Um Novo Tempo
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Física
sem mistério
Como
esse conceito evoluiu ao longo da história e foi revolucionado no século 20.
“O
que é o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem
me fizer a pergunta, já não sei." (Santo Agostinho, 354-430)
O
atual estilo de vida que levamos, principalmente nas grandes cidades, repleto
de compromissos e atividades, nos transforma em escravos do tempo. Sobra
pouco tempo para algumas das coisas que mais apreciamos, como ficarmos com as
pessoas que amamos ou fazermos o que realmente gostamos. Sem dúvida, ansiamos
por mais tempo. Tentamos nos libertar da opressão dos relógios, aprendendo a
otimizar as nossas atividades e a priorizar o que é realmente importante para
nós. Afinal de contas, sabemos realmente o que seja o tempo?
Analisada
do ponto de vista humano, a noção de tempo varia de indivíduo para indivíduo.
Dependendo da idade ou do momento de vida, sentimos sua passagem de maneira
diferente. Nos primeiros anos da infância, temos a sensação de que ele passa
muito devagar, quase como se fosse imóvel. Algumas crianças reclamam que
demora muito para chegar o aniversário, ou que os minutos durante os quais
são colocadas de castigo parecem uma eternidade. Conforme passamos pela
adolescência e chegamos à fase adulta, aumentam nossos compromissos e a
sensação é que o tempo começa a passar mais depressa. Para algumas pessoas,
principalmente as solitárias, ao atingir a velhice, o tempo também passa
lentamente.
Nossa
noção de tempo não está ligada apenas ao nosso íntimo – o tempo psicológico
–, mas está relacionada também à cultura e à sociedade em que estamos
inseridos. Percebemos sua passagem também a partir dos pontos de referência
demarcados por outras pessoas. Esses pontos de referência evoluíram muito
desde o início da humanidade. O tempo tem, portanto, uma história.
As
primeiras formas de marcar o tempo estavam relacionadas ao movimento dos
corpos celestes. Em particular, o movimento do Sol, da Lua e das estrelas
foram os primeiros relógios. Outros instrumentos como os relógios de areia e
a clipsidra (uma espécie de concha furada para vazar a água) eram utilizados
para medir intervalos mais curtos.
De
maneira mais objetiva, o tempo começou a ser medido com maior precisão na
época das Grandes Navegações, pois seu conhecimento era de fundamental
importância para orientar os navegantes. A diferença entre o tempo medido no
relógio e aquele associado com a posição do Sol permitia que os navegantes
determinassem a longitude, ou seja, quanto eles tinham viajado na direção
oeste-leste. A medida da latitude – quanto eles tinham viajado na direção
norte-sul – era determinada a partir da posição das estrelas no céu.
Por
volta do ano de 1762 foi inventado um relógio que tinha a precisão de um
segundo em um mês, mesmo em um barco em movimento. O relógio era acertado com
a hora do ponto de partida da embarcação e a longitude do ponto era calculada
comparando a diferença entre a hora local (medida pela altura solar, por
exemplo) com a hora que o relógio marca. Cada hora de diferença para mais ou
para menos corresponde a um deslocamento de 15 graus de longitude leste ou
oeste, respectivamente.
De
Galileu a Einstein
Galileu
Galilei, um dos maiores gênios da história, preocupou-se em medir e utilizar
o tempo como uma maneira de compreender a natureza. Ao determinar equações de
movimento da queda dos corpos, Galileu começou a mostrar que ele faz parte da
natureza, pois era possível prever os movimentos conforme o tempo passava.
Posteriormente, Isaac Newton, que construiu as bases da física clássica,
apresentou o conceito de tempo absoluto, como se fosse um rio que fluísse
sempre para frente e de maneira uniforme, seja qual fosse o ponto de vista –
o tempo simplesmente passa.
A
persitência da memória, tela de 1931 do catalão Salvador Dalí (1904-1989).
Entretanto,
no começo do século 20, o conceito de tempo, principalmente na física, mudou
radicalmente. Para explicar novas descobertas e ideias, como o fato de a luz
ser uma onda eletromagnética que viaja sempre na mesma velocidade de 300.000
km/s (1.080.000.000 km/h), independentemente de quem a esteja observando,
Albert Einstein, o cientista mais importante do século passado, introduziu o
conceito de que o tempo e o espaço não são coisas distintas, mas formam uma
unidade e não são apenas o palco no qual ocorrem os eventos da natureza, mas
também os protagonistas dessa história.
Ao
postular que a velocidade da luz é a velocidade limite do universo, Einstein
demonstrou que o tempo depende da velocidade com a qual nos movemos. Quando
nos aproximamos da velocidade da luz o tempo flui mais vagarosamente. Para
entendermos melhor, imagine que estamos viajando para um planeta distante a
dezenas de anos-luz da Terra (um ano-luz tem aproximadamente 10 trilhões de
quilômetros) e que a viagem foi feita com uma velocidade bem próxima à da
luz. Quando voltamos da viagem, para as pessoas que ficaram na Terra se
passaram dezenas de anos, mas para quem viajou se passaram apenas alguns
meses.
Aceleradores
de partículas e GPS
Esse
efeito, conhecido como dilatação temporal, é uma conseqüência do fato de a
velocidade da luz ser uma constante universal. Ainda não podemos realizar a
experiência descrita acima com seres humanos, mas algo similar já é realizado
com partículas atômicas. As máquinas chamadas de aceleradores de partículas,
que chegam a custar bilhões de dólares, aceleram prótons e elétrons para
velocidades muito próximas à da luz.
Essas
máquinas funcionam com altíssima precisão, pois levam em conta os efeitos de
dilatação do tempo. Todos os experimentos realizados até hoje comprovaram que
a teoria da relatividade está correta. Einstein mostrou ainda que a gravidade
também altera a passagem do tempo. Relógios atômicos como os que existem nos
satélites utilizados no sistema GPS (sistema de posicionamento global, na
sigla em inglês), que trabalham com precisão maior do que um nanossegundo,
são calibrados para levarem em conta as diferenças de campo gravitacional da
Terra devido à variação da altura da órbita desses satélites.
Dessa
forma, vemos que o tempo é relativo a quem está medindo e não existe um tempo
universal. O tempo não é apenas uma impressão dos nossos sentidos ou uma
invenção humana, mas realmente existe e faz parte da natureza. Um novo tempo
foi descoberto pelo homem e todos os seus mistérios ainda não foram
desvendados.
Adilson
de Oliveira
Departamento
de Física
Universidade
Federal de São Carlos
21/07/2006
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