Irmão Francisco Mello Siqueira
Em todas
as religiões orientais herméticas, desde as praticadas na China, Índia, Egito,
Grécia e outras, o processo de ensinamento consta de duas vertentes: a primeira,
é o discurso livre, exotérico, para o conhecimento de todos, do povo em geral,
sem reservas, em que pese o seu singelo estado cultural. O outro, é o processo
esotérico, reservado aos homens rigorosamente selecionados, segundo o seu maior
potencial e mais adiantado estado cultural, para a "iniciação" nos
mistérios religiosos. Esses serão preparados devidamente para entrar na posse
do conhecimento da verdade. Neste último ensinamento é que reside a exigência
do "Sigilo", para que os mistérios religiosos não sejam divulgados
àqueles que não estão preparados para conhecê-los.
Como teria
surgido nas religiões antigas a necessidade de se manter sigilo?
Presume-se
que nos idos do pós Dilúvio, quando prevalecia na terra as religiões na forma
de idolatria, os judeus decidiram formar uma ordem religiosa distinta, a qual
acolheria não somente os filhos de Israel mas, também, os gentios que
tradicionalmente professavam a fé no mesmo Deus. Num dado momento em que a
prática da religião tornou-se perigosa, para fugir à perseguição, para
preservar os seus segredos, tiveram que lançar mão do artifício de ministrar os
seus ensinamentos religiosos através de símbolos. Dentre os povos idólatras, os
segredos religiosos sempre estiveram somente nas mãos dos sacerdotes, os quais
praticavam a iniciação de adéptos sob o maior segredo. Mais tarde, a mesma
prática foi adotada pelos devotos de outras religiões herméticas, chegando no
correr dos tempos até à Maçonaria.
Dentre as
práticas das religiões antigas o "Sigilo" foi um dos subsídios
absorvidos pela nossa Sublime Ordem, conservados que foram os mesmos conceitos,
até hoje.
A
Maçonaria Universal, a nossa Sublime Ordem, na sua milenar sabedoria, ministra
os seus mistérios através de um processo gradual de ensinamento, o processo
esotérico, absorvido das religiões antigas, o qual é dado a conhecer aos seus
membros ao longo de todos os seus graus. Dentre as recomendações transmitidas,
duas delas merecem especial destaque neste trabalho. Em primeiro lugar, a
recomendação da Moral Maçônica, que é o comportamento que os membros deverão
observar, não somente nos templos maçônicos mas, o que é mais importante, nas
suas atividades profanas, como homens livres e de bons costumes, para
contribuírem como paradigmas na construção do bem estar social da Humanidade A
segunda recomendação está inserida na primeira, é a do Sigilo Maçônico, o qual
já é exigido do neófito no seu primeiro contato co a Maçonaria, no juramento
que presta na sua Iniciação, como de resto é, também, exigido de todos os membros
permanentemente no encerramento dos trabalhos das Lojas
O Sigilo
é, senão o mais importante, pelo menos um dos conceitos mais atacados pelos
opositores da Maçonaria. Essa oposição teve início depois da Constituição de
1723, a conhecida Constituição de Anderson, o qual, coadjuvado por
Desagulliers, modificou os rituais da Ordem, já, então, começando esta a ser
dominada. pelos intelectuais, pelos aristocratas e pelos dissidentes
religiosos. Começou aí a maçonaria especulativa. A partir de então teve início
o confronto com as igrejas anglicana e católica. Isso aconteceu provavelmente
porque a Constituição de Anderson não considerou o aspecto cristológico das Old
Charges, as quais eram o esteio da Maçonaria Operativa desde o século XIV.
Nessa
ocasião, no correr dos séculos XVIII e XIX, a Maçonaria, como ordem dita
secreta, tornou-se muito poderosa, tendo sido responsável pelos movimentos
revolucionários que eclodiram no mundo todo, dos quais fez parte os ocorridos
no Brasil, sendo o mais conhecido o movimento contra o jugo português, o da
Inconfidência Mineira.
