A expressão “Era Vulgar” e o Calendário Maçônico
Desde os idos mais antigos a humanidade utiliza-se de certos
referenciais para delimitar um determinado espaço de tempo. Os astrônomos
servem-se de acontecimentos naturais ou fenômenos a que se referem os seus
cálculos, como as revoluções da Lua, os equinócios e solstícios, os eclipses e
a passagem dos cometas. Os cronologistas e historiadores, servem-se também de
certos acontecimentos que tiveram influência sobre o gênero humano. Designam-se
as épocas enunciando os fatos notáveis a que se referem: Criação do mundo,
fundação de Roma e o nascimento de Cristo, entre outros. Primitivamente, os
tempos eram calculados em gerações: a Bíblia, por exemplo, conta dez gerações
antes do Dilúvio e outras dez depois do Dilúvio. Já segundo Heródoto (Grego
considerado o Pai da História) e a maior parte dos autores da época, três
gerações correspondiam a cem anos. Posteriormente, possivelmente no século
VIII, introduziu-se o uso das Eras, que consistiam no número de anos civis de
um povo que decorriam desde uma época notável, tomada como ponto de referência,
e que dava o nome à era adotada.
Quanto à etimologia da palavra “Era”, é um tanto controversa.
Alguns indícios apontam que teve sua origem na Espanha e, acredita-se, ser a
contração das iniciais A.E.R.A. encontradas nos monumentos antigos e que
significam Annus Erat Regni Augusti (era o ano do reinado de Augusto) ou Ab
Exordio Regni Augusti que significa “Do começo do reinado de Augusto”, pois os
Espanhóis iniciaram seus cálculos a partir do período que o país ficou sob o domínio
de Augusto. Outros dizem derivar da palavra latina aes, aeris (bronze), porque
das medalhas e moedas desse metal se deduzia a data do acontecimento notável
que serviu de começo a uma serie de anos. As palavras era e época tem certa
relação entre si, mas contudo são bem distintas: Era, é o número de anos
decorridos desde certo acontecimento notável; época é o momento desse
acontecimento. De todos os marcos de início que se poderiam escolher, nenhum
seria mais apropriado e natural do que o próprio começo do tempo, isto é: o
instante do ponto de partida da primeira volta da Terra em torno do Sol, no
princípio do mundo. Todos os povos tomariam este instante se tivesse sido
possível determiná-lo. Não o sendo cada povo adotou, como já dissemos, uma Era:
A dos Judeus funda-se na criação do Mundo, segundo o Gênesis; a dos antigos
Romanos, na fundação da sua Capital; a dos Gregos, no estabelecimento dos jogos
Olímpicos; a dos Egípcios, na ascensão de Nabonassar, primeiro rei da
Babilônia, ao trono daquele Império; a dos Cristãos no nascimento de Cristo.
Já a expressão Vulgar tem origem no Latim Vulgaris ou Vulgus
e primitivamente significava “pessoas comuns” ou seja, aqueles que não são da
realeza. Isto pelo menos até meados do século XVI quando a palavra Vulgar
passou a ter o significado de algo “grosseiramente indecente”. Foram os Judeus,
no entanto, que substituíram o antes de Cristo e o depois de Cristo por antes e
depois da Era Vulgar. Como a Era Cristã, sob a denominação de Era Vulgar, é a
mais empregada, serve de termo médio e de comparação com as outras, as quais
podem se classificar em Eras antigas, as anteriores à Era Vulgar, e Eras
Modernas, as posteriores. A Era Vulgar, portanto, designa o calendário
Gregoriano mundialmente adotado. Para entender como a expressão Era Vulgar
passou a ser empregada na Maçonaria, é preciso lançar mão do Calendário
Maçônico. O primeiro ano do Calendário Maçônico é o Ano da Verdadeira Luz, Anno
Lucis em Latim, ou simplesmente V.´.L.´. ou A.´.L.´. como empregado na datação
de antigos documentos Maçônicos do século XVIII, e interpretado como Latomorum
Anno ou, como no texto original em inglês que serviu de base para esta
pesquisa, “Age of Stonecutters” – que significa “Idade dos Cortadores de
Pedra”. A determinação do Ano da Verdadeira Luz teria sido com base nos
cálculos de James Usher, um bispo Anglicano nascido no ano de 1581, em Dublim.
