois era friamente impiedoso. Gritei então
por socorro, e esse jovem que está morto aqui agora veio em meu socorro, e
salvou-me de uma morte em vida. O oficial tentou mata-lo, mas meu protetor
golpeou-o com uma velha espada que estava pendurada na parede de nossa casa.
Ele não fugiu como um criminoso; ao contrário, ficou junto ao corpo do
oficial morto até a lei chegar e leva-lo sob custódia.
— Depois de ter proferido essas
palavras que fariam qualquer coração humano sangrar de compaixão, ela virou o
rosto e foi embora.
Pouco tempo depois vi um jovem que
se aproximava com o rosto envolvido por um manto. Quando se aproximou do
cadáver da adúltera, ele desdobrou o manto e colocou-o sobre o corpo nu.
Então tomou uma adaga que trouxera escondida e cavou um buraco, no qual
colocou com carinho e cuidado a moça morta; cobriu-a com terra, sobre a qual
ia derramando suas lágrimas. Ao acabar a tarefa, o jovem arrancou algumas
flores e colocou-as reverentemente naquele túmulo tosco. Quando ia sair, eu o
detive dizendo:
— Que tipo de relação você tinha
com a adúltera? E o que o impeliu a pôr a vida em perigo, vindo até aqui para
proteger-lhe o corpo nu contra os animais ferozes?
— Quando me encarou, seus olhos
pesarosos estampavam seu infortúnio, e ele explicou:
— Eu sou o homem desgraçado por
amor de quem ela foi apedrejada. Eu a amava e ela me amava desde a infância;
crescemos juntos; o Amor, a quem nós servimos e reverenciamos, era o dono de
nossos corações. O Amor uniu-nos e enlaçou nossas almas. Um dia ausentei-me
demoradamente da cidade, e quando voltei descobri que seu pai a obrigara a
casar com um homem que ela não amava. Minha vida tornou-se uma luta perpétua,
e todos os meus dias foram convertidos numa longa e escura noite. Tentei dar
paz a meu coração, mas meu coração não se conformava.
Finalmente, fui vê-la
secretamente; meu único propósito era ter uma breve visão de seus olhos
maravilhosos e escutar o som da sua voz serena.
Quando cheguei à sua casa,
encontrei-a sozinha, lamentando-se. Sentei-me a seu lado, o silêncio era a
nossa importante conversação e a virtude, a nossa companheira. Uma hora de
mudo entendimento se passara, quando seu marido entrou. Eu o adverti para
conter-se, mas ele a arrastou para a rua e gritou: "Venham, venham e
vejam a adúltera com seu amante!" Todos os vizinhos se precipitaram, e
mais tarde veio a Lei e levou-a até o Emir; mas eu nem fui tocado pelos
soldados. A Lei ignorante e os costumes estúpidos puniram a mulher pela falta
de seu pai e perdoaram o homem.
Depois de assim ter falado, o
jovem caminhou em direção à cidade. Permaneci meditando sobre o cadáver do
ladrão pendurado naquela árvore imponente, o qual se movia levemente cada vez
que o vento batia nos galhos, esperando talvez por alguém que o descesse e o
estendesse na superfície da terra ao lado do Defensor da Honra e da Mártir do
Amor. Uma hora depois, uma frágil e miserável mulher apareceu, chorando. Ela
parou em frente ao homem enforcado e rezou reverentemente. Então subiu na
árvore e roeu com os próprios dentes a corda de linho até que ela
arrebentasse e o morto caísse no chão como se fosse um invólucro macabro;
depois desceu, cavou uma vala e enterrou o ladrão ao lado das duas outras
vítimas. Em seguida cobriu-o com terra, pegou dois pedaços de madeira, fez
uma cruz e colocou-a na cabeceira.
Quando ela se dirigia para a
cidade, iniciando uma caminhada, eu a detive falando-lhe:
— O que a fez vir aqui e enterrar
o ladrão?
— Ela me olhou intensa e
tristemente e justificou:
— Ele é meu fiel marido e
companheiro dedicado; é o pai de meus filhos: cinco rebentos que morrem de
fome; o mais velho tem oito anos, e o mais novo é ainda de colo.
Meu marido não era um ladrão, mas
um camponês que trabalhava na terra do monastério, sustentando-nos com a
pouca comida que os padres e monges lhe davam, quando ele voltava para casa,
ao anoitecer.
Ele trabalhava para eles desde a
juventude, e quando ficou fraco os padres o demitiram, aconselhando-o ir para
casa e a mandar seus filhos tomar seu lugar, assim que estivessem mais
velhos. Meu marido implorou em nome de Jesus e dos anjos do céu para que o
deixassem ficar, mas não deram atenção ao apelo.