No que
respeita ao significado do vocábulo "sigilo", se nos valermos do
Dicionário Aurélio verificaremos que os verbetes relacionados em seguida querem
significar, em suas raízes a mesma coisa. São praticamente sinônimos,
encontram-se entrelaçados em seus mais diversos significados. São eles
Mistério, Secreto, Reserva, Cautela, Precaução, Confidencial, Sigilo, Segredo,
Enigma, Oculto.
Para os
leigos e de um modo geral para o grande público, esses termos passam a tomar
significados diferentes, na medida em que tocam mais ou menos as emoções de
cada um. Assim, alguns desses vocábulos, tais como Reserva, Cautela e
Precaução, transmitem idéias normais, sem grande rigor na sua observância.
Todavia, outros como Mistério, Secreto, Oculto e Enigma, representam idéias
muito fortes e estremadas, de atividades pagãs,anti-cristãs, demoníacas,
ligadas ao sobrenatural e que extrapolam os sentidos humanos. Esses vocábulos
levam o homem a relaciona-los mais ao ocultismo, no seu sentido mais de
feitiçaria, magia, adivinhação, quiromancia etc. Outros, ainda, como Sigilo e
Segredo transmitem idéias medianas, cuja observância, entretanto, fica
determinada, fica exigida.
Assim é
que a adjetivação usada pelos inimigos da Maçonaria, rotulando-a de religião ou
organização secreta, objetiva impactar os sentimentos, as emoções do grande
público incauto, transmitindo-lhe sempre o sentido "negro" do
ocultismo.
Como pode
ser secreta a Maçonaria, quando as suas Constituições são registradas em
cartório? Como pode ser secreta a Maçonaria, quando ela dispõe de CGC? Como
pode ser secreta a Maçonaria, quando você, meu caro Irmão, eventualmente paga
os seus compromissos com a sua Loja, em banco, através de Ficha de Compensação
nominal? Como pode ser secreta a Maçonaria quando o seu endereço, através dos
templos maçônicos, são notoriamente conhecidos? Esses templos pagam os seus
impostos (IPTU) e as taxa de consumo de água e luz. A Maçonaria é, portanto,
conhecida dos povos e de todos os governos onde ela é praticada livremente.
Ao
contrario de nossa Sublime Ordem, as organizações secretas operam na
clandestinidade, na ilegalidade, sem paradeiros, sem endereços, em locais
"subterrâneos", desconhecidos e não sabidos. E mais, reúnem-se com
fins escusos.
Vejamos o
sentido figurado do vocábulo "subterrâneo", segundo o Dicionário do
mestre Aurélio:
Verbete:
subterrâneo. [Do lat. subterraneu.] Adj. 3. Fig. Feito clandestinamente;
secreto, ilegal: 4. Fig. Feito às ocultas com o fim de solapar, comprometer ou
destruir alguém ou algo: 5. Fig. Obscuro; misterioso: ~V. drenagem -a, lençol -
e lençol de água -a. ~V. subterrâneos.
A
Maçonaria já esteve na clandestinidade mais de uma vez, principalmente em
países totalitários. Mesmo no Brasil, pelas mãos do Imperador D. Pedro I, a
Maçonaria, que o elevou ao alto cargo de Grão-Mestre da Loja Grande Oriente do
Brasil, em 1822, foi fechada, por problemas políticos. O movimento maçônico
estava procurando a liberdade do povo, não mais que isso.
Dizer-se
que a Maçonaria é uma organização secreta, dentro desse conceito ocultista
usado pelos seus detratores que sofismam na sua argumentação é realmente mera
especulação.
Como pode
ser secreta uma organização que promove solenidades "brancas",
trazendo para os seus templos autoridades dos três poderes do governo, como
convidados ou como palestrantes e, até mesmo, como homenageados?
Como pode
ser secreta uma organização que não tem um poder central, como as praticadas
por àquelas marginais e herméticas e por muitas organizações religiosas,
inclusive as suas inimigas?
