O LIMPO E
PURO SE TORNA JUSTO E PERFEITO
José Maurício Guimarães
Bondosos
Irmãos me aconselharam a não pretender consertar o mundo. Agradeço o conselho
pois sei que eles desejam o meu bem e prezam pela minha saúde. No fundo, eles
sabem que muita coisa tem que ser consertada. Todos eles, cada um à sua
maneira, estão trabalhando duro para consertar este que é o melhor dos mundos.
Se
desistíssemos de consertar o mundo não haveria necessidade da Maçonaria: poderíamos
fechar nossas portas e irmos fazer o que boa parte dos profanos de avental anda
fazendo: nada.
Dizem que o
progresso é lento, não há o que apressar; mas eu penso que temos que começar em
algum momento - já deveríamos ter começado - não importa se vamos presenciar o
mundo ideal. Quando plantamos uma árvore, não temos de pensar se vamos nos
sentar à sua sombra; alguém no futuro irá colher esse benefício. Este é o
sentido da vida.
Dito isso,
vamos em frente com esquadros, compassos, alavancas, níveis, prumos e trolhas,
maço, cinzel e espadas para consertar o mundo: bastam uns ajustes aqui e ali.
Quanto ao
bem da Ordem em geral, e das Lojas em particular, faríamos bem se começássemos
pelo início: as sindicâncias.
Todos os
dias vejo novos artigos na internet sobre as sindicâncias, sinal que o assunto
preocupa muita gente e nada tem sido feito, em termos de instrução, legislação
e regulamentos, para melhorá-las.
Começo minha
dissertação pela certeza de que as Lojas não são "hospitais", nem
reformatórios morais, apesar de o nome "oficina" sugerir uma
lanternagem completa ou retífica de motor em seres humanos completamente
enguiçados. A Maçonaria não existe para consertar ninguém, e sim para
aperfeiçoar o que já é bom.
Um candidato
deve ser limpo e puro, isto é - isento de qualquer sujidade, impureza ou
mancha; deve ser livre de culpa, um homem correto, apurado e não nocivo ao meio
social. Puro quer dizer claro, transparente como o cristal sem mancha ou nódoa;
imaculado, virtuoso e reto. Ao se expressar em palavras, o candidato ideal deve
dizer o que pensa e sente com sinceridade e franqueza.
A palavra
candidato vem de "cândido", algo de grande alvura, muito branco e
puro. Ouvi dizer que na remota antiguidade os candidatos às iniciações
compareciam vestidos de branco.
Hoje, do
jeito que são feitas, nossas sindicâncias avaliam tudo isso?
Claro que
não!
Para começo
de conversa, o papel aceita tudo:
- Crê em Deus? - Sim.
- Crê na preexistência e imortalidade da alma? -
Sim (com essas duas respostas, resumidas em três
letrinhas, pretende-se avaliar os questionamentos mais relevantes da humanidade
e dos quais se ocuparam todos os filósofos durante mais de trinta séculos!)
- Faz uso de bebidas alcoólicas? - Socialmente (e eu me pergunto o que é ingerir de álcool socialmente...)
As
costumeiras entrevistas não dizem nada sobre a natureza íntima do candidato;
podem, no máximo, atestar suas habilidades, seu modo de falar, o nível social
em que vive e os bens que possui. Mas não revelam suas predisposições e seu
verdadeiro caráter.
Percebem
como é difícil sondar o coração e a mente de quem se diz limpo e puro?
Indicar
alguém "para a Maçonaria" é mais do que selecioná-lo num grupo de
amigos; poderá ser alguém da melhor reputação, de refinada instrução e cultura,
ostentar vida familiar exemplar, ter sucesso na profissão e nos negócios,
mas... não possuir o PERFIL de maçom.
Como avaliar
o perfil do candidato?
- Isso só
pode ser garantido pelo maçom que o está indicando - o
"padrinho"; ele é a testemunha e avalista do conjunto de traços
psicológicos que tornam o candidato apto para assumir as responsabilidades de
homem livre em Loja. Partem de quem apresenta um candidato as informações mais
concisas, pois há de se supor que o padrinho conheça o candidato de longa data
e intimamente. E mais: a Loja deverá estar certa de que o tal
"padrinho" tem sido excelente maçom e obreiro dedicado. De outra
forma, sendo ele um maçom descompromissado, haverá de indicar um sujeito que se
lhe assemelhe, normalmente um bom piadista, excelente churrasqueiro, mestre
cervejeiro, e só. Disso já estamos bem servidos.
Uma vez
sindicado e aprovado pela Loja, com base no que está escrito e no julgamento
subjetivo dos três sindicantes, marca-se a data da Iniciação. O candidato bate
à porta do Templo sendo declarado livre e de bons costumes. Daí em diante
toca-se o ritual em frente com os mesmo erros e gaguejos de sempre, pois todas
as atenções estão voltadas para os maçantes discursos no final e para o ágape
no salão de festas.
Por estas e
outras razões, quando ouço anunciarem que alguém foi indicado "para a
Maçonaria", eu tremo... e costumo assistir com certa apreensão à cerimônia
de Iniciação, pois não se pode dizer com certeza o que virá dali.
