Impossível seria expor em poucas páginas um relato completo e
abrangente de uma Potência Maçônica que figura hoje entre as mais ativas e
influentes do mundo. O que farei, em rápidas pinceladas algo impressionistas,
será destacar alguns fatos de sua trajetória que me parecem mais relevantes
no que diz respeito às duas dimensões, aparentemente contraditórias, mas na
realidade complementares, que caracterizam a Instituição Maçônica: Tradição e
Modernidade.
Na sua dimensão tradicional, a Maçonaria recolheu ao longo de
sua História e conserva fielmente em seu bojo alguns dos maiores tesouros
espirituais e culturais daquilo que se convencionou chamar de Civilização
Ocidental: as tradições das corporações de pedreiros e construtores e das
Ordens de Cavalaria da Idade Média, os ritos e os mitos dos antigos Mistérios
das antigas civilizações do Oriente Médio e do chamado Mundo Clássico (Grécia
e Roma) e elementos doutrinários e símbolos oriundos da Gnose, do Hermetismo,
da Alquimia e da Cabala. Na sua dimensão moderna, a Maçonaria tem sido um dos
principais canais de transmissão e difusão dos ideais iluministas, liberais e
democráticos.
No Brasil, a Instituição Maçônica esteve sempre na vanguarda
dos movimentos sociais e políticos, exercendo decisiva influência no movimento
pela Independência, no processo de emancipação da mão-de-obra escrava e no
movimento pela implantação do Regime Republicano e pela laicização do Estado
Brasileiro.Nos anos vinte do século passado, ventos renovadores abalam as
estruturas da sociedade brasileira, dominada pelos oligarcas rurais
cafeicultores (São Paulo) e pecuaristas (Minas Gerais) que se alternam no
poder durante a chamada “República Velha”. Jovens oficiais pegam em armas
sonhando concretizar suas utopias: é o fenômeno do “Tenentismo”.
A cidade de São Paulo é um cadinho cultural cosmopolita:
os imigrantes italianos para cá transplantam sua riquíssima bagagem cultural
e artística e também seus ideais anarquistas e socialistas. Em 1922, um grupo
de artistas criativos e inovadores realiza a Semana de Arte Moderna, rompendo
com a submissão ao academicismo europeu.Mário de Andrade e seus companheiros
de ideal escandalizam a Paulicéia lançando o Movimento Antropofágico,
buscando a renovação de nosso mundo artístico através de um mergulho nas mais
profundas raízes de nossa nacionalidade. Surge Macunaíma, o primeiro
anti-herói brasileiro. O país caminha a largos passos rumo a seu primeiro
movimento realmente modernizador: a Revolução de 1930. A Maçonaria Brasileira
não poderia ter permanecido imune a esses ventos de renovação: em 1927 surge
o movimento pela implantação das Grandes Lojas, que visa tornar a Ordem
Maçônica no Brasil mais preparada para salvaguardar sua herança tradicional,
em consonância com a Maçonaria Mundial, e a continuar cumprindo seu papel de
arauto da Modernidade em uma sociedade que se prepara para viver sua primeira
Revolução Modernizadora. À frente desse movimento, um homem extraordinário
que ainda aguarda que sua atuação seja devidamente estudada pelos
historiadores: Mário Marinho de Carvalho Behring (1876-1933).Nascido em Ponte
Nova (MG), cursou o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e formou-se engenheiro
agrônomo pela Escola Agrícola da Bahia em 1896. De volta a sua cidade natal,
exerceu o cargo de Diretor de Obras do Município e fundou o Externato
Pontenovense. Lançou o jornal Tupinambá para criticar a administração
municipal que passou a persegui-lo. Mudou-se então para o Rio de Janeiro, em
1902. No ano seguinte, prestou concurso para trabalhar na Biblioteca Nacional.
Aprovado em primeiro lugar, passou a ocupar o cargo de chefe da Seção de
Manuscritos. Em 1924, o Presidente Artur Bernardes o nomeou Diretor da
Biblioteca Nacional, posto em que se manteve até 1932. Exerceu intensíssima
atividade jornalística, colaborando nos jornais O Imparcial e Jornal do
Comércio. Fundou, ao lado de vários colaboradores, as revistas Fon-Fon,
Careta, Ilustração Brasileira, Cinearte, Para-Todos, Revista da Estrada de
Ferro e Cosmos, nas quais escrevia usando vários pseudônimos. Foi um jornalista
criativo a quem devemos inúmeras inovações nas revistas que ajudou a criar.
