Herança
Educacional Iluminista
Charles Evaldo Boller
Foram significativas as mudanças que
se manifestaram na Europa durante o século XVIII, e entre estas surgiu a
Maçonaria Especulativa (1717), como parte ativa do processo de gradativa
migração do poder para a burguesia, concentrado até então na nobreza e no
clero. O Teocentrismo Medieval, Deus como centro de tudo, há muito instigava ao
lançamento de ideias que fortaleciam o poder do cidadão. Aos poucos o poder
absoluto sobre o cidadão foi desaparecendo e definiram-se os contornos da
Democracia. Na época, por herança de práticas e costumes medievais, os nobres
viviam à custa dos esforços de outros cidadãos da sociedade, o que prejudicou o
nascimento da indústria e dificultava o livre comércio.
Com a invenção e desenvolvimento da
máquina a vapor entre 1765 e 1790, por James Watt (1736-1819), se estabelece o
início da Revolução Industrial, marca do fim do poder de imperadores e papas, e
nascimento do poder do povo. Os burgueses, na Revolução Francesa (1789-1799),
usaram de palavras cunhadas por Rousseau (1712-1778) que estabeleceram
princípios de liberdade, igualdade e fraternidade através das luzes, divisa
usada até hoje pela Maçonaria. Onde a Luz dos iluministas significava o poder
da razão humana de interpretar e reorganizar o Universo. O Movimento Iluminista
visava inicialmente à liberdade de pesquisa científica, ação que através de
Rousseau estendeu-se depois para a educação natural com ênfase no
condicionamento moral e cívico.
O Século das Luzes teve inúmeros
mentores, cuja ampla maioria concordava que, em resumo, apenas a educação
poderia proporcionar os meios para livrar os homens das garras do poder
absoluto que embotava o desenvolvimento. Qualquer poder estabelecido sabe, e a
Maçonaria promove, que um povo instruído e educado é mais difícil de conduzir
com dogmas e crendices, mas é mais feliz porque assume o controle da sua
convivência pacífica na sociedade.
O Liberalismo foi outra forte
movimentação da burguesia. Atuando na economia, François Quesnay (1694-1774) e
Adam Smith (1723-1790) representam as aspirações do cidadão em gerenciar seus
próprios negócios sem a interferência do Estado. Defendia-se a economia
perseguindo caminhos ditados por leis naturais, onde a figura de um Estado
intervencionista não existe. Na política, os mesmos ideais liberais lutavam de
todas as formas contra o absolutismo. Na moral buscavam-se formas laicas de
tornar naturais as ações do comportamento humano.
Por conta de abusos clericais e da
inquisição, que durou mais de seiscentos anos, de 1183 até 1821, o Iluminismo rejeitava
a adesão à religião. Principalmente às filosofias religiosas povoadas de
fantasias e alegorias ilógicas e impostas como verdades, que pelo aspecto
verossímil são colocadas como fatos verdadeiros ao invés de declaradas de
origem ficcional, apenas para fins de ilustração de verdades e filosofias.
Os iluministas combatiam os dogmas
que em religião estabelecem invenções forçadas, inverossímeis, determinadas por
decreto pela autoridade religiosa como verdade divina revelada e que o adepto
tem por obrigação acatar; são imutáveis; verdades absolutas que sequer permitem
discussão, nem mesmo pensar em contestação; imposição que determina como o
adepto deve pensar e até sentir. Foi contra as religiões que impõem dogmas e
fantasias, que os iluministas se rebelaram; não eram ateus, muito ao contrário!
- Isto, mesmo hoje, não passa de acusação leviana, falsa e insidiosa de parte
dos detratores do Iluminismo. Defendiam o aporte de uma religião natural, com
orientação mais racional de fé, ou crença naquilo que não é visto e ser apenas
sentido ou intuído. Bastava-lhes a fé num princípio criador - semelhante ao que
era percebido pelo pensamento lógico do homem da natureza, o qual percebia a
impossibilidade de sua existência ser obra do acaso; para o qual é aceitável a
existência de uma mente criadora lógica e orientadora da exuberante e
diversificada natureza que o cercava e servia; e com a qual vivia em
dependência. Hoje se reconhece a simbiose evolutiva como obra criativa, onde a
criação é resultado da cooperação e co-evolução das células em processos
evolutivos cada vez mais intrincados e complexos orientados por leis definidas
por uma mente orientadora, conceito ao qual o maçom denomina Grande Arquiteto
do Universo.
