Em oração
Na véspera da partida do
Senhor, no rumo de Sídon, o culto do Evangelho, na residência de Pedro,
revestiu-se de justificável melancolia. As atividades do estudo edificante
prosseguiriam, mas o trabalho da revelação, de algum modo, experimentaria
interrupção natural.
A leitura de comoventes
páginas de Isaías foi levada a efeito por Mateus, com visível emotividade;
entretanto, nessa noite de despedidas, ninguém formulou qualquer indagação.
Intraduzível expectativa
pairava no semblante de todos.
O Mestre, por si,
absteve-se de qualquer comentário, mas, ao término da reunião, levantou os
olhos lúcidos para o Céu e Suplicou fervorosamente:
— Pai, acende a Tua Divina
Luz em torno de todos aqueles que Te olvidaram a bênção, nas sombras da
caminhada terrestre.
Ampara os que se
esqueceram de repartir o pão que lhes sobra na mesa farta.
Ajuda aos que não se
envergonham de ostentar felicidade, ao lado da miséria e do infortúnio.
Socorre os que se não lembram
de agradecer aos benfeitores.
Compadece-te daqueles que
dormiram nos pesadelos do vício, transmitindo herança dolorosa aos que iniciam
a jornada humana.
Levanta os que olvidaram a
obrigação de serviço ao próximo.
Apieda-te do sábio que
ocultou a inteligência entre as quatro paredes do paraíso doméstico.
Desperta os que sonham com
o domínio do mundo, desconhecendo que a existência na carne é simples minuto
entre o berço e o túmulo, à frente da Eternidade.
Ergue os que caíram
vencidos pelo excesso de conforto material.
Corrige os que espalham a
tristeza e o pessimismo entre os semelhantes.
Perdoa aos que recusaram a
oportunidade de pacificação e marcham disseminando a revolta e a indisciplina.
Intervém a favor de todos
os que se acreditam detentores de fantasioso poder e supõem loucamente
absorver-te o juízo, condenando os próprios irmãos.
Acorda as almas distraídas
que envenenam o caminho dos outros com a agressão espiritual dos gestos
intempestivos.
Estende paternas mãos a
todos os que olvidaram a sentença de morte renovadora da vida que a tua lei
lhes gravou no corpo precário.
Esclarece os que se
perderam nas trevas do ódio e da vingança, da ambição transviada e da impiedade
fria, que se acreditam poderosos e livres, quando não passam de escravos,
dignos de compaixão, diante de teus sublimes desígnios.
Eles todos, Pai, são
delinquentes que escapam aos tribunais da Terra, mas estão assinalados por Tua
Justiça Soberana e Perfeita, por delitos de esquecimento, perante o Infinito
Bem...
A essa altura, interrompeu-se
a rogativa singular.
Quase todos os presentes,
inclusive o próprio Mestre, mostravam lágrimas nos olhos e, no alto, a Lua
radiosa, em plenilúnio divino, fazendo incidir seus raios sobre a modesta
vivenda de Simão, parecia clamar sem palavras que muitos homens poderiam viver
esquecidos do Supremo Senhor; entretanto, o Pai de Infinita Bondade e de
Perfeita Justiça, amoroso e reto, continuaria velando...
NEIO LÚCIO
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