Lembremos que Careta foi uma importante revista humorística a satirizar o
governo, a classe política e os costumes da época, vindo a ser uma importante
fonte para o estudo da História Social brasileira no período. Deixou-se
empolgar pelo cinema e instituiu em sua coluna de crítica cinematográfica da
revista Para-Todos a chamada bolsa de cinema, com o objetivo de ajudar o
público a optar pelos melhores espetáculos em cartaz. Batalhou em prol do
cinema educativo e estimulou a construção de boas salas de exibição no país.
Sua vida maçônica teve início em sua cidade natal em 1897, ao ser iniciado na
Loja União Cosmopolita (REAA), na qual exerceu posteriormente o cargo de
Venerável Mestre. Ao se transferir para o Rio de Janeiro, filiou-se à Loja
Ganganelli (Rito Moderno), da qual foi duas vezes Venerável Mestre, em 1903 e
1910. Recebeu o Grau 33 do REAA em 1902. Ocupou vários cargos administrativos
no Grande Oriente do Brasil, sendo eleito Grão-Mestre do mesmo em 1922. Na
época, várias irregularidades dificultavam a plena integração do Grande
Oriente do Brasil no seio da Maçonaria Internacional: o Supremo Conselho
administrava conjuntamente o REAA e o Rito Moderno e o cargo de Soberano
Grande Comendador era exercido pelo próprio Grão-Mestre da Potência
Simbólica, enquanto que a regra internacionalmente admitida obriga que os
Graus Simbólicos e os Altos Graus sejam administrados separadamente. Tomando
aguda consciência do peso dessas irregularidades ao participar, como
Grão-Mestre Adjunto do Grande Oriente do Brasil, do Congresso Maçônico de
Lausanne (Suíça) em 1921, Mário Behring iniciou um trabalho de ajustamento da
Maçonaria Brasileira aos padrões internacionais que acabou dando origem, em
1927, às Grandes Lojas Brasileiras, a primeira das quais foi implantada na
Bahia. No dia 2 de julho de 1927, no Templo Centenário, pertencente à Loja
Amizade Nº 1 e sediado à Rua Tabatinguera 37, foi realizada a Sessão de
Instalação da Grande Loja do Estado de São Paulo (G.L.E.S.P.), tendo sido
designado Grão-Mestre Provisório o Irmão Carlos Reis, que permaneceu à testa
da nova Obediência até sua passagem para o Oriente Eterno em 1931. Sucedeu-o
no cargo seu irmão carnal Benjamin Reis, que governou a G.L.E.S.P. durante os
dias negros do Estado Novo, quando a Obediência permaneceu fechada por dois
anos e nove meses, a partir de setembro de 1937, por imposição do ditador
Vargas. Em 1944 foi eleito Grão-Mestre o Irmão Carlos Reis Filho diretor da
Secretaria de Educação do Estado e filho do primeiro Grão-Mestre. Permaneceu
no cargo até 1950, quando foi substituído pelo Irmão Alcides do Valle e
Silva, coronel e professor da Força Pública do Estado de São Paulo (atual
Polícia Militar).Devo aqui abrir um espaço para registrar um fato que, na
minha perspectiva, se reveste de suma importância para se avaliar o papel da
G.L.E.S.P. na História da Maçonaria Mundial. Em 7 de janeiro de 1951 falecia
no Cairo o Irmão René Guénon, um dos mais importantes pensadores maçônicos do
século XX, e profundo conhecedor das tradições espirituais do Oriente e do
Ocidente. De 1929 até 1950 manteve o grande tradicionalista francês
correspondência com um amigo brasileiro, o fazendeiro Fernando Guedes Galvão,
residente em Amparo, SP, que o havia conhecido pessoalmente em Paris. Na
carta nº 23 da correspondência Guénon - Galvão, datada do Cairo a 12 de
novembro de 1950, o pensador francês menciona explicitamente a G.L.E.S.P.: -
Estou muito curioso de saber o que o Sr. pôde constatar no que concerne à
Grande Loja de São Paulo e às tendências que existem nesse meio; seria de
desejar que elas fossem favoráveis, mas, bem entendido, de maneira nenhuma
sei o que poderá ser... Em sua derradeira missiva a Galvão (carta nº 24)
datada do Cairo a 23 de novembro de 1950, a menos de dois meses antes de sua
passagem para o Oriente Eterno, Guénon retoma a questão, cobrando de seu
correspondente brasileiro informações sobre a G.L.E.S.P. com uma certa
impaciência: - O Sr. não me disse ainda se pôde estabelecer contacto com a
Grande Loja de São Paulo, como era sua intenção. Eu estaria muito interessado
em saber do que se trata, e, em caso afirmativo, qual a impressão que o Sr.
