DA
CORRESPONDÊNCIA DE VOLTAIRE
CARTA DE
CONSOLO POR UMA CRÍTICA MALÉVOLA
Ao Sr.
Marmontel
16 de Junho
de 1749.
Graças a
Deus, não entra em minha casa nenhuma brochura satírica; mas não posso impedir,
meu caro senhor, que em qualquer outra parte se faça em minha presença a
leitura de uma folha, que se diz aparecer semanalmente 13, na qual a sua
tragédia Aristomène é tão impiedosamente criticada. Asseguro-lhe que
essa folha provocou indignação entre os de minha roda. As críticas feitas pelo
autor, por suas próprias luzes nada valem; o público já se manifestara antes.
Se há defeitos em vossa peça, eles não teriam passado despercebidos (e qual de
nossas obras está isenta de defeitos?); mas o público, sempre justo, haveria
notado acima de tudo as belezas de que a peça está cheia e os recursos de gênio
com que vencestes as dificuldades do assunto. Houve, realmente, muita injustiça
e estreiteza de vistas. Todo homem que se arvora em crítico compreende mal sua
missão quando não descobre na obra analisada as razões do seu êxito. O abade
Desfontaines, de tão odiosa memória, escreveu dez folhas de observações sobre a
Inês de La Motte, mas em nenhuma delas mostrou ter percebido o
verdadeiro e terno encanto da peça. A sátira não tem olhos para o que é bom.
Que acontece então? As sátiras passam, como disse o grande Racine, e os bons
escritos por elas visados, ficam; mas fica também alguma coisa dessas sátiras:
o ódio e o desprezo que seus autores atraem sobre suas próprias pessoal Que
indigna tarefa, meu caro amigo! Parece-me ver os infelizes condenados às minas,
trazendo do trabalho um pouco de terra e de seixos, sem haverem descoberto o
ouro que deviam procurar.
13 Trata-se
das Lettres sur quelques écrits de ce temps, de autoria de Fréron.
Não
constitui, aliás, uma crueldade revoltante querei desencorajar uma jovem que
consagra o seu talento, um grande talento mesmo, ao público, e que espera o êxito
como justo prêmio de um labor muito penoso e frequente mente tão mal
recompensado? É querer tirar-lhe os recursos, é querer arruiná-lo; é um
processo covarde e mau, que a justiça devia punir. Consolai-vos com a estima
das pessoas honestas; desprezemos, nós ambos, os mercenários escrevinha dores
que se erigem em juízes com tanta impudência quanta incapacidade; que louvam a
torto e a direito os que passam por ter um pouco de mérito e que investem
contra os que passam por não tê-lo. Eles oferecem ao mundo um espetáculo
degradante para a humanidade. Existe, porém, um espetáculo tanto mais nobre
quanto esse é aviltante: o dos homens de letras que, trilhando o mesmo caminho,
amam-se e estimam-se reciprocamente; que, sendo rivais, vivem como irmãos. Foi
o que dissestes em versos admiráveis, e constitui um exemplo que espero dar,
por muito tempo, privando convosco.
Vosso amigo
verdadeiro, etc.
Voltaire
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