O
Espiritismo e a franco-maçonaria.
(Sociedade
Espírita de Paris, 25 de fevereiro de 1864.)
Nota.
- Nesta sessão, agradecimentos foram dirigidos ao
Espírito de Guttemberg, com pedido de consentir em tomar parte em nossas
conversas, quando o julgasse oportuno.
Na
mesma sessão, a presença de vários dignatários estrangeiros da Ordem Maçônica, motivou
a pergunta seguinte:
Que
concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-Maçonaria? Várias
dissertações foram obtidas sobre este assunto.
I
Senhor
Presidente, agradeço-vos pelo vosso amável convite; foi a primeira vez que uma
de minhas comunicações foi lida na Sociedade Espírita de Paris, e esta não
será, eu o espero, a última.
Talvez
encontrastes em minhas reflexões um pouco longas sobre a imprensa alguns pensamentos
que não aprovais completamente; mas, refletindo na dificuldade que sentimos para
nos colocarmos em relação com os médiuns e empregar as suas faculdades, consenti
em passar ligeiramente sobre certas expressões ou certos torneios de linguagem que
não estamos sempre no estado de dominar. Mais tarde, a eletricidade fará sua
revolução medianímica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o
pensamento do Espírito, não encontrareis mais dessas lacunas, algumas vezes
lamentáveis, sobretudo quando
as comunicações são lidas diante dos estrangeiros.
Falastes
da franco-maçonaria, e tendes razão de esperar encontrar nela bons elementos.
Que
se pede a todo maçom iniciado? De crerem na imortalidade da alma, no divino Arquiteto,
de serem benfazejos, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a
igualdade na mais ampla escala; há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o
Espiritismo de tal modo evidente que fere os olhos.
A
questão do Espiritismo foi levada à ordem do dia em várias lojas, e eis qual
foi o resultado disso: leram-se volumosos relatórios desordenados sobre esse
assunto, mas não se o estudou a fundo, o que fez que ali, como em muitos outros
lugares discutiu-se sobre uma coisa que não se conhece, julgando-o sobre o
ouvir dizer muito mais do que sobre a realidade. No entanto, muitos maçons são
Espíritas, e trabalham grandemente para propagar esta crença; todos os ouvidos
escutam, e se o hábito diz: Não; a razão diz: Sim.
Esperai,
pois; porque o tempo é um recrutador sem igual; por ele as impressões se modificam,
e, necessariamente, no vasto campo dos estudos abertos nas lojas, o estudo espírita
entrará como complemento; porque isso já está no ar; riu-se, falou-se: não se ri
mais, medita-se.
Então,
pois, tereis um viveiro espírita nessas sociedades essencialmente liberais; por
elas, entrareis plenamente nesse segundo período que deve preparar os caminhos prometidos.
Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez; porque a moral
dos Espíritos dará um corpo a essa seita tão comprometida, tão temida, mas que fez
mais bem do que não se crê.
Tudo
tem uma laboriosa criação, uma afinidade misteriosa; e se isso existe por
aquilo que perturba as camadas sociais, isso é muito mais verdadeiro por aquilo
que conduz ao adiantamento moral dos povos.
GUTTEMBERG
(Médium, Sr. Leymarie.)
II
Meu
caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes
à sessão), venho com alegria ao benevolente chamado que fazes aos Espíritos que
amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para cimentar essa
associação generosa, duas vezes derramei meu sangue; duas vezes as praças
públicas desta cidade tingiram-se com o sangue do pobre Jacques Mole. Caros
irmãos, seria preciso dar-lhe uma terceira? Direi com alegria: Não. Foi-nos
dito: Nada mais de sangue, nada mais de
despotismo,
nada mais de carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de
boa vontade que não desejam senão uma coisa: conhecer a verdade para fazer o
bem! Não tinha ainda me comunicado nesta assembleia; enquanto faláveis em
ciência espírita, filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais
aptos para vos dar conselhos sobre estes diversos pontos, e esperei
pacientemente, sabendo que minha vez chegaria; há tempo para tudo, do mesmo
modo há momentos para todos; também, creio que a hora soou e que o momento é
oportuno. Posso, pois, vir vos dizer qual é minha opinião a respeito do
Espiritismo e a franco-maçonaria.