teria tido desse meio. Vemos, através dessas linhas, que o Irmão René Guénon,
que muito se bateu pela salvaguarda dos aspectos espirituais e tradicionais
da Maçonaria, praticamente passou para o Oriente Eterno com os olhos postos
na G.L.E.S.P., nutrindo talvez a esperança de que ela viesse a se constituir
em um baluarte de defesa dos mais autênticos princípios da Ordem Maçônica
(1).As instalações materiais da Potência Maçônica que atraiu as atenções de
René Guénon foram, de início, bastante simples. Em seus primeiros anos, a
G.L.E.S.P. funcionou hospedada nas dependências da Loja Amizade. Quando esta
se desligou da Grande Loja, esta última foi transferida para a Rua Pedro
Lessa 2, onde permaneceu de 1933 a 1936. Passou depois a funcionar na Rua
General Osório 141, no bairro de Santa Ifigênia. Em julho de 1940, depois do
período de hibernação imposto pela ditadura, a G.L.E.S.P. retomou suas
atividades, agora na rua Bresser 1.145, no bairro do Brás, em dependências
bastante precárias, improvisadas em cima de uma garagem, no fundo do quintal
de uma residência cedida gratuitamente. Em 1949 foi transferida para o número
1.805 da mesma rua, perto da Rua Visconde de Parnaíba, a poucos passos da
casa onde o autor destas linhas, sem nada saber de Maçonaria, vivia alegre e
despreocupadamente os anos de sua infância... Em 1950, o Grão-Mestre Alcides
do Valle e Silva locou duas salas no Edifício do SESC, na Rua Riachuelo. Em
1953 a G.L.E.S.P., conseguiu sua primeira sede própria, doada pela Loja
Perfeita Amizade, na Rua São Bento 405, 10º andar, no famoso Prédio
Martinelli. Em 1956 foi eleito quinto Grão-Mestre de nossa Potência o Irmão
Francisco Rorato (1911 - 1983), um dos mais ativos e corajosos líderes
maçônicos do século XX, autor dos primeiros projetos que contribuíram para a
grandeza da G.L.E.S.P. de hoje. A ele a Grande Loja deve o lançamento de seu
periódico A Verdade, a fundação da Ação Social Gonçalves Ledo e,
principalmente, a construção do atual Palácio Maçônico, na Rua São Joaquim
138, no bairro da Liberdade, inaugurado em 1961, época em que o autor deste
relato, que continuava a desconhecer totalmente a Maçonaria, começava a
trabalhar como tradutor de filmes japoneses no Cine Tóquio – hoje
transformado em igreja evangélica -, situado exatamente em frente da nova
sede da Grande Loja. Lembro-me de que muitas vezes ficava então olhando para
aquele imponente palácio de linhas clássicas e austeras, morto de curiosidade
de saber que segredos se ocultariam atrás daquelas sólidas
paredes...Lembremos que o Irmão Rorato foi novamente eleito Grão-Mestre em
1974. No ano seguinte, tive um contacto, através de um aluno da USP que se
dedicava à música, com seu Grão-Mestre Adjunto, o Irmão Hervê Cordovil, a
primeira pessoa a conversar comigo sobre Maçonaria... Em 1977 Rorato presidiu
os festejos do Cinqüentenário da G.L.E.S.P., dentre os quais se destaca a inauguração,
no Hall Nobre do Palácio Maçônico, da Célula do Tempo, uma urna contendo
registros, documentos, jornais, dinheiro, passes de bonde e outros
testemunhos da época, que deverá ser aberta no ano de 2027, quando da
celebração do Centenário da Instituição. Rorato soube se cercar de colabores
competentes e dedicados como o Irmão Teobaldo Varolli, douto pesquisador da
Doutrina Maçônica e autor de excelentes manuais de introdução ao estudo dos
Graus Simbólicos, e o Irmão Erwin Seignemartin, que depois de prestar
excelentes serviços na área de Relações Exteriores, foi eleito Grão-Mestre em
1977.Em suma, após a edificação do Palácio Maçônico, a G.L.E.S.P. prosseguiu
sua brilhante trajetória, sempre conciliando a estrita fidelidade à mais pura
tradição maçônica com um esforço contínuo no sentido da modernização de suas
estruturas para ir acertando o passo com os novos tempos. Aqui só nos é
possível registrar alguns dos momentos mais significativos dessa
caminhada.Lembremos, em primeiro lugar, a figura do Grão-Mestre Washington
Pelucio, eleito em 1962 e reeleito em 1965, que criou em 1966 a Confederação
da Maçonaria Simbólica do Brasil (CMSB), entidade que congrega as Grandes
Lojas Estaduais nascidas do sonho do Irmão Mário Behring. Em segundo lugar,
cabe destacar a atuação do Irmão Erwin Seignemartin, Grão-Mestre de 1977 a
1980. Inteiramente dedicado à missão de estimular o crescimento da G.L.E.S.P.
e de aprofundar e aprimorar o trabalho maçônico, quando deixou o
Grão-Mestrado, a Obediência já contava com 180 Lojas a ela filiadas. Em
terceiro lugar, cumpre destacar o trabalho de modernização da Instituição
empreendido pelo Grão-Mestre Walter Ferreira, Professor da Escola de
Comunicações e Artes da USP (ECA), que exerceu seu mandato entre 1983 e 1986.
