Escrito por M:.G:.
Venerável
Mestre,
Meus muito queridos Irmãos em todos os seus Graus e Qualidades
Da Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues:
Maçonaria e Intervenção na Sociedade
"Os
limites da minha linguagem denotam os limites do meu Mundo", como escreveu
Wittgenstein é a epígrafe desta minha primeira prancha, que submeto ao superior
juízo dos meus Irmãos da Respeitável Loja de Mestre Affonso Domingues, loja
perfeita que me deu a honra de a integrar.
De
facto, a minha linguagem, limitada até há pouco ao meu parco mundo profano, é a
que consegui, até agora, organizar. Creio vir a ter outra, um dia, bem mais
acertada e rica, orientada pelos princípios e sabedoria da Maçonaria, que, perto
dos 68 anos, recorrendo aos meus restos de vitalidade, pedi para abraçar.
No
seu seio vou reflectir, palavra que significa, afinal, mudar de direcção, isto
é, melhor dizendo, procurar estar apto a fazê-lo.
Eu,
pedra bruta, com a vossa ajuda, iniciei o meu afeiçoamento e aprenderei a
construir. Recorro à alegoria da caverna e digo: de lá saí. Mas foi há pouco e
embora já Filho da Luz ainda ao seu resplendor me estou a habituar, para
reconhecer muito do que me rodeia e deficientemente identificava.
Lembrar-me-ei,
para sempre, do momento em que, na Câmara de Reflexão, perante o enxofre, o sal
e o mercúrio, li "visita o interior da terra, e rectificando, descobrirás
a pedra oculta"("visita interiora terrae, rectificandoque, invenies
occultum lapidem"), bela fórmula de me convidar a conhecer o meu íntimo,
dobrar-me sobre o próprio eu e concentrar-me.
A
bibliografia maçónica assinala que o verdadeiro Maçon protegerá, mesmo com o
perigo da própria vida, os seus Irmãos. Fá-lo-ei, se for caso disso, afirmo-vos
solenemente. E é, agora, o momento de vos agradecer terem-me aceite para ficar
convosco. Em primeiro lugar, ao meu Venerável Mestre, por quem daria a vida
desde que acumulei os anos suficientes para conhecer, ainda na vida profana, a
sua dimensão interior, pois sei ter veiculado o meu pedido de iniciação na
Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues. Depois, aos meus benévolos
Inquiridores; e, obviamente, aos meus Irmãos Mestres, que resolveram
conceder-me a oportunidade de com eles partilhar a vida neste Templo – em
particular ao Irmão Mestre A:. D:., que me amparou tão carinhosamente, ao Irmão
Mestre R:. B:., que me transmitiu as palavras e os toques secretos, corrector
rigoroso das minhas faltas rituais e cuja intervenção em Loja observo com muita
atenção e ao Irmão Mestre 2º Vigilante, que me incentivou, com enorme
envolvimento e cuidados, eu diria ternura, a estar hoje, aqui, a oferecer-vos –
pobre oferta! – a minha primeira prancha. Queria agradecer, também como
melómano, ao Irmão Organista (e em outras amplas qualidades) J:. R:., que de
modo tão sensível nos envolve em ajustadas atmosferas sonoras.
Posto
isto, falar-vos-ei de algumas inquietações que de há muito invadem o meu
espírito, e se prendem com as atitudes e o comportamento concreto dos Maçons
nos tempos que correm, em função do seu obrigatório papel exemplar e
orientador. Claro que não tenho dúvidas de não ser nem o primeiro nem o último
a abordar esta matéria no quadro da nossa Obediência. Tais inquietações têm a
ver, singelamente, com o seu grau de empenhamento como cidadãos, "a
priori" superiormente esclarecidos.
Que
faz um Maçon perante o evoluir ou o regredir da Sociedade onde se movimenta e
como com ela interage?
Recorro
ao caso de um histórico Maçon português, que altos desígnios fizeram um dos
grandes amigos de meu Pai, e do qual ouvi, pela primeira vez, as palavras Maçon
e Maçonaria, um Mestre que acompanhou todo o meu despertar para a complexidade
da Vida. Se o Maçon for como ele, terá o atributo da Coragem que vos
caracteriza, e o levou ao sacrifício absoluto pela causa da Democracia, por
tantos objecto de invocação hipócrita, contra o obscurantismo, pondo a sua vida
em risco. Se o Maçon for como ele, fará o exercício resguardado e em Discrição
da Bondade, não a sua demonstração pública. Discrição e Bondade que são, devem
ser, atributos maçónicos.