Como se
sabe, muitos livros escritos por Irmãos de nossos quadros, por Irmãos que
deixaram nossas colunas e, até mesmo, por leigos estudiosos da Maçonaria, estão
aí enchendo as prateleiras das livrarias, à disposição de quem queira
adquiri-los. Esses livros contam tudo? Sim, quando se trata de Irmãos
descontentes. Contam; contam quase tudo, quando se trata de autores verdadeiros
e justos maçons. Neste caso, só não contam o essencial, aquilo que só aos
iniciados cabe conhecer e que são os nossos mistérios, guardados do grande
público, através da prática do sigilo.
Mas a
segurança da Maçonaria é frágil. Ela pode e tem sido facilmente penetrada. Como
poderemos, então, guardar os nossos segredos? A porta de penetração é a seleção
de profanos para tomarem lugar entre nós. Por isso que a infidelidade maçônica
começa na má indicação de candidatos, passando pela sindicância mal feita. Esse
é o ponto Aqueles que foram mal selecionados, certamente não permanecerão por
muito tempo na nossa Sublime Ordem. Esses, via de regra, são potencialmente os
que mais provavelmente não titubearão em dar a público o pouco conhecimento que
chegaram a ter acesso. São esses maus maçons que até mesmo nos "passos
perdidos" aproveitam a oportunidade para solapar a Maçonaria. Como
deveremos reagir contra esses que, através da ignorância, da inveja, da
insatisfação e do ciúme, denigrem a nossa Sublime Ordem?
Entendo
que a fórmula certa para evitar essas desastrosas atitudes de homens não
preparados para integrar a nossa Sublime Ordem é, realmente, aumentar a
segurança, apertar o cerco da escolha. É depurar rigorosamente na seleção,
inclusive divulgando e submetendo as propostas às outras Lojas, tal como já o
fazem as Lojas coligadas da Baixada Santista. Propor somente àqueles de boa
formação moral, espiritual, justos, honestos, livres de consciência, de bons
costumes, àqueles que já nasceram "maçons". Essa é talvez a maneira
de enobrecermos nossa colunas, a maneira de preservarmos e mantermos a
intimidade de nossa Sublime Ordem. Não será com quantidade que haveremos de
fortalecer nossas colunas. Precisamos nos libertar desses intrigantes.
Veja-se,
em I Co 15:33, o que o apóstolo Paulo, a propósito do "diz que me
disse", recomenda aos Coríntios:
33 Não vos
enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes.
Foi num
trabalho de um nosso Irmão norte americano que encontrei uma sábia resposta. A
de que os verdadeiros segredos da Maçonaria são intangíveis.
A
Maçonaria tem sim os seus segredos, não há o que negar. Mas longe está de ser
uma organizão secreta. A exigência de sigilo de seus segredos começa no
juramento do recipiendário, do profano que está sendo iniciado nos mistérios da
Maçonaria, o qual segue, resumido: "... jurais e prometeis, ... em
presença do Grande Arquiteto do Universo: e de todos os Maçons ... nunca
revelar os Mistérios da Maçonaria que vos forem confiados...?
Bem, mas o
que há de extraordinário nisso? Qual a organização, seja ela religiosa,
comercial, intelectual ou familiar, que não tenha segredos ou não pratica
reservas ou sigilo de algumas coisas ou fatos? Isso começa a ser praticado na
célula social, a família. Todas, inclusive a nossa, evidentemente, mantém no
recôndito de sua intimidade fatos, negócios, particularidades físicas e
espirituais de seus membros. Esse é o sigilo. É o recatamento natural, inerente
ao ser humano. Todos os governos têm os seus assim chamados "segredos de
estado" e nem por isso são de caráter ocultista. E, no mundo dos negócios a
"alma" é o segredo.
Os nossos
segredos maçônicos sujeitam até mesmo os nossos Irmãos. São segredos de
câmaras, tratados em níveis diferentes, especificamente nas Loja de cada grau.