A ele deve a G.L.E.S.P. seu ingresso na Era da Informática, com a iniciativa
da compra de seu primeiro computador. Sucedeu-o outro grande maçom, o Irmão
Orpheu Paraventi Sobrinho que, entre muitas iniciativas, estabeleceu um
roteiro de visitação às Lojas, aproximando-as da Administração Central,
reorganizou os trabalhos dos Distritos Maçônicos, deu prosseguimento à
informatização da Grande Loja, procedeu a reformas no Palácio, nomeou uma
série de comissões para estudos da estrutura e da política da Instituição e
reeditou os Rituais dos Graus Simbólicos, após um criterioso trabalho de
revisão dos mesmos.Nos anos mais recentes, o desenvolvimento da G.L.E.S.P.
prosseguiu a largos passos. Cresceu de maneira notável o número de Oficinas
filiadas à G.L.E.S.P., que hoje se encontra presente praticamente em todos os
rincões de nosso Estado. O Palácio foi reformado e ampliado, sendo construído
um luxuoso Auditório para 200 pessoas. Foi dado todo apoio à implantação das
organizações paramaçônicas como os De Molays, as Rainbow Girls, a Eastern
Star e os Lowtons. Dando seqüência ao trabalho de informatização, é criado o
site da G.L.E.S.P. na Internet: www.mason.com.br - hoje www.glesp.com.br.
Ampliou-se o leque dos tratados de reconhecimento firmados com as Potências
Maçônicas e finalmente a G.L.E.S.P. conquistou o tão almejado reconhecimento
por parte da Grande Loja da Inglaterra. Foi criada uma Secretaria da Cultura.
Em junho de 2001 assume o Grão-Mestrado o Irmão Pedro Luiz Ricardo Gagliardi,
Desembargador e Professor da Faculdade de Direito da USP, dando início a uma
nova era na trajetória da G.L.E.S.P.. Além de prosseguir com as iniciativas
encetadas por seus predecessores, o novo Grão-Mestre tem se esmerado em
estimular eventos e atividades de natureza intelectual e cultural. Todo apoio
é dado à Secretaria da Cultura, que já realizou um concurso de monografias
aberto a todos os Irmãos da Obediência. Foram realizadas Exposições de Arte
centradas em temáticas ligadas à Ordem. Foram lançados, sob os auspícios da
G.L.E.S.P., livros de abalizados escritores maçônicos. Foi criado o Coral da
G.L.E.S.P., que já lançou seu primeiro CD por ocasião da Primeira Bienal do
Livro e do CD Maçônico, inaugurada no dia 25 de agosto de 2003. É estimulada
a criação de Oficinas a trabalhar no Rito de Emulação (erroneamente conhecido
com Rito de York). Fomenta-se uma maior aproximação da Obediência com o mundo
profano. Atenção especial é dispensada à dimensão iniciática e esotérica da
Maçonaria, sendo criada uma Comissão de Estudos Herméticos. Enfim, sob a
direção do Irmão Gagliardi a G.L.E.S.P. prossegue sua gloriosa caminhada como
uma grande Potência Maçônica, digna do novo século que está se iniciando.Que
o leitor me perdoe por, ao invés de uma narrativa abrangente e metódica da
História da Grande Loja, só conseguir apresentar uma sucessão algo incoerente
de episódios pinçados aleatoriamente aqui e acolá, entremeados por digressões
subjetivas e reminiscências pessoais. Acontece que é muito difícil para o
historiador trabalhar com temáticas do tempo presente. Falta-lhe o necessário
distanciamento em relação aos fatos, indispensável para a elaboração de uma
análise equilibrada e objetiva. Acredito que ainda teremos um longo tempo
pela frente antes que seja possível a elaboração de uma História da G.L.E.S.P.
que faça jus à grandeza dessa extraordinária Potência da Maçonaria Paulista.
Janeiro de 2004
Irmão Ricardo Mário Gonçalves
Membro da Secretaria de Cultura da G.L.E.S.P.
(1) GONÇALVES, Ricardo Mário – A Maçonaria Brasileira na
Correspondência Guénon – Galvão, em Cadernos de Pesquisas Maçônicas – 11,
Londrina, A Trolha, 1996, pp. 93 – 99.
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domingo, 1 de março de 2015
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