O Iluminismo influenciou o Deísmo,
doutrina que considera a razão como a única maneira de assegurar a existência
de Deus. Principalmente por isto, os detratores do Iluminismo acusaram o
movimento de introdutor do ateísmo na sociedade moderna, entretanto, aquele
movimento defendia a religião natural, sem dogmas e fanatismo. Para o
iluminista, Deus é o Primeiro Motor, o Supremo Criador. Desta magnífica idéia a
Maçonaria, que não é religião, herdou o conceito Grande Arquiteto do Universo,
o que possibilita a reunião de diversas linhas filosóficas e religiosas num
mesmo foro de debate, que de forma proativa discute os problemas da sociedade e
do homem; ato impossível para outras instituições, mormente religiões que nunca
se entendem e provavelmente nunca chegarão a acordos fraternos na solução de
qualquer problema devido ao ódio que nutrem entre si e aos que não concordam
com seus dogmas.
Na prática maçônica, as proibições de
discussões religiosas nada têm de incentivo ao ateísmo, mas têm por finalidade
afastar o maçom de discussões vazias dentro do pântano do fundamentalismo
religioso e o conduzir para uma espiritualidade natural, respeitando crenças e
a religião de seus irmãos, independente de qual seja. O ateu não é recebido
pela Ordem Maçônica; para entrar é exigida crença num Princípio Criador e numa
vida futura. Para o maçom a espiritualidade é parte do corpo, é sentida como a
plenitude da mente e do corpo; mente e corpo vivos, formando uma unidade. Os
momentos de consciência espiritual são observados como unidade, uma percepção
de pertencer ao Universo como um todo. A Loja estabelecida é representação
deste Universo, o útero da criação, de onde o homem é parte integrante do todo.
Quando o maçom contempla a Loja como representação do Universo, percebe que não
está lançado em meio ao caos. "Ordo ab Caos", ordem no caos, é sua
divisa e inspiração de que é parte de um projeto maior, de uma ordem mais
elevada, parte integrante de uma imensa sinfonia da vida conduzida pelo Grande
Geômetra, o Maestro da Criação e Grande Arquiteto do Universo. A sua projeção de
vida futura é construída no fato de que o seu corpo nunca morrerá e remanescerá
vivo, mesmo depois que seu corpo se desfizer em seus elementos moleculares a
vida continua. E não apenas o sopro da vida, que é comum a todos os seres
viventes, continua vivo, mas também os princípios da organização vital dos
seres viventes da biosfera. É esta consciência de ser parte do Universo, de ser
esta a sua casa, é desta sensação de pertencer, de ser parte do todo que
desperta no maçom o mais respeitoso e profundo sentido para a vida.
Quando na Maçonaria a Bíblia
Judaico-cristã é utilizada na construção de parábolas e alegorias, na
representação de pensamentos e ideias de forma figurada, os textos são
utilizados apenas como referência para a criação de estórias. As alegorias
copiadas e depois adaptadas são pura ficção! Verossimilhança que serve apenas
de suporte para a criação de parábolas que auxiliam na educação natural; esta
utilização é deixada bem clara para todos; é a educação da Maçonaria voltada
para a liberdade; educação natural criada por Rousseau (1712-1778) e
complementada por Kant (1724-1804). Por outro lado, a mesma Bíblia é utilizada
nas atividades litúrgicas das lojas formadas por irmãos de religiões cristãs
como Livro da Lei, a mais alta e sagrada representação do grupo, sobre a qual
se fazem juramentos e promessas, e da qual se extraem pensamentos e sabedoria;
o maçom cristão é constantemente instigado a usá-la como fonte de inspiração no
trabalho na pedra; na absoluta maioria dos ritos, nenhuma sessão maçônica
inicia sem que um trecho da mesma seja lido no momento mais solene de abertura
ritualística dos trabalhos.
A liturgia e instrução maçônica
constam de alegorias definidas em todos os aspectos como invenções,
historinhas, fantasias, de uso puramente pedagógico e com o único objetivo de
construir novas idéias pelos eternos ciclos de construção do pensamento. Estes
ciclos, que Hegel (1770-1893) definiu como Contradição Dialética, constituída
de: Tese, Antítese e Síntese, é base do desenvolvimento de todo o conhecimento
humano: Tese é a afirmação; Antítese a negação ou complementação da Tese;
Síntese a superação da contradição; é quando surge uma nova e inusitada idéia,
diferente da primeira e da segunda. Então se inicia um novo ciclo de Tese,
Antítese e Síntese. E o processo não tem fim. É o que ocorre nos debates da
Maçonaria aonde, através da educação natural, se constroem templos, templos
vivos e livres.