As
instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento para a
felicidade.
Numa
época em que toda ideia liberal era considerada como um crime, era necessária aos
homens uma força que, embora estando submetida às leis, não fosse menos emancipada:
emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensinamento.
A religião, nessa época, era ainda, não mãe consoladora, mas uma força despótica
que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo curvar sob a sua vontade;
ela era um objeto de temor para quem quisesse, como livre pensador, agir e dar aos
homens sofredores algum encorajamento, e na infelicidade, algumas consolações morais.
Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os
únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem
podia ainda se dizer homem, onde a criança podia esperar encontrar mais tarde
um protetor, e o abandonado dos amigos.
Vários
séculos se passaram e todos acrescentaram algumas flores a mais na coroa maçônica.
Foram mártires, homens letrados, legisladores, que juntaram à sua glória em se
lhe fazendo os defensores e os conservadores. No décimo nono século, o
Espiritismo vem, com a sua clara bandeira, dar a mão aos comendadores, aos
rosa cruzes, e com voz trovejante lhes gritar: Vamos, meus irmãos, sou
verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde,
dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Alguns dias ainda, e o
Espiritismo terá transposto o muro que separa a maioria do
recinto do templo dos segredos; e, desse dia, a sociedade verá florescer em seu
seio a mais bela flor espírita que, deixando cair as suas pétalas, dará uma
semente regeneradora de verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas
do dia em que terá dado a mão à franco-maçonaria, todas dificuldades serão
vencidas, todo obstáculo será levantado, a verdade se fará luz, e o maior
progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono
onde logo deve reinar.
A
vós, saudação fraterna e amiga.
JACQUES
DE MOLE (Médium, Srta. Béguet).
III
Fiquei
muito encantado em misturar-me às discussões deste centro tão profundamente espiritualista,
e retorno atraído por Guttemberg, como fora outro dia por Jacquart.
A
maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou a questão de um ponto de vista
de ofício, e não viu principalmente nessa bela invenção senão o lado prático,
material, utilitário. Ampliemos o debate, e tomemos a questão de mais
alto.
Seria
um erro crer que a imprensa veio substituir a arquitetura, porque esta
permanecerá para continuar o seu papel historiográfico, por meio de monumentos
característicos, tocados com a marca do espírito de cada século, de cada
geração, de cada revolução humanitária. Não; digamo-lo claramente, a imprensa
não veio nada derrubar; veio para completar, e por sua obra especial, grande e
emancipadora; ela chegou em sua hora, como todas as descobertas que eclodem
providencialmente neste mundo. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora, e
que, por aí, transtornou a velha arte das batalhas, Guttemberg
trouxe uma nova alavanca para a expansão das ideias. Não o esqueçamos: a
imprensa não podia ter a sua legítima razão de ser senão para a emancipação das
massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a
satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, a imprensa
teria se debatido por muito tempo ainda no vazio, e não teria sido considerada
senão como o sonho de um louco, ou como uma utopia sem importância. Não foi
assim que foram tratados os primeiros inventores, dizemos melhor, aqueles que,
os primeiros, descobriram e constataram as propriedades
do vapor? Fazei nascer Guttemberg nas ilhas Andaman, e a imprensa aborta fatalmente.
Portanto,
a ideia: eis a alavanca primordial que é preciso considerar. Sem a ideia, sem o
trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos, e mesmo dos
monges sonhadores da Idade Média, a imprensa teria permanecido letra morta.
Guttemberg pode, pois, queimar mais de uma vela em honra dos dialéticos da
escola que fizeram germinar a ideia, e desbastar as inteligências. A ideia
fervorosa, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o
maior motor das descobertas e das invenções.
Criar
uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à
ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à procura do que satisfará
essa nova necessidade da Humanidade; é porque, por toda a parte onde a ideia for
soberana, por toda parte onde ela for acolhida com respeito, por toda a parte,
enfim, onde os pensadores forem honrados, se estará seguro de progredir para
Deus.
