O Maçom
e a Dúvida
Charles
Evaldo Boller
Na Maçonaria buscam-se novos horizontes no plano do pensamento. Existem
conhecimentos que escapam ao campo da experiência em virtude da limitação
sensorial e analítica inerente ao homem ego: aquele que bloqueia qualquer atitude
verdadeira e autêntica em si, tornando-se seu próprio inimigo. São noções que
exigem círculos de juízos muito acima dos limites individuais e da linguagem
humana. Ideias que ultrapassam o mundo sensível,
onde a experiência
não serve de
guia.
São quatro as escolas que permeiam as discussões dos maçons:
a Autêntica ou Histórica; Antropológica ou Primitiva; Mística ou Teológica;
e Oculta ou Esotérica. As investigações, destas diferentes escolas, partem com
os pensamentos de base inicialmente teológicas e mágicas, depois metafísicas e
místicas, podendo alcançar o nível da compreensão científica. Devido a estes
diferentes níveis de estudo progressivos, a Maçonaria ressalta a importância do
respeito ao pensamento do outro, enquanto a ideia passa pelas diversas fases em
direção a consolidação: é quando o pensamento deixa de ser filosófico e passa a
ser ciência. E é apenas nestas situações que o maçom exercita a tolerância: somente
para com o pensamento do outro. Mau comportamento e atitudes grosseiras nunca
devem ser aceitas porque conspurcam o ambiente puro desejado para os estudos da
nobre arte do pensamento, cujo alicerce é a dúvida.
O ponto forte da fraternidade maçônica é o respeito ao pensamento do
outro.
Na área da especulação,
fatalmente os intelectuais enveredam
no Eruditismo, o que complica a absorção de conhecimentos mais sutis. Outros mais tímidos têm
medo de exporem
seus pensamentos. Existem aqueles
que conhecem, mas não compartilham seus conhecimentos. Porém, seguindo a
metodologia maçônica, o entendimento de conhecimentos acima dos limites normais
de entendimento é aprendido com facilidade quando o grupo e suas dinâmicas agem
sobre a pessoa, razão da necessidade de reuniões regulares em loja: os
participantes se soltam e lentamente o conhecimento de todos aumenta.
Mesmo na complexidade dos temas, não existe na Maçonaria a
figura do professor, seja na pessoa do venerável, do orador, dos vigilantes
ou qualquer outro maçom:
todos são mestres
e aprendizes. O conhecimento suprassensorial, das vivências
do homem e seu despertar pela vontade em atividades e experiências da
liberdade, é transmitido de pessoa a pessoa na forma de blocos de informação
que emanam da interação do grupo e não da imposição de algum líder.
O maçom duvida até o momento em que passa a sentir e entender fenômenos
sublimes com o auxílio de sua própria capacidade intelectual e sensorial, ou na
eminência de comprovação científica de suas ideias.
O processo evolutivo do pensamento
atravessa distintas fases de tratamento mental: parte-se da
observação concreta e abstrata, envereda-se pela meditação e análise indutiva e
dedutiva para, finalmente, florescer na linguagem e nos processos mentais
racionais. Este é o caminho por onde passam
todas as análises
dos fenômenos invisíveis que, pelo fato de não serem
acessíveis aos padrões normais, são sempre retomados e criticados: florescem da
dúvida.
Informações e conceitos como Grande Arquiteto do Universo,
liberdade, imortalidade, e outros,
apenas são acessíveis
e estudados pela Metafísica e Mística depois de
passarem pelos processos naturais de desenvolvimento. No plano espiritual os
pensamentos são impossíveis de se definirem ou de se estabelecerem em resultados
desejáveis a priori. Daí todos os processos de busca das verdades sutis serem
apenas especulações filosóficas incertas. E estas,
considerando a ilusão
sensorial a que o homem é submetido pela própria
Natureza, devem sempre serem reavaliadas, desacreditadas, reconsideradas. O
Ceticismo é a atitude usual do maçom porque, apesar de perscrutar em direção à verdade,
sabe que está
sendo enganado permanentemente pelos seus
sensores primários, daí expandir também esta disposição aos sensores sutis, aqueles que tem a faculdade de
penetrarem na alma, na essência do ser.
Em Maçonaria, o conhecimento
transcendental passa inicialmente
pelo estabelecimento de lendas e ficções que servem apenas de esboço aos
pensamentos iniciais. Estes depois são filtrados em outros níveis. Podem chegar
a verdades demonstráveis por leis
naturais: as ideias apenas são lançadas dentro da mente dos
ouvintes que, de sua livre iniciativa, usa como guarda de trânsito o
livre-arbítrio, as adaptam e modificam ao nível de sua própria evolução. Daí se
afirmar que não existe a figura
do educador, existe apenas
autoeducação, o que elimina
a figura do professor, do mestre. A maioria das revelações, em níveis
sensoriais sutis ocorre em grupo e é resultado de pura intuição individual.
Pode ser percebida, mas não verbalizada, racionalizada. O acesso ao divino se
dá apenas no silêncio.
Alguns maçons penetram logo naquilo que a Maçonaria provoca nestes
aspectos, outros só alcançam a Luz, ou Aufklärung de Kant, depois de longa e
penosa caminhada. Outros, mais arraigados ao seu conservadorismo, ego e vícios,
jamais a veem. A divindade não pode ser pensada, falada, refletida, apenas
percebida na meditação contemplativa, receptiva afastada de exercícios do
intelecto.
Independente do fato de perceberem
verdades mais sutis ou
não, o que interessa aos maçons em suas oficinas é reunirem-se para debaterem
assuntos que possibilitem a evolução individual, cujo caminho passa pela
dúvida. Maçom desperto é homem inquieto e desejoso em decifrar os mistérios que
estão velados nos rituais e na Natureza. Uma vez percebida uma particularidade ao
seu redor, o maçom duvida. Não em sentido negativo, mas atento, de modo a
reavaliar os mistérios debaixo da luz contemporânea da ciência e evolução
tecnológica. É da dúvida que nascem novos e inusitados pensamentos que tem a
pretensão de mudar o homem, e com isso a sociedade e o mundo. É a busca do
homem cósmico, integrado ao Universo, com o qual se unifica. É por isso que
podem denominar o maçom iluminado como aquele que se considera "filho da
heresia": aquele que busca na dúvida reavaliar conceitos já estabelecidos
para fugir da estagnação e do conservadorismo.
O maçom e a dúvida são companheiros inseparáveis na caminhada pelo
Universo que se originou num ponto dentro de um círculo.
Aquele ponto, o ovo cósmico que deu à luz a realidade que o homem é levado
a acreditar, por meios fantásticos. Consciência de que o homem e toda a
materialidade é nada! Tudo é espaço vazio! Inclusive o próprio homem. Tomado em
termos atômicos toda a realidade é apenas uma ilusão dos
sentidos que o Grande Arquiteto
do Universo criou num ato de amor.
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