Usher havia desenvolvido um cronograma que começava com a criação do mundo
segundo o Livro de Gênesis, que precisou ter ocorrido as 09 horas da manhã do
dia 23 de Outubro de 4004 A.C., com base no texto Massotérico (texto em
hebraico que deu origem à vários capítulos da Bíblia) ao invés do Septuaginta
(antiga tradução grega do Velho Testamento). Neste contexto, James Anderson fez
constar em sua Constituição de 1723 a adoção de uma cronologia independente da
religião, pelo menos no contexto britânico da época, com o objetivo de afirmar,
simbolicamente, a Universalidade da Maçonaria. Foi aceito, portanto, que o
início da Era Maçônica deu-se 4000 anos antes da Era Comum ou Vulgar. Nota-se o
que parece ser um pequeno arredondamento de quatro anos entre os cálculos de
Usher e o que foi adotado nas Constituições de Anderson. O Ano Maçônico tem o
mesmo comprimento do ano Gregoriano, no entanto, começa em 01 de março – assim
como o Ano Juliano que ainda estava em vigor quando da redação das
Constituições de Anderson. No calendário Maçônico os meses são designados pelo
seu número ordinal. Assim, 01 de março de 2011 da E.´. V.´. seria o dia 01 do
mês 01 do ano de 6011 da V.´.L.´., segundo Anderson.
Se por um lado existem claras referências nas Constituições
de Anderson a eventos calculados segundo a regra que citamos, por outro tal
prática parece não ter sido adotada como regra geral. Os antigos maçons dos
Ritos de York e Francês adicionavam 4000 anos à Era Vulgar, conforme as
Constituições de Anderson. No entanto Maçons do Rito Escocês Antigo e Aceito
utilizavam o calendário judaico, adicionando 3760 anos à Era Vulgar. Já os
Maçons do Arco Real utilizavam-se da data de construção do segundo Templo, ou
530 anos antes da Era de Cristo. Qualquer que seja o motivo que tenha levado a
tantas variações nos diferentes Ritos, um calendário maçônico é baseado na data
de um evento ou um começo, e estas referências eram usadas em documentos
oficiais das Lojas. As datas históricas são símbolos de novos começos, e não
devem ser interpretadas como se já houvesse uma loja maçônica no Jardim do
Éden… A idéia só foi concebida para se transmitir que os princípios da maçonaria
(e não a maçonaria em si) são tão antigos quanto a existência do mundo. Vejo
que qualquer outro significado Maçônico para estas datas não passam de um
desejo dos primeiros maçons escritores de criar uma linhagem antiga para a
Maçonaria, nos moldes de suas imaginações.
No Brasil há registros de que o GOB utilizava, nos primórdios
da maçonaria Nacional, um calendário equinocial muito próximo do calendário
hebraico, situando o início do ano maçônico não em 01 de março como sugere
Anderson, mas no dia 21 de março (equinócio de outono, no hemisfério Sul) e
acrescentando 4000 aos anos da Era Vulgar, datando seus documentos com o ano da
V.´.L.´.(A.´.L.´.). Desta maneira, o 6° mês Maçônico tinha início a 21 de
agosto (primeiro dia do sexto mês) e o 20° dia era, portanto, 09 de setembro da
E.´.V.´., como situa um Boletim do GOB de 1874, isto segundo o Irm\ José
Castellani, em sua obra “Do pó aos arquivos”. Outro bom exemplo é a imagem do
topo deste artigo, retirado da Ata de Iniciação de D. Pedro I :
O fato é que datar pranchas e documentos maçônicos com o ano
da V.´.L.´. caiu em desuso, talvez porque hoje saibamos que nosso sistema solar
existe há mais de 4,5 bilhões de anos. Utilizar o calendário Gregoriano e
referir-se a ele como E.´.V.´., é a pratica mais comum nos dias atuais.
Bibliografia:
Philosophical
e Mathematical Dictionary – Vol I – 1815 – Google Books
Peça de Arquitetura do Irm\ Antonio Carlos Rios – Academia
Maçonica de Letras do MS – COMS-COMAB
Pesquisas Objetivas – http://www.calendario.cnt.br/pesquisas2004.htm
The Masonic
Manual by Robert Macoy – Revised Edition – 1867
Do pó aos arquivos – José Castellani
Web Site da Grande Loja Maçônica de Minnesota-USA
Considerações do Irm\ Reinaldo Roberto Gianelli Jr.
Fonte: blog.msmacom.com.br
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