Estes são alguns dos aspectos do
movimento Iluminista que influenciaram a Maçonaria quando de sua fundação como
instituição especulativa. Mesmo bebendo de inúmeras outras fontes de inspiração
simbólica e alegórica foi esta a origem de que a Ordem Maçônica se utilizou
para promover a volta do homem natural perdido desde Atenas, Grécia antiga,
reportado por Platão em "A República". Na Maçonaria o homem moderno
tem a oportunidade de recuperar o que perdeu em virtude do desmonte da escola
hodierna, colocar os pés no chão, trabalhar um templo vivo, dentro de um templo
material, edificado pela Maçonaria praticamente só para a sublime finalidade do
homem se auto-construir. Mas é dentro do grande templo da sociedade, um templo
vivo feito por homens naturais que cada artífice trabalha na pedra, e com a
sabedoria da razão, a força da vontade, ele constrói a sua beleza interior para
honra e à glória do Grande Arquiteto do Universo!
Bibliografia:
1. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda,
História da Educação e da Pedagogia, Geral e Brasil, ISBN 85-16-05020-3,
terceira edição, Editora Moderna Ltda., 384 páginas, São Paulo, 2006;
2. CAPRA, Fritjof, A Teia da Vida,
Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos, título original: The Web of
Life, a New Scientific Understandding Ofliving Systems, tradução: Newton
Roberval Eichemberg, ISBN 85-316-0556-3, primeira edição, Editora Pensamento
Cultrix Ltda., 256 páginas, São Paulo, 1996;
3. CAPRA, Fritjof, As Conexões
Ocultas, Ciência para a Vida Sustentável, título original: The Hidden
Connections, tradução: Marcelo Brandão Cipolla, 13ª edição, Editora Pensamento
Cultrix Ltda., 296 páginas, São Paulo, 2002;
4. ROHDEN, Humberto, Educação do
Homem Integral, primeira edição, Martin Claret, 140 páginas, São Paulo, 2007.
Biografias:
1. Adam Smith, economista, filósofo e
político de nacionalidade escocesa. Nasceu em Kirkcaldy, Escócia em 5 de junho
de 1723. Faleceu em Edimburgo, em 17 de junho de 1790, com 67 anos de idade.
Considerado o fundador da economia liberal clássica;
2. François Quesnay, economista de
nacionalidade francesa. Nasceu em 4 de junho de 1694. Faleceu, em 1774, com 79
anos de idade;
3. Fritjof Capra, autor, físico e
teórico de sistemas. Nasceu em 1 de fevereiro de 1939, com 69 anos de idade;
4. Hegel ou Georg Wilhelm Friedrich
Hegel, filósofo de nacionalidade alemã. Nasceu em Stuttgart em 27 de agosto de
1770. Faleceu em Berlim, em 14 de novembro de 1831, com 61 anos de idade. Um
dos criadores do idealismo;
5. Humberto Rohden, autor e professor
de nacionalidade brasileira. Autor de: O Processo de Sindicância;
6. James Watt, engenheiro e inventor
de nacionalidade escocesa. Também conhecido por Jacobo Watt. Nasceu em
Greenock, Escócia em 19 de janeiro de 1736. Faleceu em Heathfield, Inglaterra,
em 25 de agosto de 1819, com 83 anos de idade. Inventor do primeiro motor a
vapor;
7. Kant ou Immanuel Kant,
conferencista, filósofo, maçom, professor e teólogo de nacionalidade alemã.
Nasceu em Königsberg em 22 de abril de 1724. Faleceu em Königsberg, em 12 de
fevereiro de 1804, com 79 anos de idade. Geralmente considerado como o último
grande filósofo dos princípios da era moderna, indiscutivelmente um dos seus
pensadores mais influentes;
8. Maria Lúcia de Arruda Aranha,
autora e professora de nacionalidade brasileira. Licenciada em filosofia pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
9. Platão ou Platão de Atenas,
filósofo grego. Também conhecido por Aristócles Platão de Atenas. Nasceu em
Atenas em 428 a. C. Faleceu em Atenas, em 347 a. C. Considerado um dos mais
importantes filósofos de todos os tempos;
10. Rousseau ou Jean-Jacques Rousseau, ensaísta,
escritor, filósofo, pedagogo e sociólogo de nacionalidade francesa. Nasceu em
Genebra, Suíça em 28 de junho de 1712. Faleceu, em 2 de julho de 1778, com 65
anos de idade. Foi de suma influência na Revolução Francesa e no Romantismo.
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