A Maçonaria proclama o cuidado que se deve ter no trato dos assuntos, sejam
eles filosóficos, morais, ritualísticos, administrativos e, o que é muito comum
e particularmente importante, os assuntos pessoais de Irmãos, cuja câmara
específica para analisar e decidir sobre os mesmos é o Conselho de Família. Por
isso que, para resguardar o sigilo da Ordem, não se encontram segredos escritos
em nossos rituais. A sua transmissão é oral. É de boca para ouvido. É o sigilo
de "confessionário"! De resto é isso que nos permite reconhecermo-nos
discretamente.
Não seria
demais citarmos que o próprio Jesus Cristo, o nosso amantíssimo Redentor, no
seu ministério aqui na terra usava as duas formas, a exotérica e a esotérica,
nos seus ensinamentos ao povo e aos discípulos, respectivamente. Quando falava
aos discípulos, pedia-lhes sigilo daquilo que ensinava. Entre tantas citações
que se encontram na Bíblia a esse respeito, vale mencionar pelo menos a que se
encontra em Mt. 17: 9, a qual registra as palavras de Jesus a Pedro, Tiago e
João, depois da transfiguração:
9 Enquanto
desciam do monte, Jesus lhes ordenou: A ninguém conteis a visão, até que o
Filho do homem seja ressuscitado dentre os mortos.
A prática
do sigilo é permanentemente lembrada nas Lojas. Por exemplo, nas Lojas
vinculadas a Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo, e cujo rito praticado
é o Escoces Antigo e Aceito (REAA), qualquer que seja o grau trabalhado, o
encerramento dá-se sempre pelo Veneravel Mestre pronunciando as seguintes
palavras, que resumimos: "... Antes, porém. de nos retirarmos, juremos o
mais profundo silêncio sobre tudo quanto aqui se passou!"
Já, em
outra potência, o Grande Oriente do Brasil, por exemplo, essa preocupação não é
tão grande. Os manuais omitem esse juramento.
Se nos
reportarmos aos graus filosóficos, particularmente no REAA, o Supremo Conselho
do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria para a República
Federativa do Brasil, encontraremos lá, sistematicamente, em todos os graus, a
mesma preocupação, mas, não tão forte.. Quando do encerramento, o presidente da
Loja pede o juramento dos Irmãos, com uma, também, pequena diferença,: no lugar
de "o mais profundo" usado pela Maçonaria Simbólica é dito "o
mais conveniente".
Como
vimos, nos três casos acima citados, há três maneiras diferentes de tratar o
sigilo na Maçonaria. Provavelmente em razão de modificações dos rituais, ao
longo do tempo. Em que pese a validade de suas diferentes colocações,
entendemos que o "sobre tudo" não pode ser tomado ao pé da letra,
pois nem tudo o que é tratado em Loja é segredo. Essa colocação não deve
transpor os limites de uma força de expressão! Trata-se, como entendo, de um
princípio, no sentido de um axioma e não de uma regra, no sentido de lei.
Entretanto, já tenho percebido Irmãos que tratam o assunto sob forte emoção.
Isso me
faz lembrar de algumas pessoas que exarcebam o sentido das palavras do apóstolo
Paulo na sua primeira epístola aos Tessalonicenses, em I Ts 5:16-18. Só para
citar um exemplo de como é necessário marter-se o bom senso, transcrevemos
abaixo apenas o versículo 17:
17 orai
sem cessar;
Como pode
alguém orar sem cessar? E, então, como isso deve ser entendido? Deve ser
entendido como princípio e nunca como prática permanente ou como costume, como
regra, como lei. Mas a nossa alma deve viver o clima da oração, valendo-nos
dela sempre que oportuno ou necessário.
O cuidado de preservar os nossos segredos, o nosso sigilo, é muito
importante e deve merecer de todos Irmãos uma grande e firme atenção, para
assegurar à nossa Sublime Ordem uma eficiente, tranquilizadora e cada vez maior
segurança. Isso é parte indispensável do comportamento maçônico. Como no caso
da oração, devemos estar sempre alertas, para preservar o "sigilo
maçônico".
Nenhum comentário:
Postar um comentário