Tanta
pureza e tanta inocência deveriam também ser levadas em consideração na escolha
de nossos representantes no mundo político. A consciência de cada cidadão faz a
sindicância durante a campanha eleitoral. Em seguida vem o escrutínio secreto
nas urnas. Apurados os votos e consagrado o homem público na cerimônia de
posse, todos correm para tirar fotos com ele. Porém, muito cuidado: quem hoje
posa do nosso lado em fotografias poderá amanhã estar posando para fotos de
frente e de perfil, com ficha numerada e uniforme listrado, numa delegacia da
polícia federal...
Acontece a
mesma coisa com o candidato que trazemos ao Portal do Templo Maçônico. Só
depois de muita convivência é que teremos alguma certeza de seu verdadeiro
perfil.
Não me
censurem por dizer isso, pois os maiores problemas vividos pela Maçonaria foram
e são causados por maçons regularmente indicados, passaram por sindicâncias,
foram escrutinados e iniciados em Loja justa, perfeita e regular. Eu poderia
citar uma centena de casos locais, mas prefiro me ater ao escândalo internacional
entre os anos 1966 e 1974, provocado pela Loja italiana "Propaganda
Due" (Propaganda Dois ou P2) que foi declarada ilegal e expulsa do Grande
Oriente da Itália por acusações de participação em negócios fraudulentos e
envolvimento com a Opus Dei, membros remanescentes do nazismo, gente da máfia,
conspirações neofascistas, o Banco do Vaticano e mortes misteriosas de
autoridades e políticos italianos. Prefiro não entrar em detalhes; esse assunto
é altamente explosivo e polêmico. O que eu quero demonstrar é o caminho que
certos "iniciados" podem vir a tomar, como no caso do Venerável
Mestre daquela Loja "Propaganda Due", o empresário Licio Gelli,
condenado a 18 anos de prisão em 1992, pela falência fraudulenta no caso do
Banco Ambrosiano, e em 1994 por calúnia, delitos financeiros e por deter
documentos secretos. Permaneceu em prisão domiciliar, e morreu em dezembro do
ano passado em sua “villa” na Toscana.
Quem quiser
se aprofundar no assunto, basta perguntar ao professor Google, ou ler o livro
"Em Nome de Deus" do jornalista britânico David Yallop que investigou
a morte do papa João Paulo I (Albino Luciani) em 1978.
Teoria da
conspiração? fantasia? sensacionalismo? Vocês decidem (mas não confundam o
título com um outro livro, de Karen Armstrong, que trata do fundamentalismo
religioso). E se não quiserem ter muitos pesadelos, leiam o último livro de
Umberto Eco, "Número Zero", que mais verdades do que ficção. Para os
preguiçosos, que não leem de jeito nenhum, há os documentários no History Channel
que podem ser visualizados no youtube: [ https://www.youtube.com/watch?v=QPjRBVtMJ88
]
O processo
iniciático caracteriza-se pela passagem do homem livre e de bons costumes para
Homem Justo e Perfeito (releiam
esta frase e reflitam sobre seu significado... se julgarem conveniente e
possível, levem essa reflexão para as Lojas).
Neste mundo,
dominado pelo materialismo, já é difícil encontrarmos um homem bom e justo,
vocês sabem disso; mas certificar-se de que ele é limpo, puro, livre e de bons
costumes é dificílimo.
Diz a
história que Diógenes, filósofo grego que viveu por volta de 300 antes de Cristo,
perambulava pelas ruas com uma lamparina acesa, em plena luz do dia. Perguntado
porque, ele dizia que procurava por homens verdadeiramente livres,
autossuficientes e virtuosos. Diógenes vivia seminu dentro de um barril e
cercado pelos cães. Desprezava a opinião comum e afirmava que a humanidade
vivia de maneira hipócrita. Aconselhava a seus contemporâneos que observassem o
comportamento dos cães para maior proveito nas relações pessoais e na política.
Na época dele talvez não existissem Lojas como as de hoje; mas se existissem,
ele seria o melhor dos sindicantes. Dizem que Alexandre, o Grande, sabendo das
buscas que ele empreendia, foi procurá-lo para ser seu discípulo. Encontrou
Diógenes deitado no chão ao lado do barril, tomando um banho de sol. Impressionado,
Alexandre disse:
- Já
conquistei todas as terras do mundo, mas desejo maiores conhecimentos. Peça-me
o que quiser e eu lhe darei - honrarias, escravos e tesouros. Mas antes, como
posso também ajudá-lo a sair dessa miséria?"
Diógenes
abriu preguiçosamente os olhos e respondeu:
- Por favor,
simplesmente afaste-se um pouco para a direita, pois está tapando a luz do
sol".
Alexandre
retirou-se, pois ele era apenas "o Grande", sem ser Justo e Perfeito.
Quanto a
Diógenes, por ser um livre pensador e não bajular os chefes, foi preso e
vendido como escravo.
Enviado pelo irmão Devaldo de Souza
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