A
franco-maçonaria, contra a qual tanto se gritou, contra a qual a Igreja romana
não teve bastante anátemas, e que por isso não sobreviveu menos, a
franco-maçonaria abriu seus templos a dois batentes ao culto emancipador da
ideia. Em seu seio, todas as questões mais graves foram tratadas, e, antes que
o Espiritismo fizesse a sua aparição, os veneráveis e os grandes mestres sabiam
e professavam que a alma é imortal, e que os mundos visíveis e invisíveis se
comunicam entre si. É lá, nesses santuários onde os profanos eram admitidos,
que os Swedenborg, os Pascal, os Saint-Martin, obtiveram fulminantes resultados;
foi lá onde a grande Sofia, essa inspiradora etérea, veio ensinar a
esses primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores onde 89 hauriu seus
princípios fecundos e generosos; foi lá onde., bem antes de vossos médiuns
contemporâneos, dos precursores de vossa mediunidade, grandes desconhecidos,
tinham evocado e feito aparecer os sábios da antiguidade e os primeiros séculos
da era; foi lá... Mas detenho-me; o quadro restrito de vossas sessões, o tempo
que se escoa, não me permitem estender-me, como o queria, sobre este
interessante assunto. A ele voltaremos mais tarde. Tudo o que direi é que o
Espiritismo encontrará, no seio das lojas maçônicas, uma falange numerosa e
compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inquebrantáveis
em sua fé.
O
Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e caridosas da franco maçonaria;
ele sanciona as crenças que ela professa, dando provas irrecusáveis da
imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propôs: a
união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. É que os
Espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as
classes, não se olham como irmãos? Não há entre eles uma verdadeira
franco-maçonaria, com essa diferença de que em lugar de ser secreto,
ela se pratica à luz do dia? Homens esclarecidos como aqueles que ela possui, que
as suas luzes colocam acima dos preconceitos de grupos e da castas, não podem
ver com indiferença o movimento que essa nova doutrina, essencialmente
emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso
moral seria abjurar seus princípios e se colocar ao nível dos homens
retrógrados. Não, disso estou seguro, não se deixarão transbordar, porque vejo
nisso que, sob a nossa influência, vão tomar em mão
essa grave questão.
O
Espiritismo é uma corrente de ideias irresistível, que deve ganhar todo o
mundo: isso não é senão uma questão de tempo; ora, seria desconhecer o caráter
da instituição maçônica, crer que ela consentirá em se aniquilar, e a
desempenhar um papel negativo no meio do movimento que eleva a Humanidade para
a frente; sobretudo, crer que ela lançará o apagador sobre a chama, como se
tivesse medo da luz.
É
bem entendido que não falo aqui senão da alta franco-maçonaria, e não dessas
lojas feitas pela ilusão, onde se reúnem antes para comer e beber, ou para rir
das perplexidades que inocentes provas causam aos neófitos, senão para discutir
as questões de moral e de filosofia. Seria bem preciso, para que a
franco-maçonaria pudesse continuar a sua missão sem entraves, que tivesse de
distância em distância, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos
fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos
fora do arco. É nesses centros que os adeptos do Espiritismo têm inutilmente tentado
se fazerem ouvir.
Imperativa,
a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso, e professou em segredo o
que proclamais bem alto. Eu retornarei, disse, sobre estas questões, se, no entanto,
os grandes Espíritos que presidem os vossos trabalhos o permitirem. À espera, eu
vo-lo afirmo, a Doutrina Espírita pode perfeitamente se unir às das grandes
lojas do Oriente Médio. Agora, glória ao grande Arquiteto!
Um
antigo franco maçom,
VAUCANSON
(médium, Sr. d’Ambel).
REVISTA
ESPIRITA
JORNAL DE
ESTUDOS PSICOLÓGICOS
7a
ANO NO. 4 ABRIL 1864
A
única garantia séria está na concordância que existe entre as revelações feitas
espontaneamente, por intermédio de um grande número de médiuns estranhos uns
aos outros,
e em diversos países.
Allan Kardec.
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