Luís
Vaz de Camões
PORTUGAL
Alma
minha gentil, que te partiste
Alma
minha gentil, que te partiste
Tão
cedo desta vida, descontente,
Repousa
lá no Céu eternamente
E
viva eu cá na terra sempre triste.
Se
lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória
desta vida se consente,
Não
te esqueças daquele amor ardente
Que
já nos olhos meus tão puro viste.
E
se vires que pode merecer-te
Alguma
cousa a dor que me ficou
Da
mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga
a Deus, que teus anos encurtou,
Que
tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão
cedo de meus olhos te levou.
Luís de Camões
Amor
é fogo que arde sem se ver
Amor
é fogo que arde sem se ver;
É
ferida que dói e não se sente;
É
um contentamento descontente;
É
dor que desatina sem doer;
É
um não querer mais que bem querer;
É
solitário andar por entre a gente;
É
nunca contentar-se de contente;
É
cuidar que se ganha em se perder;
É
querer estar preso por vontade;
É
servir a quem vence, o vencedor;
É
ter com quem nos mata lealdade.
Mas
como causar pode seu favor
Nos
corações humanos amizade,
Se
tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís de Camões
Ditoso
seja aquele que somente
Ditoso
seja aquele que somente
Se
queixa de amorosas esquivanças;
Pois
por elas não perde as esperanças
De
poder nalgum tempo ser contente.
Ditoso
seja quem, estando absente,
Não
sente mais que a pena das lembranças,
Porque,
inda mais que se tema de mudanças,
Menos
se teme a dor quando se sente.
Ditoso
seja, enfim, qualquer estado,
Onde
enganos, desprezos e isenção
Trazem
o coração atormentado.
Mas
triste de quem se sente magoado
De
erros em que não pode haver perdão,
Sem
ficar na alma a mágoa do pecado.
Luís de Camões
O
tempo acaba o ano, o mês e a hora
O
tempo acaba o ano, o mês e a hora,
A
força, a arte, a manha, a fortaleza;
O
tempo acaba a fama e a riqueza,
O
tempo o mesmo tempo de si chora;
O
tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer
ingratidão, qualquer dureza;
Mas
não pode acabar minha tristeza,
Enquanto
não quiserdes vós, Senhora.
O
tempo o claro dia torna escuro
E
o mais ledo prazer em choro triste;
O
tempo, a tempestade em grão bonança.
Mas
de abrandar o tempo estou seguro
O
peito de diamante, onde consiste
A
pena e o prazer desta esperança.
Luís de Camões
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