Não tiveram pena dele, nem de seus
filhos famintos, que estavam desesperadamente chorando por comida. Meu
companheiro dirigiu-se então para a cidade em busca de emprego; mas foi tudo
em vão, pois o rico só emprega aquele que está forte e saudável. Então, ele
foi sentar-se na rua poeirenta, estendendo a mão aos que passavam, pedindo e
repetindo-lhes a triste cantilena da sua derrota na vida, sofrendo fome e
humilhação; mas as pessoas se recusavam a ajudá-lo, considerando-o como um
daqueles preguiçosos que não merecem esmolas.
Uma noite, a fome torturava
dolorosamente os nossos filhos, principalmente o menor, que tentava
inutilmente mamar no meu seio já seco. Então a expressão do rosto de meu
marido mudou e ele saiu de casa, protegido pela escuridão da noite. Entrou no
depósito do monastério e arrastou para fora um saco de trigo. Assim que saiu,
os monges acordaram de seu sono leve e o prenderam, depois de o surrar
impiedosamente. De madrugada, levaram-no até o Emir e queixaram-se de que ele
fora até o monastério para roubar os vasos de ouro do
altar. Prenderam-no, e o enforcaram no segundo dia.
Ele estava apenas tentando
alimentar seus pequenos famintos, com o trigo que colheu de seu trabalho; mas
o Emir o matou e usou sua carne para encher o estômago dos pássaros e dos
animais.
— Dizendo isso, ela me deixou
sozinho, espiritualmente arrasado, e partiu.
Fiquei parado diante das covas,
como um orador atacado de súbita mudez, enquanto tentava fazer um
necrológico. Eu estava mudo, mas minhas lágrimas, que rolavam, substituíam as
palavras e falavam por minha alma.
Meu espírito rebelou-se quando
tentei meditar por algum tempo, porque a alma é como uma flor que deixa suas
pétalas caírem quando anoitece, e não exala seu aroma para os fantasmas da
noite. Pareceu-me que aquela terra que envolvia as vítimas da pressão,
naquele lugar solitário, enchia meus ouvidos com os lamentos das almas
sofredoras e me impedia de falar.
Recorri ao silêncio, pois se as
pessoas entendessem o que o silêncio lhes revela estariam tão junto de Deus
quanto as flores do vale. Se as chamas que incendiavam minha alma melancólica
tivessem tocado as árvores, elas se moveriam de seus lugares e marchariam
como um exército poderoso para lutar contra o Emir brandindo seus galhos, e
demoliriam o monastério sobre as cabeças desses padres e monges.
Fiquei ali meditando, e percebi
que o doce sentimento da misericórdia e a amargura do pesar jorravam de meu
coração sobre os recém-cavados túmulos. O túmulo de um jovem que sacrificou
sua vida defendendo uma frágil donzela, cuja existência e honra ele salvou do
meio das patas e das garras de um ser humano selvagem; um jovem cuja cabeça
foi cortada como recompensa de sua bravura; e sua espada foi colocada sobre
seu túmulo pela pessoa que ele salvou, como um símbolo de heroísmo ante a
face do sol que brilha sobre um império mergulhando na estupidez e na
corrupção. O túmulo de uma jovem cujo coração já estava inflamado de amor,
antes de seu corpo ser arrebatado com avidez, ser usurpado pela luxúria e ser
apedrejado pela tirania.... Ela manteve a sua fé até a morte; o seu amado
colocou-lhe flores no túmulo para que enquanto murchassem fossem um
depoimento sobre essas almas que o Amor escolheu e abençoou, destacando-as
dentre as pessoas cegas pelas coisas terrenas e emudecidas pela ignorância.
O túmulo de um homem miserável
exaurido pelo trabalho árduo e longo na terra do monastério, que pedira pão
para alimentar os filhos famintos, e que lhe fora negado. Esse infeliz
recorrera à mendicância, mas ninguém lhe dera atenção.
Quando sua alma o impeliu a reaver
uma pequena parte da safra que plantara e colhera foi aprisionado e surrado
até a morte. Sua pobre viúva erigiu uma cruz sobre seu túmulo como um símbolo
no silêncio da noite e ante as estrelas do céu, a testemunhar contra esses
padres que converteram o bom ensinamento de Cristo em afiadas espadas com as
quais cortam o pescoço do povo e rasgam os corpos dos fracos. O sol
desapareceu atrás do horizonte como se estivesse cansado dos problemas do
mundo e sentisse aversão pela submissão humana.
Nesse momento, o entardecer
começou a tecer um delicado véu das fibras de silêncio e o colocou sobre o
corpo da Natureza. Estendi minha mão em direção aos túmulos, apontando os
seus símbolos; ergui os olhos em direção ao céu e exclamei:
— Oh, Bravura, esta é a tua
espada, enterre-a agora na terra! Oh, Amor, esta são as flores, queime-as com
o fogo! Oh, Jesus, esta é a Tua Cruz, mergulhe-a na obscuridade da noite!
(Do Livro "Espíritos
Rebeldes")
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Fonte: http://glesp.org.br
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