Ética Maçônica
Ética
Maçônica
Devo
antecipar que o tema nunca foi das minhas preocupações intelectuais. Não que
não seja um tema afeto às minhas atividades profissionais, mas é que,
maçonicamente, nunca parei para avaliar o assunto. Em outras palavras: sou
leigo, embora entenda que o discurso sobre ética no meio maçônico não deve
ficar girado em torno de mesmices assentadas nas concepções individuais de cada
um dos irmãos. O mínimo ideal seria que o discurso moralizante e a ética
maçônica de que muitos falam e outros desejam, fosse como uma Fênix Árabe, a
ave lendária que renascia de suas cinzas. Mas, não posso me furtar ao
entendimento de que o pluralismo cultural dos irmãos e da sociedade, o
assombroso desenvolvimento das áreas do conhecimento e do saber humano, e o
barulho materialístico-consumístico das práticas comerciais e das relações
humanas têm deixado muitos irmãos sem o referencial unificador de inspiração e
de comportamento ético que historicamente foi exercido pelas religiões e pela
metafísica filosófica. Portanto, tudo é perdoável.
O fio da
reflexão que pretendo tecer é simples, desde que se entenda que “a ética é a
teoria ou a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade”, ou seja,
“ética é a ciência de uma forma específica de comportamento humano” ou,
simplesmente, “a doutrina dos costumes”. O termo ética vem do grego ethos, que
significa analogamente “modo de ser” ou “caráter” enquanto forma de vida
adquirida ou conquistada pelo homem. A ética maçônica, paralelamente ao
conceito geral de ética, é bem menos ampla e menos exigente. Tem por fundamento
os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade como máxima no
relacionamento humano, a concretização ou realização dos valores do homem
iniciado maçom e observância das regras morais consuetudinárias ou inscritas
nos rituais e regulamentos maçônicos.
Não dispõe a
Maçonaria de um “Código de Ética” que possa constituir um compromisso de honra
para os que aceitam ingressar em nossa Ordem, e todos sabem que, ao ingressar
na Maçonaria, cada indivíduo traz consigo os valores do seu convívio social,
suas concepções morais e éticas já elaboradas, o que pode provocar na
convivência maçônica comportamentos aéticos, a exemplo das omissões, das
disputas pelo poder, perseguições, malversação dos conhecimentos e da doutrina
maçônica, excessos no uso da inteligência e da desinteligência e, as mais
variadas formas de indisciplina e inadaptabilidades às regras maçônicas,
causando o enfraquecimento do sentido de unidade do corpo social. E aí fico a
me perguntar se seria o “Código de Ética”, caso existisse, plenamente seguido
ou obedecido pela universalidade dos maçons? Teria a Maçonaria, enquanto
instituição universal, mecanismos capazes de cumprir e fazer cumprir as regras
éticas assinaladas nesse código? Tenho lá minhas dúvidas. Mas pensar que não
funciona, não é, em verdade, uma atitude filosófica, nem ética e muito menos
maçônica.
A
singularidade da ética maçônica nos permite dar um passo à frente. Preliminares
do simbolismo e dos instrumentos maçônicos, as atitudes e os gestos
ritualísticos estão a demonstrar o caminho a ser trilhado pelo maçom. A eles
aditem-se, ainda, as Constituições Gerais da Ordem, os Landmarks, as Leis e
Regulamentos específicos das Lojas, então, aí temos quase que definidos um
conjunto de regras de conduta válidos para todos os tempos e para todos os
homens que adentraram pelos portais iniciáticos das cerimônias e ritualísticas
maçônicas. E tudo isso faz parte de um tipo de comportamento efetivo, tanto dos
indivíduos quanto das Lojas e das Potências Maçônicas de ontem e de hoje. E é a
este conjunto prático-moral meio difuso a que se submete o maçom, sem muitas
reflexões sobre ele. A ética maçônica, por assim dizer, é um comportamento
pautado por normas que consiste em seu fim – o bem-estar social coletivo –
visado pelo comportamento moral do qual faz parte o procedimento do indivíduo
ou de todos os membros da Ordem.
O problema
em sua saga ética e moral reside, basicamente, no que fazer ou em como se
comportar frente a cada situação concreta do indivíduo na sociedade, se não
existe um código de ética maçônico como escopo social que possa tipificar as
condutas e registrar as violações às regras estabelecidas. Sei, e isto é comum,
que em situação de tomada de decisão, os indivíduos se defrontam com a
necessidade de pautar o seu comportamento por normas que julgam mais
apropriadas ou mais dignas de serem cumpridas e é aí que as regras maçônicas
vão para as laterais das regras sociais vigentes. Por conseguinte, na vida
real, o maçom, como qualquer outro indivíduo ou ser social, ao defrontar-se com
os problemas recorre, para resolvê-los, às normas reconhecidamente profanas,
cumpre determinados atos, formula juízos e, muitas vezes, se serve de
determinados argumentos ou razões para justificar a decisão tomada ou o ato
praticado. E o faz, muitas vezes, totalmente em desacordo com as normas
maçônicas.
Eis que
chegou a hora de costurar os fios do discurso para que ele não fique como uma
construção sem alicerces. Como exemplo, pode-se dizer que “o bem comum proposto
pela maçonaria universal compreende o conjunto das condições
sócio-política-econômica-cultural que permitam aos indivíduos, famílias e
nações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição” ou “fazer o bem
sem olhar a quem”, que como problema teórico não se identifica com os problemas
práticos dos seus adeptos, muito embora possam estar relativamente relacionados
com a moral maçônica de promoção dos objetivos da Ordem.
A ética
maçônica, não deve ser mera transcrição de um discurso irracionalmente ordenado
das razões normativas, axiológicas e teleológicas presentes no cotidiano das
sessões maçônicas cuja força espontânea de persuasão se enfraquece ante o
quadro de crise histórica da sociedade atual. E, os maçons vanguardistas e
adeptos de renovação não devem se conformar em saber – saber por saber – que a
qualidade ética do ato humano, longe de medir um preceito, divino, natural,
legal ou humano, depende da conformidade com a consciência e, que, o ato humano
é bom ou mau na medida em que a autodecisão do maçom se conforma ou não com o
que a consciência diz ser justo e reto. Neste particular é preciso
determinar-se o que possa efetivamente vir a ser ética maçônica, a partir da
qual se estabelecerão os padrões de comportamentos a serem observados por toda
a comunidade dos iniciados maçons. Este é o trabalho a ser executado.
A instância
fundamental de uma possível ética maçônica, deve ser alicerçada no fato de “que
cada ser humano deva ser tratado humanamente”, instância similar à enunciada
por muitas religiões e ordens iniciáticas: “o que você não quer que lhe seja
feito não o faça aos outros”. E isto necessita ser, além de uma proposta, um
discurso aberto e entendido por todos. Ficamos por aqui, e esperamos ter
contribuído de alguma forma para a instituição de uma possível ética maçônica,
entendendo que a nossa Ordem necessita substituir o anacrônico Código Penal por
um atualizado Código de Ética.
*Presidente
da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal e membro da ARLS Antônio
Francisco Lisboa nº 24/Brasília-DF.
Fonte: ASCETA
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