Dizia
Beethoven, - que a investigação aponta, quase com certeza absoluta, como maçon
e o grande ensaísta Hans Keller, citado por George Steiner, defende ser a maior
personalidade de que há registo na História do Homem - constituir a Bondade a
qualidade que mais o impressionava. Não falava ele, decerto, nem eu falo, de
uma bondade esgotada no gesto visível, mas na Bondade que torna possível ao
Outro "um fazer" e "um seguimento".
Uma
norma bem clarividente da Grande Loja Legal de Portugal/Grande Loja Regular de
Portugal é o impedimento, em trabalhos maçónicos, de discussões políticas ou
religiosas, como enfraquecedoras da coesão dos Irmãos nos seus trabalhos em
Loja. Mas (e este "mas" não tem, aqui, o sentido de uma
contraposição) sabemos que à Maçonaria, nas suas diversas e autênticas
Obediências, repugna o silêncio violentador das vozes abafadas; e sabemos,
também, que tem de exigir - a História o regista -, sendo Iniciática e
Esotérica, um Estado de Direito, que não será inútil, como o fazem e fizeram
alguns precavidos juristas, qualificar de Direito Justo. Por este Estado, ou
pelo que de mais próximo houve, em cada época, lutaram os nossos maiores.
Por
conseguinte, fora do trabalho maçónico, de esforço para a convergência, o Maçon
tem de ser, na serenidade e na firmeza, um cidadão vigilante e um adversário
dos que corroem, pelo desinteresse e egoísmo, o avanço social. O Maçon tem de
estar atento a qualquer sinal denunciador de atentados à Liberdade, pois é a
Liberdade condição do Indivíduo Social. O Maçon tem de estar atento às
manifestações de autoritarismo intimidatório nos círculos que frequenta, nas
sociedades em que participa, para assim defender a autoridade saneadora e a
disciplina produtiva. Deste modo, propiciará o progresso das Comunidades como
conjuntos solidários.
O Maçon é, por todas as razões que o levaram a essa qualidade, um participante da Polis, agregadora de Cidadãos. Lembro o severo veredicto de Aristóteles: o desinteressado da Política, da organização social é um não homem.
O Maçon é, por todas as razões que o levaram a essa qualidade, um participante da Polis, agregadora de Cidadãos. Lembro o severo veredicto de Aristóteles: o desinteressado da Política, da organização social é um não homem.
Perante
a questão primordial da Liberdade integrante do Estado de Direito, o Maçon tem
de ser, por princípio, proactivo, guardando a reactividade para acontecimentos
emergentes que o atinjam inesperadamente. De facto, a observação da autoridade
constituída não é acto inerte e implica dupla atenção: pode ter deixado de ser
legítima e pode ter desmerecido o respeito da Sociedade.
A
tolerância dos Maçons, que tanto é invocada, suscita-me um comentário, que
advém do aviso contido no significado da palavra: tolerância quer dizer
suportar de modo constante. Suportar deste jeito é possível com o fanático?
Viajemos à origem desta palavra. Fanático é o que serve um templo de modo
delirante, seja em que missão, tarefa, desempenho pessoal ou grupal for. A
tolerância não pode transigir com o fanatismo.
Beneficiamos,
hoje, do sacrifício, em muitos casos da própria vida, de muitos Maçons contra
ignominiosas condições provocadas por humanos contra humanos, por dominadores
sobre dominados, por passadista contra progressistas.
Lincoln
e Franklin Roosevelt, o Marquês de Pombal, Jean Moulin, Pierre Mendès-France,
Salvador Allende são casos de Maçons de excepção; pelas entregas totais às suas
missões, pelo que fizeram pelos povos que serviam, podem-nos iluminar caminhos
e servir de modelos.
Que
o empolgante e belíssimo discurso do genial Chaplin, outro Maçon, no fim do seu
filme "O Grande Ditador, realizado em plena força do Nazi-Fascismo, nos
possa recordar, sempre, que a nossa luta deve continuar preocupada com a
construção de uma sociedade mais justa, alicerçada em Estados de Direito.
Estados que nunca mais ponham em causa o contributo maçónico para que o Homem
se interprete melhor, conheça melhor o Mundo onde está, e aceite com naturalidade
outros Mundos com os quais, estou em absoluto convicto, um dia contactará. Sob
o supremo olhar do Grande Arquitecto do Universo, que nos enche o Espírito, os
Templos e as casas onde nos abrigamos de Felicidade.
M:.G:.
- A:.M:. - R:.L:.M:.A:.D:.
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